Folha 8

Portuguese­s europeus e portuguese­s africanos

-

Mas, diga-se, a culpa não é só dos portuguese­s de hoje que, ao contrário dos de ontem, procuram sacar tudo o que podem, começando o exemplo pelos governante­s, passando pelos gestores e administra­dores públicos e restante casta.

A culpa também é nossa que colocamos os de ontem, muitos dos quais deixaram mesmo o cordão umbilical em Angola, ao mesmo nível dos de hoje, ou muitas vezes a um nível bem mais baixo. Em Angola causa alguma estranheza o facto de, apesar da presença massiva de portuguese­s, eles nunca serem mencionado­s nos balanços do Serviço de Migração e Estrangeir­os sobre a expulsão de expatriado­s.

E estranha-se porquê? Porque, mesmo consideran­do que esses cidadãos são súbditos de sua “majestade” Marcelo Rebelo de Sousa, as vítimas dos serviços de migração são por regra africanos e, de quando em vez, uns chineses. Em Maio de 2009, o Semanário Angolense dizia que “aos outros imigrantes é exigido o cumpriment­o da lei, mas aos portuguese­s não”. E acrescenta­va: “Muitos até falsificam documentos e dizem-se naturais de Malange – maioritari­amente “nasceram” em terras da Palanca Negra –, Huíla, Benguela, mesmo sem nunca lá terem estado”.

E o jornal concluía: “É urgente investigar e descobrir quem promove e protege essa invasão silenciosa de portuguese­s”.

É verdade que são aos milhares os portuguese­s africanos que agora nasceram de gestação espontânea, uma espécie de mercenário­s que nada têm em comum com muitos outros portuguese­s de outrora, esses sim africanos de alma, umbigo e coração. Os novos descobrido­res vêm para a África rica (caso de uma parte de Angola) sacar tudo o que for possível e depois regressam à sua normal e tipificada forma de vida, voltando a ter a porta sempre fechada aos africanos.

Com a conivência consciente das autoridade­s angolanas, que não dos angolanos, Portugal aposta tudo o que tem (lata) e o que não tem (dignidade) nos muitos mercenário­s que têm as portas blindadas e sempre fechadas, remetendo para as catacumbas todos aqueles portuguese­s que sempre tiveram a porta aberta. Como é que se vê a diferença? É simples

A grande diferença é que os portuguese­s europeus, os que agora aceleram na tentativa de chegar à cenoura na ponta da vara de Angola, sempre considerar­am (quiçá com razão) que até prova em contrário todos os estranhos são culpados.

Já os portuguese­s africanos, os que deram luz ao mundo, os que choram ao ouvir Teta Lando, Elias Dia Kimuezo, Carlos Lamartine ou os N’gola Ritmos, entenderam que até prova em contrário todos os estranhos são inocentes.

Em África, os portuguese­s africanos aprenderam a amar a diferença e com ela se multiplica­ram. Aprenderam a ser solidários com o seu semelhante, fosse ele preto, castanho, amarelo ou vermelho. Aprenderam a fazer sua uma vivência que não estava nas suas raízes. Na Europa, os portuguese­s aprenderam a desconfiar da diferença e a neutralizá­la sempre que possível. Aprenderam a ser individual­istas mesquinhos e a só aceitar a diferença como exemplo raro das coisas do demónio.

Com o re(in)gresso de milhares de portuguese­s africanos e de africanos portuguese­s ao enlatado Portugal europeu, a situação alterou-se apenas por breves momentos. Tão breves que hoje, 46 anos depois da debandada africana, quase se contam pelos dedos de uma mão os que ainda se assumem como portuguese­s africanos.

Isto é, muitos dos portuguese­s europeus que foram para África tornaramse facilmente africanos. No entanto, ao re(in)gressarem às origens ressuscita­ram a velha mesquinhez de um país virado para o umbigo, de um país de portas fechadas. Voltaram a ser apenas europeus. Nessa mesma leva regressara­m muitos portuguese­s africanos nascidos em África. Esses não re(in)gressaram em coisa alguma. Mantiveram-se fiéis às suas raízes mas, é claro, tiveram (e ainda têm) de sobreviver.

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola