Folha 8

O dono (disto tudo) é que sabe

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No dia 19 de Fevereiro de 2020, o Presidente da República, do MPLA e Titular do Poder Executivo, João Lourenço, ordenou que a (sua) Assembleia Nacional devia dar posse ao presidente da (sua) Comissão Nacional Eleitoral (CNE) porque este foi indicado de acordo com a legislação. E assim aconteceu. Manuel Pereira da Silva “Manico” foi nomeado chefe de posto. “Somos um estado de direito e temos que respeitar as leis e o que a lei diz é que é competênci­a do Conselho Superior da Magistratu­ra Judicial (CSMJ) indicar, pelo processo apropriado, o presidente da CNE”, declarou João Lourenço durante uma visita de campo à fábrica Textang II. O presidente da CNE, Manuel Pereira da Silva “Manico”, que tomou nesse dia posse na Assembleia Nacional, foi uma escolha no mínimo controvers­a que mereceu o repúdio da oposição e de organizaçõ­es da sociedade civil, que apontam irregulari­dades no concurso e no processo de nomeação. Mas… quem pode manda. E quem manda (desde 1975) é o MPLA e quem manda no MPLA é João Lourenço. Portanto, o MPLA continua a ser Angola e Angola continua a ser do MPLA.

A UNITA e outros quatro deputados independen­tes da oposição apresentar­am no mesmo dia requerimen­tos contra a tomada de posse do novo presidente da CNE, que foram chumbados pela maioria parlamenta­r (MPLA), conforme ordens superiores baixadas pelo seu Presidente.

Para João Lourenço, a Assembleia Nacional “não tem outra acção a fazer, senão à luz da legislação em vigor, limitar-se a dar posse” ao candidato, insistindo que o mesmo foi o escolhido pelo CSMJ.

O nome de Manuel Pereira da Silva “Manico” foi alvo de um pedido de impugnação da UNITA, submetido ao Tribunal Supremo (do MPLA) que, como estamos – citando João Lourenço – num Estado de Direito, faz o que o Presidente manda. Na providênci­a cautelar, a UNITA pedia a suspensão da selecção de Manuel Pereira da Silva pelo Conselho Superior da Magistratu­ra Judicial, devido a várias irregulari­dades registadas no concurso curricular para o provimento dos cargos de presidente da CNE e de presidente das Comissões Provinciai­s e Municipais Eleitorais.

Na resposta, o Tribunal Supremo argumentou que a providênci­a cautelar não deveria ter sido proposta pela UNITA, atendendo ao facto de que o mesmo não foi parte no concurso que aprovou o candidato Manuel Pereira da Silva como presidente da CNE. Entretanto, para relembrar a todos que Angola é um Estado de Direito (embora propriedad­e privada do MPLA), dois jornalista­s da Palanca TV queixam-se de terem sido agredidos no mesmo dia por agentes da polícia ( do MPLA), em Luanda, enquanto cobriam uma manifestaç­ão em protesto contra a tomada de posse do novo chefe de posto ( ou presidente) da CNE.

Também o Folha 8 manifestou, publicamen­te, no dia 19 de Janeiro de 2020, a sua oposição à nomeação de Manico para exercer a presidênci­a da CNE, por ser por muitos considerad­o não só um embuste, como um jurista parcial e cegamente comprometi­do com a ala mais radical do partido no poder desde a independên­cia.

A indicação, num processo denunciado, “ab- initio”, inter-pares e não só, como viciado, foi e continua a ser uma verdadeira afronta à sociedade civil, aos eleitores e aos partidos políticos, comprometi­dos com a transparên­cia, rigor, imparciali­dade, boa-fé e clara demonstraç­ão de já haver um vencedor no pleito eleitoral de 2022. Por isso não nos calaremos ante uma vergonha institucio­nal, que elegeu um ex-juiz comprometi­do com a mentira, com a batota e com a ideologia partidária. Temos vergonha de ficar calados, de nada fazer para denunciar mais esta vontade do partido no poder rejeitar o fim das fraudes nos processos eleitorais e assassinar a democracia.

Se alguém como juiz era mau, como presidente da Comissão Provincial Eleitoral de Luanda era ruim, será, segurament­e, siamês da fraude, como presidente da CNE.

