Ser ou não ser… angolano
Vejamos um depoimento feito ao Folha 8 mas cujo anonimato mantemos por razões óbvias, desde logo porque o autor não é do MPLA, e que aqui foi publicado no dia 14 de Novembro de 2018:
“Eu como sou branco e filho de portugueses não posso ter a nacionalidade Angolana por embora ter nascido em Angola, ser na lógica da actual direcção do país, filho de cidadãos estrangeiros. Ora de facto, à data da independência, e face ao direito internacional, não havia angolanos, todos eram portugueses.
“No fundo para muita daquela malta ( negra), que aliás faz gala de se intitular genuína, nós os brancos nados em Angola não somos angolanos. Para ser angolano teria de andar a dizer ámen ao MPLA e ser mais negro do que os negros. Mas eu sou branco e culturalmente não tenho nado de bantu. É a vida. Ou se assume um país multirracial ou não. E os ditos genuínos, claramente não assumem tal conceito de um país multirracial. Eu pertenço à tribo branca, mas como em Angola não existiu nem nunca existirá um Mandela, a tribo branca está condenada ao ostracismo.
“Os tais auto- intitulados genuínos não perceberam que o conceito de angolanidade apareceu por oposição ao conceito de portugalidade. E que até à chegada dos portugueses àquelas regiões, não havia Angola, mas uma série de reinos que se guerreavam. Angola, goste- se ou não da ideia, é uma criação do colonialismo português com todas as implicações, culturais, sociais, históricas e rácicas, sejam elas boas ou más. É a História. Mas há muito boa gente que quer apagar tal passado apropriando- se do tal conceito de genuinidade.
Mas depois bem que colocam o graveto na terra dos tugas. Enfim, tudo como dantes…
“Um exemplo do racismo negro foi o que se passou com o Viriato da Cruz, mulato, dirigente do MPLA e um dos maiores intelectuais angolanos. Mas como não era negro, vulgo genuíno, lá teve de entregar a direcção do movimento ao anormal e criminoso do Agostinho Neto, que era genuíno quanto bastava.”
Depois de ter cuspido no prato em que se alimentou, à grande e à francesa durante décadas, João Lourenço descobriu a “pedra filosofal” ao ordenar a substituição dos pratos de latão usados pelo Povo por louça de porcelana da mais alta qualidade. Tal como fazem nos países da Europa, nos EUA, ou das Arábias.
Os povos, inicialmente, gostaram da ideia. Vinte milhões de pobres aplaudiram. Hoje, contudo, constatam que o prato – embora de porcelana – está sempre vazio. Acrescentam ainda que preferiam os pratos antigos, de latão, de lata ou de plástico desde que tivessem um pouco de fuba e algum peixe, mesmo que podre… João Lourenço, com assinalável êxito mediático, mas efémero, transformou o seu patrono, José Eduardo dos Santos, no principal responsável pela crise. Para estripar o problema tratou de exonerar, poucos meses depois de lhe ser outorgada a licença de proprietário do país, os filhos do ex- presidente e confiscar- lhes os bens.
A 04 de Setembro de 2018, em conferência de imprensa, a UNITA questionou para onde ia o excedente do petróleo em Angola, cujos números apontavam para uma acumulação de muitos milhões de dólares. Na ocasião, o líder do grupo parlamentar da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, referiu que o preço médio do barril de petróleo no mercado internacional, segundo dados da OPEP, cifrou- se em 67 dólares ( 58 euros) enquanto o preço de referência no
Orçamento Geral do Estado ( OGE) angolano era de 50 dólares ( 43 euros), o que dava um diferencial positivo de 17 dólares ( 14 euros) por barril.
“Os angolanos precisam de saber, pois este valor deveria ir para a reserva estratégica do Estado”, exortou Adalberto da Costa Júnior, denunciando que a “falta de transparência” é a causa do desaparecimento de mais de 600 mil milhões de dólares ( 520 mil milhões de euros) das “múltiplas reservas estratégicas e que os angolanos ficam sem saber o destino”. Quando entendia, e entendia quase sempre com raro e afinado sentido de oportunidade, Isabel dos Santos utilizou as redes sociais para pôr os nervos de João Lourenço à flor da pele e demonstrar que, afinal, o Presidente não é um Estadista mas tão só um político vulgar. Foi isso que fez quando criticou ( e bem) a falta de atractividade externa de Angola, pela dificuldade em repatriar dividendos. Na altura João Lourenço estava na Europa a tentar captar investidores estrangeiros, prometendo que, se necessário, até poria o rio Kwanza a nascer na… foz.
Isabel dos Santos, exonerada da Sonangol ( sem razões técnicas objectivas) por João Lourenço, questionava e continua a questionar a atractividade do país, do ponto de vista dos investidores estrangeiros. Desde que foi exonerada da Sonangol, por – repita- se – decisão mais política do que técnica, mais pessoal do que colectiva, mais por interesses pessoais do que empresariais, Isabel dos Santos foi visada regularmente por várias notícias sobre alegadas irregularidades nos 17 meses de administração na petrolífera.
