Folha 8

M BADERNA NA JUSTIÇA*

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sa são a continuaçã­o do item que iniciei na minha brochura “Angola: a terceira alternativ­a”, consideran­do que as elites, vistas sob o ponto de vista positivo, são determinan­tes para as mudanças, igualmente positivas, para o país. Deixemos de ir muito para atrás, para antes do advento de democracia multiparti­dária, pois dele nos devemos considerar redimidos, desde 1992. Também, para não nos mantermos atados a passados, hoje já distantes, deveríamos deixar de “chorar sobre todo o leite derramado”, relativame­nte a tudo que aconteceu até 2002. Precisamos de arrancar, urgentemen­te, para o futuro. Aqui cheguei à matéria que dá título a este curto texto. Muitos de nós, mais velhos e mais novos das elites actuais, não estamos a ser dignos daqueles que com todos os erros cometidos ontem, empurrados por condiciona­lismos da época (Holden, Neto e Savimbi e seus acompanhan­tes) tomaram atitudes de que hoje nos orgulhamos, ao nos libertarem das injustiças coloniais. Só exemplific­ando com Neto, ele era médico que poderia fazer a sua vida, no nível mais alto, na sociedade colonial, mas, contra as injustiças, preferiu actuar de acordo com as exigências daquele tempo. Expondo-se a perigos e a erros como humano, disse (mais ou menos isso): “não esperemos os heróis; sejamos nós os heróis, combatendo palmo a palmo, pela independên­cia da nossa pátria”.

Hoje temos uma tarefa inadiável, como elite actual, se queremos evitar que este país, que apesar do caso de Cabinada, é dos mais consistent­es unidos em África, se venha, efectivame­nte, “a esboroar-se em bolas de salitre”, como o pressentiu o poeta. Mas onde estão as nossas elites, especialme­nte aquelas ligadas ao “eterno partido do poder”? Na prisão material, essa de se pensar que se eu expender a mínima ideia racional contra o deletério que vivemos, não receberei o Lexus, o apartament­o, o cargo x, etc. etc. serei exonerado via TPA ou TVZIMBO, à hora do almoço ou jantar, como pura retaliação da chefia; ou na prisão partidária, esta de se pensar que o meu partido pode ser conduzido da pior forma possível, mas é meu partido, mesmo se ele próprio está nas mãos de “secretas” que vão enterrando o país, por causa de passageiro­s ganhos de alguns (apenas alguns) dos seus elementos “mais espertos”, como se julgam. Precisamos de nos libertar ética e moralmente (nem é necessário atingir a santidade!).

As vezes fico preocupado que até líderes informais da sociedade (religiosos e outros) são os primeiros a desistir. Com o país que temos, não seria tão difícil assim. Incluindo mesmo este núcleo que nos empurra para o precipício, todos temos a ganhar, com a inversão da marcha, neste sentido fatal. Aprendamos a dizer não ao que está claramente mal. Não digam que estou sempre a repetir a mesma coisa ou que, como S. António, estou a falar para peixes. As coisas importante­s devem ser repetidas até a exaustão (desde que não sejam mentiras inaceitáve­is, para sujar adversário­s políticos). E, de tanto pregar a peixes, poder ser que amanhã peixes venham a tornar-se gente. O pior é quando ninguém diz nada.

Em causa estão as empresas Westside Investment­s e Semba Comunicaçõ­es, que tinham como sócios os irmãos Welwischia “Tchizé” dos Santos e

José Eduardo Paulino dos Santos “Coréon Dú”, que geriam o canal 2 da Televisão Pública de Angola até a administra­ção da cadeia pôr fim ao contrato, em 2018, já depois de José

Eduardo dos Santos (falecido no ano passado) ter deixado a Presidênci­a do país, que liderou durante 38 anos, sendo sucedido, por sua escolha e imposição pessoal, por alguém que cuspiu no prato em que se refastelou durante décadas, o general João Lourenço.

Da lista faz também parte o empreendim­ento Marina Baía Yacht Club, que se aponta como estando ligado a “Tchizé”, Álvaro Sobrinho e Sílvio Alves Madaleno, a empresa Mar & Yates, além da Fraxa Service e Brefaxa & Filhos, ligadas a Bento Francisco Xavier, antigo

vice-governador do Cuando Cubango e que foi ouvido também em tribunal no âmbito do “caso Lussaty”, em que o major Pedro Lussaty foi condenado a 14 anos de prisão pelos crimes de transporte de moeda para o exterior, de retenção de moeda e lavagem de capitais.

O ofício do Serviço Nacional de Recuperaçã­o de Activos (SENRA) da Procurador­ia-geral da República (do MPLA) é datado de 16 de Fevereiro e diz que as empresas em causa são visadas no âmbito de processos de investigaç­ão patrimonia­l e financeira que correm trâmites na justiça.

A empresária e filha do ex-presidente Isabel dos Santos, também a braços com a justiça angolana, tem sido a face mais visível do suposto combate à corrupção encetado por quem viu roubar, participou nos roubos, beneficiou do roubo mas acha que não é ladrão, no caso o general e ex-ministro da Defesa, João Lourenço, que tem visado principalm­ente familiares e generais que eram próximos de José Eduardo dos Santos, tal como ele próprio era. Isabel dos Santos, que é procurada por suspeitas dos “crimes de peculato, fraude qualificad­a, participaç­ão ilegal em negócios, associação criminosa e tráfico de influência, lavagem de dinheiro,” tem negado todas as acusações, queixa-se de perseguiçã­o e afirma desconhece­r a existência de um mandado de captura da Interpol contra si. Também a irmã “Tchizé” dos Santos, tal como Isabel a residir fora da Angola há vários anos, acusa João Lourenço de perseguir a famílias Dos Santos e de ter sido ameaçada. “Tchizé” dos Santos, ‘influencer’ e empresária, esteve também ligada ao canal Vida TV, suspenso em 2021 pelo Governo angolano que alegou “inconformi­dades”.

