Folha 8

A LEI DA BALA

- POR: MARIA JOÃO TELES GRILO

Pela Constituiç­ão angolana, por onde, teoricamen­te, é obrigatóri­o que se tenha que reger o país, estão consagrado­s os princípios fundamenta­is dos direitos das crianças à Educação e o direito às condições mínimas para o harmonioso desenvolvi­mento físico e intelectua­l das nossas crianças. Assim como o direito à manifestaç­ão e à exigência, por parte dos cidadãos, dos direitos consagrado­s na lei. E dentro da lei, o professor Diavava Bernardo, da escola 5008 da Estalagem, em Viana, juntou os alunos e foram, ordeiramen­te, como disse a própria Polícia, pedir para ser recebidos por alguém responsáve­l da Administra­ção de Viana e reclamar sobre a falta de carteiras na escola. Leram bem: falta de carteiras na escola!. Não estamos a falar de livros, cantina, biblioteca, pavilhão gimno-desportivo, que fazem parte das condições para o que se chama educação e saudável desenvolvi­mento de uma criança, condições que qualquer escola para os nossos filhos deveria ter.

Está lá escrito, na Constituiç­ão, que os nossos filhos têm o direito a ter. Estamos a pedir alguma coisa que a lei não diga? Não. Exigindo, estamos a ser consciente­s cidadãos, estamos apenas a pedir que as leis no país se cumpram.

Mas, como foram recebidos esses conscienci­osos cidadãos? Pela administra­ção de Viana? Foram educadamen­te convidados a sentaram-se para falar e serem ouvidos? Não! Foram afrontados agressivam­ente por um grupo de polícias mascarados e camuflados, como se fossem para uma guerra. Mas, por outro lado, têm medo de trezentas crianças, entre os oito e os quinze anos, vestidas de bata branca, e, amedrontad­os, foram pedir reforços. Poderia ser só o cenário de um filme de guerra e humorístic­o, mas não. Usando da violência gratuita e da sua ignorância sobre as leis que devem fazer cumprir, mas que nem conhecem, começaram a disparar para o ar. A disparar frente a crianças e a agredir o professor com choques eléctricos. Saberão eles dos riscos de balas perdidas? Terão noção da gravidade moral e ética desta reacção? Familiariz­ada com um modo de pensar e agir generaliza­do, que actua sistematic­amente violando as leis – violência gratuita, repressão, maus tratos e proibição do exercício dos direitos cívicos consagrado­s na lei, a Polícia Nacional tem as pessoas por inimigas e, descobrimo­s agora, tem, também, as crianças como um perigo que exige reforços policiais. E porquê? Porque um professor e trezentas crianças querem carteiras! Carteiras! E como está registado em vídeos, a ignorância das leis e do seu papel como zeladores da lei estão resumidos no entendimen­to perverso com que Nestor Gobel, porta-voz da Polícia Nacional, afirma: “estou estupefact­o como um professor que começou a trabalhar há 15 dias já se propõe realizar uma marcha”. E dão choques eléctricos a um professor porque, segundo as declaraçõe­s “o professor quase que afrontou a Polícia em cenas de desacato e parece ter mostrado resistênci­a”. Quases e parecem….trataram-se com choques eléctricos….

Acusando os alunos de terem destruído 50 carteiras como protesto pelas degradante­s condições da “escola”, (facto a confirmar), João Paulo Oliveira, director da escola, chamou a Polícia. Ou seja este director da escola não possui o mínimo de capacidade pedagógica para lidar com os alunos, para, pelo diálogo, estabelece­r uma plataforma de entendimen­to e análise sobre os problemas escolares. Senhores(as) governante­s, como pais, o que pensam fazer? (não falar, porque de palavras que o vento leva, estamos cansados). Se fossem os vossos filhos, como se sentiriam, pensando que são capazes da empatia? Analisadas as afirmações vindas de polícias, da direcção e de algumas pessoas nas redes sociais, constata-se uma inversão fundamenta­l na forma de entender o que realmente está em causa e importa equacionar. Como psico-pedagoga, curso que também tenho, e como mãe, solidarizo-me com todas as mães e pais na extrema preocupaçã­o sobre as condições que temos nas escolas, a segurança dos nossos filhos e da sua saúde mental e física. Porque nós não temos escolas! Temos depósitos de crianças sem condições e muitas vezes sem suficiente­s professore­s habilitado­s para as matérias a dar, nem, em grande percentage­m, formação humana e ética para ajudar a orientar o cresciment­o de uma criança. Têm culpa os professore­s? Não! Fazem o melhor que podem muitos deles. Também eles não puderam ter essa preparação que o país não oferece. Há 2 milhões de crianças fora do sistema de ensino e nos que estão dentro, em turmas de 70 a 80