No entanto, Isabel dos Santos não leva desaforo para casa e, por exemplo, referiu- se à situação na Sonangol, acusando na altura a administração liderada por Carlos Saturnino (o craque dos craques escolhido por João Lourenço), de “despedimentos em massa”, nomeadamente de colaboradores que lhe eram próximos. Numa publicação com o título “Carta Aberta”, que colocou nas redes sociais, Isabel dos Santos assumiu na altura estar a partilhar “uma situação preocupante que tem ocorrido” na petrolífera. “Estão a ocorrer despedimentos em massa! Os assessores, os directores, e todos colaboradores que foram promovidos ou que entraram para a Sonangol durante a vigência do último conselho de administração estão a ser todos despedidos, ou enviados para casa”, afirmou a empresária. Isabel denunciou mesmo que estavam a ser “conduzidos interrogatórios à porta fechada, com gravadores em cima da mesa, alegando um falso inquérito do Estado e um falso inquérito do Ministério do Interior, intimidando as pessoas para coercivamente responderem às questões”. “Este procedimento é ilegal. Só as autoridades judiciais ou policiais podem fazer interrogatórios. É preciso respeitar o direito dos trabalhadores”, escreveu Isabel dos Santos, acrescentando, sobre os colaboradores que estavam a ser despedidos, que muitos tinham abandonado outros empregos para “integrarem a Sonangol, porque acreditaram no país e queriam ajudar Angola a crescer”. Porque é que Carlos Saturnino diabolizou Isabel dos Santos, dizendo o que João Lourenço lhe mandou dizer? A ex- PCA da Sonangol disse na altura que as afirmações do seu sucessor foram “nada mais que um circo, uma encenação!”. E explicou que “procurar buscar um bode expiatório, para esconder o passado negro da Sonangol, e escolher fazer acusações ao anterior Conselho de Administração” não passava de “uma manobra de diversão, para enganar o povo sobre quem realmente afundou a Sonangol”, lembrando: “E seguramente não foi este Conselho de Administração a que presidi, e que durou 18 meses, que levou a Sonangol à falência!” Recorde- se que, em 2015, após a apresentação por Francisco Lemos, então PCA da Sonangol, do “Relatório Resgate da Eficiência Empresarial”, o Executivo angolano tomou conhecimento da gravidade do problema da Sonangol.
“A Sonangol, que supostamente deveria ser a segunda maior empresa de África, soube- se de repente que estava falida, e incapaz de pagar a sua dívida bancária”, disse Isabel dos Santos, explicando que, “em consequência deste facto, o Executivo angolano tomou a decisão de criar a Comissão de Reestruturação do Sector dos Petróleos, e de contratar um grupo de consultores externos”. “A Comissão de Reestruturação do Sector dos Petróleos criada por Decreto Presidencial 86/ 15 Data 26.10.2015, foi composta por: Ministro dos Petróleos, Ministro das Finanças, Governador do BNA, PCA da Sonangol, Ministro da Casa Civil da Presidência da República”, recordou Isabel dos Santos.
A arrogância pessoal de Carlos Saturnino, que mais pareceu um ( mais um) acerto pessoal de contas, pôs em causa as decisões tomadas pelo governo angolano em 2015 e 2016, pôs em causa a presença de consultores, pôs suspeitas sobre o trabalho realizado e pagamentos feitos, negando – ou branqueando – o facto de que a Sonangol estava falida.
“Pôr em causa a decisão do Governo angolano em querer reestruturar a Sonangol, e tentar manipular a opinião pública, para que se pense que a Administração anterior trouxe os consultores por falta de competência ou por interesses privados, significa querer reescrever a história, e atribuir a outros as responsabilidades da falência da Sonangol”, afirmou Isabel dos Santos. E acrescentou: “Esta manipulação dos factos assemelha- se a um autêntico revisionismo, e só pode ter como objectivo, o regresso em força do que convém chamar como “a antiga escola” da Sonangol”.