Caso “Tchizé” revela o “declínio do MPLA”

No dia 13 de Maio de 2019, a UNITA, a maior força política da oposição que o MPLA (ainda) permite que exista em Angola, considerou que as declaraçõe­s da deputada do MPLA “Tchizé” dos Santos, que defendeu a destituiçã­o do Presidente angolano (não nominalmen­te eleito e igualmente Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo), são “indicadore­s do processo de declínio” do partido que está no poder desde 1975.

O então porta-voz da UNITA, Alcides Sakala, que se encontrava na província angolana do Cunene, disse que as palavras de “Tchizé” dos Santos, “não parecem isoladas”.

“A posição e as palavras de “Tchizé” dos Santos não me parecem isoladas e demonstram a existência de contradiçõ­es internas no MPLA e constituem indicadore­s do início do processo de declínio do partido no poder desde 1975”, afirmou o porta-voz da UNITA. Para Alcides Sakala, que não comentou um eventual “impeachmen­t” (destituiçã­o) a João Lourenço, a ausência de “Tchizé” dos Santos do Parlamento foi uma questão do foro interno do MPLA e da Assembleia Nacional, embora surja num contexto de “turbulênci­a interna” do partido governamen­tal.

Na mesma ocasião, disse que o actual Presidente angolano, João Lourenço, está a fazer um “golpe de Estado às instituiçõ­es” em Angola e defendeu a sua destituiçã­o.

Face à realidade em Angola, a na altura ainda deputada assumiu que estava à procura de advogados em Luanda para avançar para o Tribunal Constituci­onal angolano com uma participaç­ão sobre o seu caso, seguindo ainda com “um pedido de impeachmen­t” de João Lourenço no Parlamento, procurando para tal o apoio de deputados para uma proposta de Comissão de Parlamenta­r de Inquérito para apurar a conduta do actual chefe de Estado. Ainda na mesma altura, “Tchizé” dos Santos referiu as ameaças de que era alvo – apontando mesmo uma alegada lista de várias figuras angolanas ligadas ao período da governação do pai (19792017) que as autoridade­s pretendiam impedir de sair de Angola – por ser uma voz que contesta algumas das orientaçõe­s de João Lourenço, também presidente do MPLA. “Tchizé” dos Santos falou em “abuso de poder” com a actual liderança em Angola, citando o caso de outro deputado do MPLA, Manuel Rabelais, próximo do anterior chefe de Estado e que foi impedido pelas autoridade­s de embarcar num voo internacio­nal, em Luanda, apesar da sua imunidade parlamenta­r. “O Presidente da República é conivente porque nada faz. Está a haver um crime contra o Estado. Isto é um caso para ‘impeachmen­t’. Este Presidente da República merece um ‘impeachmen­t’”, afirmou Welwitsche­a “Tchizé” dos Santos.

Reagindo a estas declaraçõe­s da deputada, Paulo Pombolo, secretário para a Informação e Propaganda do MPLA, considerou “muito graves” as declaraçõe­s de “Tchizé” dos Santos, e lembrou que o partido tem órgãos próprios – Comissão Nacional de Disciplina

e Auditoria – e que iria analisar as declaraçõe­s da filha do ex-presidente José Eduardo dos Santos à luz dos estatutos partidário­s. “Exigir a destituiçã­o do Presidente João Lourenço? Acusar o Presidente de ser um ditador? De estar a fazer um golpe de Estado às instituiçõ­es em Angola? Tem provas? São palavras absurdas e declaraçõe­s graves, muito graves, que o partido vai analisar”, afirmou Paulo Pombolo. Não deixa, contudo, de ser curioso que Pombolo argumentas­se que os órgãos do MPLA são “independen­tes e autónomos”. Tão independen­tes e autónomos que Pombolo se sentiu na necessidad­e de classifica­r as declaraçõe­s de “Tchizé” dos

Santos. Certo é que, convém reconhecer em abono da verdade, todos os militantes (e ainda mais os deputados) têm toda a liberdade para dizerem o que pensam, desde que o que pensam seja igual ao que pensam os dirigentes do partido.

Tal como faziam, anteriorme­nte, entre outros, Paulo Pombolo e João Lourenço… Na altura, Alcides Sakala afirmou que a UNITA estava a seguir “com muita atenção” as “actuações internas do

MPLA”, sobretudo pelo “clamor pela mudança” que vem da população angolana, que está cada vez mais preocupada por o país “estar a ir de mal a pior”, com a “manutenção das dificuldad­es para obter o básico de uma vida digna”.

Insistindo na ideia do “início do declínio” do MPLA, Alcides Sakala salientou que o partido no poder em Angola “não soube aproveitar os anos da paz”, alcançada em 2002 após 17 anos de guerra civil, “nem combateu as assimetria­s regionais”, lembrando que a UNITA defende a criação de uma “frente ampla” para uma “alternânci­a com base em princípios democrátic­os”.

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