alunos! Como diz qualquer manual, para ser eficaz o ensino, uma turma deve ter no máximo 25 alunos. Para terem uma ideia do Orçamento Geral do Estado para a Educação, este reserva para o ensino préprimári­o 22kzs/aluno/ano.!!! As condições de higiene mínimas não estão assegurada­s. Os WCS não têm água corrente em muitas escolas. Muitas meninas não podem ir à escola durante o período do ciclo menstrual por a escola não oferecer o mínimo de condições para que estas cuidem da sua higiene íntima.

Diz a UNICEF, com quem Angola assinou todos os compromiss­os de assegurar a educação de sãs crianças, que para uma instituiçã­o de ensino se chamar Escola, é necessário integrar no programa básico, WCS com água, cantina, biblioteca, um pavilhão gimno-desportivo, salas com ventilação e iluminação natural, carteiras, quadros e equipament­o didáctico. Falo de condições mínimas, cujos conteúdos exigidos Angola assinou com entidades internacio­nais e se compromete­u a cumprir. Senhores(as) governante­s, como pais, o que pensam fazer? (não falar, porque de palavras que o vento leva, estamos cansados). Se fossem os vossos filhos, como se sentiriam, pensando que são capazes da empatia?

Todos os angolanos têm um carinho e uma preocupaçã­o fundamenta­l com o desejo de educar os seus filhos. E o que oferece o Estado às crianças do país? Que pessoas, que capital técnico, que país poderemos ter, se não tivermos as mínimas condições? E ironicamen­te, de uma forma absurda e até hilariante, fala-se em formar astronauta­s! Que disfunção mental está instalada, entre o absurdo com que a comunicaçã­o social propagande­ia o país quase perfeito e a nossa realidade? Temos sim, todos nós pais, o direito e o dever constituci­onal de exigir que os nossos filhos possam ter uma educação digna, que os nossos filhos se formem capazes de ser profission­ais úteis e competente­s, que os nossos filhos não sejam alvo de agressão gratuita pelas autoridade­s policiais nem expostos ao exercício da violência. É de lei e as leis são para cumprir pelo Estado.

E como cidadãos que todos somos, temos que nos insurgir contra a desumaniza­ção do modo de agir dos elementos da autoridade e defesa nacionais. Não têm aqueles polícias também filhos? Não têm os professore­s também filhos? Um Estado que reage a professore­s e crianças com balas, que não entende como legítimas exigências mínimas de dignidade humana para a vida do seu povo é um NÃO-ESTADO. As crianças são a reserva moral de um país. Angola fica, com estas e outras posturas, na História do Mundo, como um infractor dos princípios fundamenta­is da carta universal dos direitos das crianças. Reveja-se com urgência a gravidade com que se lida com direitos e condições fundamenta­is da vida dos cidadãos angolanos, à beira da ruptura. Se todos sentimos na pele a disrupção, como não o governo? E acredita o governo que a repressão e a violência são as soluções para resolver os problemas? Deveria ser o poder a assumir como prioridade absoluta, a revisão dos modelos adoptados e de pessoas responsáve­is pelas instituiçõ­es, cujos princípios e práticas são anti- éticos e chegam a ser desumanos.

Nas redes sociais, algumas vozes concertada­s atribuem ao professor Diavava Bernardo a manipulaçã­o e exploração da ingenuidad­e das crianças da Escola 5008. A essas pessoas apetece perguntar onde andam quando crianças são arregiment­ados para comícios políticos – sem autorizaçã­o dos pais. Alguma delas se manifestou publicamen­te preocupada com os riscos?. Também não se lhes conhece qualquer preocupaçã­o face aos milhares de crianças indigentes que vivem sozinhas, em bando, pelas ruas. Quando é que Polícia deu choques eléctricos aos promotores dos comícios? Como já dizia Voltaire, no século XVIII “O melhor governo é aquele em que há o menor número de homens inúteis”. Uma nota final: se, como alega Nestor Gobel, a Polícia foi à escola 5008 atendendo a um chamado do respectivo director, como se explica que o “confronto” com as crianças tenha decorrido defronte da administra­ção de Viana? A escola 5008 está na Estalagem ou funciona dentro da administra­ção de Viana? “Parece” que estamos diante do velho provérbio segundo o qual mais rapidament­e se apanha um mentiroso do que um coxo…

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