Indesmentível parece ser que o resultado da gestão de Isabel dos Santos até 15 de Novembro de 2017, resultou num aumento de lucros da Sonangol em 177% e que a dívida foi reduzida em 50%. Convicta do seu trabalho, Isabel dos Santos disse que “as tentativas de Carlos Saturnino de reescrever a história são consequência, no meu entender, de um retorno em força da cultura de irresponsabilidade e desonestidade que afundaram a Sonagol em primeiro lugar”. Goste- se ou não de Isabel dos Santos, a verdade é que – como ela própria afirmou – “o grau de agressividade e as campanhas difamatórias reproduzidas, e em perfeita coordenação com os órgãos de imprensa da oposição, e com as oficinas de manipulação das redes socias, demonstram que há um verdadeiro nervosismo em alguns meios com interesses financeiros, que durante anos aproveitaram e construíram fortunas ilegítimas à custa da Sonangol, e agora tudo fazem para que o escândalo da minha acusação difamatória, distraia a opinião pública de ver os verdadeiros responsáveis”. Importa ainda realçar, não esquecer, que – segundo Isabel dos Santos – “esta campanha generalizada e politizada contra mim, faz- me acreditar que estão de retorno os interesses das pessoas que enriqueceram bilhões à custa da Sonangol. São estes, que hoje fomentam e agitam a opinião pública de forma a poder retomar os seus velhos hábitos”. Por fim, disse que “o problema da Sonangol não é, e nunca foi, Isabel dos Santos, mas sim a irresponsabilidade da gestão, e das entidades que beneficiarão de contratos leoninos e ganharam milhões, e hoje esperam poder continuar a gozar e viver desta prevaricação.” Recorde- se que no dia 9 de Maio de 2019, o Presidente da República, João Lourenço, exonerou aquele que foi a sua “arma” secreta, Carlos Saturnino, do cargo de presidente do Conselho de Administração da Sonangol, nomeando para as mesmas funções Sebastião Pai Querido Gaspar Martins, na altura administrador da petrolífera estatal. Segundo um comunicado da Casa Civil do Presidente da República, o chefe de Estado exonerou, por decreto, “todas as entidades” que integram o Conselho de Administração da Sonangol, alegando “conveniência de serviço público” e “apoiado na Lei de Bases do Sector Empresarial Público”.
OObservatório da Economia Informal ( OEI) em Angola entrou em funcionamento no 21.06.22, reunindo empresas, sindicatos, governo e sociedade civil, com o objectivo de propor medidas para reduzir o trabalho informal, que ocupa quase dois terços da população angolana. O organismo que é tão independente a ponto de ser coordenado pelo Ministério da Economia e Planeamento ( MEP), é composto por 40 instituições, maioritariamente da sociedade civil, entre associações profissionais, cooperat ivas , universidades, sindicatos e – reforçando o seu estatuto de independência – 17 órgãos ministeriais. Segundo as autoridades angolanas, o OEI pretende ser um fórum alargado de articulação, concertação e diálogo social permanente sobre a formalização da economia informal de Angola, tendo como missão elaborar medidas nesse sentido.
A secretária de Estado para a Economia angolana, que discursou na abertura da primeira reunião constituinte, referiu dados publicados em 2018 pelo Fundo Monetário Internacional ( FMI) e pelo Banco Mundial ( BM) que davam conta que cerca de 72,6% da população economicamente activa em Angola tinha um emprego informal.
“Estes são os dados actuais com que estamos a trabalhar e o executivo naturalmente por via do PREI [ Programa de Reconversão da Economia Informal], e o seu lançamento a nível das 18 províncias, está a desenvolver acções para reduzir os patamares da informalidade da nossa economia”, disse Dalva Ringote.
O OEI, “que é um órgão de auscultação e concertação entre o sector público e privado e as organizações não-governamentais e cooperativas, é um órgão importante porque tem a responsabilidade de garantir, auxiliar na formalização e acompanhamento das políticas das acções tendentes à formalização”, referiu.
Este órgão deve também elaborar estudos, “porque também está incorporada neste órgão a academia, que tem a função de apresentar estudos concretos para auxiliar as políticas voltadas à formalização, que tem a função de garantir que todo o processo decorra de forma suave”. Dalva Ringote disse estar certa que os membros do OEI “poderão contribuir para garantir que a política de formalização da actividade económica se concretize e vamos continuar a trabalhar em busca dos resultados tangíveis no decurso das acções de concertação”. “Hoje é a criação do secretariado, que será eleito formalmente, e portanto a continuidade do processo de formalização da actividade que vai decorrer pelo país vai merecer atenção deste importante órgão de formalização”, assegurou. Recordou que o PREI, lançado oficialmente em 16 de Novembro de 2021, deve atingir os 164 municípios: “E estão em curso as acções conducentes à materialização”. “Esperamos ter nos próximos tempos o plano operacional elaborado, para então continuarmos o processo de formalização da actividade económica dos municípios”, rematou a secretária de Estado angolana.
Já a secretária executiva constituinte do OEI, Elsa Sarmento, deu conta que o órgão deve aprovar um conjunto de aspectos normativos, referindo que o fórum, apesar de ser coordenado pelo MEP, foi dotado de “autonomia técnica, científica e administrativa”.
Neste sentido, “é o primeiro observatório de iniciativa governamental criado nestes moldes como um fórum verdadeiramente independente onde os organismos diversos estão em pé de igualdade numa discussão com 17 instituições públicas, totalizando 40 entidades”. “Numa grande família que pretende debater o bemestar socioeconómico e o processo de formalização da economia de forma a promover a coesão social e aumentar o desenvolvimento socioeconómico de Angola”, assinalou Elsa Sarmento.
O Governo anunciou, na passada semana, que formalizou cerca de 200.000 operadores informais com a implementação, há sete meses, do PREI e disponibilizou 2,6 mil milhões de kwanzas ( 5,6 milhões de euros) em microcrédito. Segundo o ministro de Estado para a Coordenação Económica, Manuel Nunes Júnior, a maior parte dos operadores retirados do circuito informal são mulheres, sobretudo jovens entre os 15 e os 40 anos.