CARREGAR, APONTAR… MATAR
Numa posição conjunta e unânime, o Presidente do MPLA ( João Lourenço), o Titular do Poder Executivo ( João Lourenço) e o Presidente da República ( João Lourenço) afirmam que “o que aconteceu no 10.01.22, foi um verdadeiro acto de terror, cujas impressões digitais deixadas na senda do crime são bem visíveis e facilmente reconhecíveis e apontam para a materialização de um macabro plano de ingovernabilidade através do fomento da vandalização de bens públicos e privados, incitação à desobediência e à rebelião, na tentativa da subversão do poder democraticamente instituído”.
A UNITA, principal partido da oposição que o MPLA ainda ( não se sabe se por muito tempo) permite em Angola, é o único alvo dos ataques do MPLA. E não há como escapar. Este episódio de violência, condenável e cujos autores devem ser punidos, mais não é do que uma, mais uma, tentativa para o MPLA matar dois coelhos com um só tiro: cancela as eleições e poderá terminar o que deixou por acabar em 1992. Pelos vistos, mau grado o MPLA estar determinado a decapitar ( cortar a cabeça) a UNITA, já que as sucessivas tentativas políticas para a transformar num bode expiatório estão a ser um monumental fracasso, parece que ninguém no Galo Negro leva a sério o premonitório aviso de Jonas Savimbi: “Vocês estão a dormir e o MPLA está a enganar- vos”.
O partido fundado por Jonas Savimbi, apela, por isso, “às famílias angolanas, às Igrejas e à sociedade em geral, a não se deixarem levar por essa onda que procura distrair os angolanos e impedilos de buscar os caminhos para o progresso e bemestar de todos”.
A UNITA diz não aceitar
“ser transformada em bode expiatório dos problemas de desgovernação do regime, nem da incapacidade congregadora do Presidente da República, João Lourenço” e reitera “o seu compromisso com a liberdade do povo angolano e reafirma a sua pré- disposição para o diálogo com as instituições do Estado para se reverter o actual quadro e abrir caminho para um futuro airoso para os angolanos na sua pátria comum e apela a todos angolanos a manterem- se calmos e serenos”. Enquanto isso, o MPLA põe em estado de prontidão combativa toda a sua máquina de guerra, ávida de pôr em prática aquela que é a mais nobre tese do MPLA: A força da razão será sempre derrotada pela razão da força.
“Os que querem a instabilidade de Angola deviam saber que quando um grupo de cidadãos nacionais e estrangeiros munidos com armas de fogo, armas brancas e objectos contundentes ataca de madrugada uma esquadra policial, um quartel militar ou algum órgão da Administração do Estado ou algum órgão de soberania, não está a fazer uma manifestação, mas sim uma rebelião armada que merece da parte de qualquer Estado uma vigorosa reacção”, afirmou a propósito das mortes em Cafunfo o MPLA, acrescentando estar a assistir- se a ” uma tentativa de divisão dos angolanos, de incitação ao tribalismo, ao regionalismo, para quebrar a unidade nacional tão bem preservada até aqui”. Desde que, em 2002, assinou a capitulação, para a UNITA o diálogo franco e abrangente foi, é e continuará a ser o melhor caminho para a solução dos problemas que afligem a sociedade angolana, consubstanciados na falta de emprego, elevado custo de vida, pobreza, assimetrias sociais, doenças etc..
José Eduardo dos Santos até vislumbra na sua sombra um golpe de Estado. João Lourenço vive sob o efeito do mesmo fantasma. É típico dos ditadores que estão a ver o seu regime a chegar ao fim da picada. E há 46 anos que Angola tem o mesmo regime. Talvez por isso Eduardo dos Santos tenha tido ao seu lado gente como os generais Zé Maria ( chefe do Serviço de Inteligência e Segurança Militar – SISM), Kopelipa ( chefe da Casa de Segurança do presidente da República), Eduardo Octávio ( chefe do Serviço de Inteligência e Segurança de Estado – SINSE) e João Lourenço como ministro da Defesa. E talvez por isso, como em Maio de 1977, mandou decapitar, fuzilar, ou entrar na cadeia alimentar dos jacarés todos os que sonhavam com um futuro melhor, mais igualitário e mais fraterno para os angolanos. Os seus generais até mataram um miúdo, um menino, que só queria saber porque é que deitaram abaixo a cubata dos seus pais.