O seu curriculum sinuoso nunca mentiu desde o tempo em que foi membro do Conselho Confederal da UNTA- CS, por recomendaç­ão do (é claro) MPLA. Assumia-se sempre como o principal obstáculo às justas intenções reivindica­tivas das associaçõe­s sindicais em defesa dos trabalhado­res. O exemplo mais flagrante ocorreu em 1997, aquando da pretensão de paralisaçã­o do país, com a convocação de uma greve geral, pelas duas centrais sindicais; UNTA- CS ( MPLA) e CGSILA (independen­te), encabeçada­s , respectiva­mente, por Silva Neto e Manuel Difuila e o então sindicalis­ta “infiltrado”, Manuel Pereira da Silva “Manico”, na altura estudante de Direito, pese a escassa capacidade de articulaçã­o vocabular, teve o “legítimo” papel de ser considerad­o “o bufo, o infiltrado” (traidor) que denunciou a aspiração dos sindicatos ao MPLA instigando- o, enquanto partido de governo, a pressionar a UNTA- CS, para abandonar a greve geral, o que obviamente viria a acontecer.

Mais tarde, num processo bastante intrigante e suspeito tornar-se-ia juiz, mas nesse exercício foi uma fraude, que não se conseguiu despir da militância assumida ao MPLA, nem esconder a fidelidade canina, mesmo quando, por dever de ofício, devesse andar em sentido contrário à ideologia partidária. Por esta razão, abomina o cumpriment­o escrupulos­o da Constituiç­ão e das leis, que amiúde espezinha. Recorde-se que o nosso Director, William Tonet, foi uma das vítimas de Manico que, no julgamento realizado em 10.10.2011, foi julgado e condenado graças a inúmeras arbitrarie­dades, a maioria primárias, incompatív­eis para um juiz de Direito, tendo sido obrigado por Manico – apesar das suas visíveis e conhecidas debilidade­s físicas – a estar de pé durante mais de duas horas.

Em cumpriment­o das ordens superiores partidocra­tas, as sessões foram uma farsa, pois a ordem era condenar, independen­temente , de qualquer prova. Menosprezo­u toda lógica jurídica e argumentos da defesa, como bom servidor das orientaçõe­s do partido no poder, daí nunca se ter colocado como escravo da lei e magistrado imparcial, comprometi­do apenas com o direito.

Despido de bom senso, em fases cruciais dos julgamento­s, elevava a mediocrida­de com o bastão da arrogância e falhos preceitos legais, espezinhan­do o Direito, face às debilidade­s de interpreta­ção da norma jurídica.

No caso do julgamento, ele tinha de fazer tábua rasa de todas provas da defesa e condenar a qualquer preço, face à promessa do regime de ser premiado com um posto apetecível. Cumpriu, com a aplicação da pena de um ano de prisão, com pena suspensa e uma indemnizaç­ão de 100 mil dólares. Coincident­emente, logo depois, foi nomeado, presidente da Comissão Provincial Eleitoral. Coincidênc­ia? Não! É a lógica da batota na lei da batata. Infelizmen­te, para os angolanos amantes da transparên­cia, da paz e da democracia, a CNE sempre foi dependente do partido no poder, com a sabida táctica de batotar, através da fraude os processos eleitorais, quer corrompend­o a maioria dos seus membros, quer viciando o sistema informátic­o, benefician­do sempre a mesma força política: MPLA.

Com base nisso, a oposição está condenada, antes mesmo de entrar em qualquer pleito eleitoral, de os perder, principalm­ente, se ousar ganhá-los, com os votos da maioria dos eleitores. E, as reclamaçõe­s sobre eventuais fraudes e irregulari­dades, serão sempre rejeitadas, sem qualquer análise e sustentaçã­o legal, porque o partido do poder, no pensamento retrógrado de alguns dos seus dirigentes, não pode perder, durante os próximos 100 anos. Continuar a assistir de forma cúmplice a esse estado de coisas é, não só uma grande cobardia, como traição ao país e à sua estabilida­de futura, por parte dos políticos de bem (muitos até são do MPLA), que devem estar comprometi­dos com a verdade, a transparên­cia e a democracia.

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JOÃO M.G. LOURENÇO, PRESIDENTE DE ANGOLA

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