É este o regime que João Lourenço não só manteve incólume como, no âmbito dos poderes divinos que julga ter, os exacerbou. A guerra legitimou tudo o que se consegue imaginar de mau no carácter de alguém, no modus operandi de um partido que domina o país há 46 anos. Permitiu ao MPLA perpetuar- se no poder, tal como como permitiu que a UNITA dissesse que a guerra era ( e pelo que se vai vendo até parece que teve razão) a única via para mudar de dono do país.
É claro que, é sempre assim nas ditaduras, o povo foi sempre e continua a ser ( as eleições não alteraram a génese da ditadura, apenas a maquilharam) carne para canhão.
Por outro lado, a típica hipocrisia das grandes potências ocidentais, nomeadamente EUA e Europa, ajudou a dotar o MPLA com o rótulo de grande partido com lugar cativo na Internacional Socialista. Rótulo que não corresponde minimamente ao produto. Essa opção estratégica de norte- americanos e europeus tem, reconheçase, razão de ser sobretudo no âmbito económico. É muito mais fácil negociar com um regime ditatorial do que com um que seja democrático. É muito mais fácil negociar com alguém que, à partida, se sabe que irá estar na cadeira do poder dezenas de anos, do que com alguém que pode ao fim de um par de anos ser substituído pela livre escolha popular. É, como acontece desde sempre com o MPLA, muito mais fácil negociar com o líder de uma seita que representa quase 100 por cento do Produto Interno Bruto, do que com alguém que não seja dono do país mas apenas, como acontece nas democracias, representante temporário do povo soberano. Desde 2002, o MPLA tem conseguido fingir que democratiza o país e, mais do que isso, conseguiu ( embora não por mérito seu mas, isso sim, por demérito da UNITA) domesticar completamente todos aqueles que lhe poderiam fazer frente.
Angola esteve, está e estará ( faz parte do ADN do MPLA) entre os países mais corruptos do mundo. A taxa de mortalidade infantil é das mais altas do mundo. E, é claro, o Povo continua a ser gerado com fome, a nascer com fome, e a morrer pouco depois… com fome. Recordemos que, por exemplo, o então ministro Georges Chikoti disse não estar preocupado com a campanha internacional para a libertação dos então presos políticos ( Revús) em Angola, jurando que eles estavam a preparar um golpe de Estado. Nada mais, nada menos. Um golpe de Estado. Os activistas, então detidos, não eram presos políticos, afirmou o na altura ministro das Relações Exteriores, mantendo – como lhe foi ordenado pelo “querido líder” e por uma questão de sobrevivência – a tese de que os jovens activistas tinham mísseis escondidos nas lapiseiras, Kalashnikovs camufladas nos telemóveis e outro armamento pesado e letal disfarçado nos blocos de apontamentos. Só assim se compreende que estivessem a preparar um golpe de Estado. A campanha internacional pela libertação dos activistas mostrou, aliás, que todos se esquecem que o MPLA é o único representante de Deus na Terra e que, por isso, tem poderes adivinhação que o levam até a saber com exactidão milimétrica o que as pessoas pensam.
Foram, aliás, esses poderes que permitiram a prisão dos jovens em flagrante delito: estavam nesse momento a pensar numa solução para derrubar o MPLA. E isso constitui só por si matéria de facto para os mandar matar. Além disso, não foram necessárias outras provas. Para que serviriam ao regime as armas ( as tais que estavam camufladas), ou os milhões de guerrilheiros ( os tais que estavam no quintal debaixo da mangueira)? Saber o que os jovens pensavam foi condição sine qua non. Vejamos a explicação de Georges Chikoti: “Angola é um país democrático, tem partidos políticos que participam no Parlamento. O que não se pode aceitar é que as pessoas queiram utilizar a violência como via de atingir ou alcançar o poder político”. Quando Georges Chikoti falava, com todo o conhecimento de causa, de violência estava, obviamente, a referirse à revolta militar que o tal exército dos jovens tinha em mente, caso não estivesse tanto calor debaixo da mangueira. Vir agora dizer- se que o regime não sabe conviver com o contraditório e revela uma das suas facetas mais marcantes, a intolerância, é não compreender o ADN do MPLA, em que o ponto mais alto foi o massacre de milhares e milhares ( talvez 80 mil) de angolanos no dia 27 de Maio de 1977. É, aliás, não compreender que o regime do MPLA está de tal maneira moribundo que até manda prender e matar a sua própria sombra. Aliás, até mandou assassinar – repita- se – a tiro um “puto” que não gostou de ver os militares deitarem abaixo a “casa” dos seus pais.
De facto, tudo isto mostra que o regime do MPLA está morto, só ainda não sabe. E, convenhamos, como ainda não sabe não terá problemas em completar o que deixou a meio em 1992: o aniquilamento de cidadãos Ovimbundus e Bakongos, onde morreram 50 mil angolanos, entre os quais o vice- presidente da UNITA, Jeremias Kalandula Chitunda, o secretário- geral, Adolosi Paulo Mango Alicerces, o representante na CCPM, Elias Salupeto Pena, e o chefe dos Serviços Administrativos em Luanda, Eliseu Sapitango Chimbili.
AHuman Rights Watch ( HRW) aplaudiu a entrada em vigor do novo código penal em Angola, que descriminaliza a homossexualidade, mas alerta para a implicação das forças de segurança angolanas em violações graves dos direitos humanos.
O relatório da HRW não foi, obviamente, contraditado pelos donos do país, nomeadamente pelo Departamento de Informação e Propaganda do MPLA…
No capítulo dedicado a Angola do seu relatório anual, a organização nãogovernamental recorda que em 2021 entrou em vigor o novo código penal em Angola, que substituiu uma lei obsoleta, de 1886, que ainda punia aqueles que “habitualmente se entregam à prática de vícios contra a natureza” e que limitava o acesso a emprego, à saúde e à educação aos homossexuais, bissexuais e transgénero.
“Há aspectos que merecem a nossa apreciação positiva. Mas para a dimensão dos problemas de direitos humanos de Angola ainda há muito trabalho para se fazer. (…) Por exemplo, no que diz respeito à actuação das forças de defesa e segurança, muito pouco mudou”, disse a representante da HRW para Angola, Zenaida Machado, em declarações à Lusa desde Maputo. Segundo o relatório, em 2021 as forças de segurança angolanas “continuaram a ser implicadas em graves violações dos direitos humanos, incluindo execuções sumárias, uso excessivo de força contra manifestantes pacíficos e detenções arbitrárias”.
No relatório recordouse que, em 30 de Janeiro, a polícia matou pelo menos 10 manifestantes ( foram, de facto, muitos mais) quando “disparou indiscriminadamente contra as pessoas que se tinham juntado pacificamente para exigir melhores serviços públicos” na cidade de Cafunfo, na província de Lunda Norte.
“É uma decepção enorme ver que as forças de defesa e segurança de Angola continuam a agir da mesma forma, como se quem pacificamente protesta contra o regime fosse um inimigo do Estado”, disse Zenaida Machado, comparando a situação actual com a do regime do exPresidente José Eduardo dos Santos porque havia “expectativas positivas em relação” ao Presidente João Lourenço. A responsável defendeu a “necessidade urgente de reestruturação e reforma das forças de defesa e segurança” angolanas, o que passa por “formação em aspectos de direitos humanos, e a “implementação urgente e eficiente” da estratégia de direitos humanos aprovada há dois anos pelo Governo.
De acordo com Zenaida Machado, a HRW lamenta também a forma como o Governo de Angola está a gerir a crise alimentar no sul do país, que segundo o relatório deixou em situação de fome severa mais de 1,3 milhões de pessoas nas províncias de Cunene, Huíla e Namibe, incluindo 114 mil crianças com menos de 5 anos. A HRW esquecese que Angola “só” tem 20 milhões de pobres e que, graças ao Governo do MPLA ( no Poder há 46 anos), são cada vez mais os angolanos que estão prestes a saber viver sem… comer. Segundo a governadora do Cunene, citada no documento, esta crise terá levado a um movimento de pessoas “nunca antes visto”, com 4.000 pessoas deslocadas dentro da província e outras 2.000 na Namíbia. Zenaida Machado disse que a HRW recebeu informação através das autoridades da Namíbia de que crianças terão morrido durante o ano de 2021 porque chegaram à Namíbia demasiado malnutridas e não foi possível salvá- las.
“A forma leve como o Governo de Angola tem estado a gerir o problema preocupa- nos”, disse, apelando a “medidas concretas para proteger aquela população (…) e colaboração eficiente e eficaz com os países vizinhos” para que as autoridades angolanas possam apoiar os refugiados.
No relatório, a organização lamentou também que as autoridades continuem a usar “leis draconianas” para limitar o trabalho dos jornalistas e alertou que milhões de angolanos em todo país vêem negado o direito a informação livre, diversa e imparcial, já que o país é o único da África austral sem estações de rádio comunitárias, e recorda que as autoridades reduziram o número de televisões privadas quando suspenderam três canais em Abril, o que resultou na perda de centenas de empregos. No documento sublinhouse também o problema da violência sexual contra crianças, recordando- se que em Junho o Instituto Nacional da Criança ( INAC) revelou que mais de 4.000 crianças com menos de 14 anos tinham sido vítimas de abuso sexual desde Junho de 2020, na maioria meninas de Luanda vítimas de vizinhos ou amigos da família. Em Setembro, lembrou ainda a organização, o Governo revelou a existência de uma rede de prostituição infantil na aldeia de Cahota, província de Benguela, alegadamente controlada por migrantes chineses, tendo sido noticiados dezenas de casos de meninas, algumas de 13 anos, grávidas dos seus predadores.
As autoridades detiveram pelo menos um suspeito, mas o Governo não revelou que tipo de assistência foi fornecida às vítimas, disse a ONG.
“Nas primeiras horas da manhã do dia 10 de Janeiro, o país foi surpreendido por um acto de rebelião que alterou a ordem pública, vandalizou bens públicos e privados e pôs em risco a segurança física e a vida de pacatos cidadãos, trabalhadores no geral e, em particular, de profissionais da saúde e da comunicação social”, afirmou João Lourenço. Escreveu João Lourenço que “a paralização ( que por acaso se escreve paralisação) de uma pequena parte dos táxis de Luanda, mesmo depois de o Executivo angolano ter atendido prontamente à principal reivindicação das associações representativas da classe, que tinha a ver com a redução da lotação dos táxis por força das medidas de protecção contra a propagação do vírus SARS- COV 2, serviu de pretexto para o aproveitamento político com vista a criar a ira dos cidadãos utilizadores desses meios de transporte urbano”, acrescentando que “importa referir que, mesmo não sendo o sector do transporte público o único a sofrer as consequências da COVID- 19, se tivermos em conta que as empresas no geral tiveram de reduzir a força de trabalho ou mesmo encerrar, tendo avultados prejuízos financeiros e sérias consequências sociais para seus trabalhadores e respectivas famílias, para o caso vertente dos taxistas, pelos relevantes serviços que prestam às populações e aos trabalhadores, o Executivo foi para além da principal reivindicação das associações de taxistas, que pediam o alargamento da lotação para 75%, tendo- lhes sido oferecido em contrapartida a lotação máxima de 100%.”
“O que ocorreu no 10.01.22 foi um verdadeiro acto de terror cujas impressões digitais deixadas na cena do crime são bem visíveis e facilmente reconhecíveis, e apontam para a materialização de um macabro plano de ingovernabilidade através do fomento da vandalização de bens públicos e privados, incitação à desobediência e à rebelião, na tentativa da subversão do poder democraticamente instituído”, considera o Presidente da República, do MPLA e Titular do Poder Executivo.
João Lourenço considera que “naquele fatídico dia, valeu- nos o facto de a Polícia Nacional ter agido com bastante contenção, e as entidades privadas singulares e colectivas directamente lesadas terem se comportado como verdadeiros patriotas, tolerantes e responsáveis”
“Para as gerações vindouras, temos a responsabilidade de preservar para a eternidade as duas maiores conquistas do povo angolano alcançadas com muito sacrifício ao longo dos tempos: a Independência Nacional e a Paz e Reconciliação Nacional”, afirmou João Lourenço, apelando “veementemente a todos os cidadãos a se absterem de quaisquer actos de retaliação. Quem viu seu património vandalizado, queimado ou destruído, que não pague pela mesma moeda porque ninguém está autorizado a fazer justiça por mãos própias ( próprias). Entreguemos essa responsabilidade à Justiça e outros órgãos competentes do Estado!” Escreve João Lourenço na sua mensagem à nação, que “as nossas forças policiais estão à altura do desafio e vão garantir a ordem e a segurança dos cidadãos, das instituições e da propriedade. Apelamos, por isso, a todos os cidadãos residentes no nosso país, angolanos e estrangeiros, a fazerem sua vida profissional e familiar normalmente”, garantindo que “as eleições gerais previstas terão lugar em ambiente de plena segurança para os eleitores e os observadores, em Agosto do corrente ano de 2022, como estabelece a Constituição da República”.
“Em Angola, a única forma possível e legítima de se disputar o poder político é pela via democrática das eleições. Permitam- me destacar a pronta manifestação de indignação, repulsa e condenação pública da sociedade angolana em uníssono, através dos representantes de partidos políticos, de confissões religiosas, de organizações não governamentais, jornalistas e fazedores de opinião, contra todos aqueles autores morais, mentores, organizadores e executantes dos actos criminosos no passado dia 10.01.22”.