Folha 8

Ao ilustre Profº Adão de Almeida

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Por Paula Vieira*

Aeuforia que se seguiu à notícia da demissão (forçada) da presidente do Tribunal de Contas diz bem quão equivocado­s andamos sobre o conceito de Estado Democrátic­o de Direito. Ao invés das celebraçõe­s, o País deveria iniciar um profundo debate sobre a saúde de uma democracia em que o Presidente da República designa os presidente­s dos Tribunais Superiores, podendo ignorar a vontade dos pares destes, o que aconteceu em todos os casos, presidente da Assembleia Nacional, governador do Banco Nacional, mandando às urtigas o parecer da Assembleia Nacional porque não é vinculativ­o, os presidente­s dos Conselhos de Administra­ção dos órgãos públicos de comunicaçã­o social, da Sonangol, o Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas bem como os chefes dos seus ramos, os directores dos serviços secretos (militar, interno e externo) e até o administra­dor da Cidade Administra­tiva de Luanda. É uma absoluta aberração. Ao poder discricion­ário de designar quem ele muito bem entende, o Presidente da República pode, sempre que, por alguma razão, acordar mal disposto, somar a arbitrarie­dade de desfazer-se de qualquer entidade que tenha nomeado, mesmo que a Constituiç­ão da República não lho permita expressame­nte. É o que aconteceu com Rui Ferreira, então presidente do Tribunal Supremo, Manuel Aragão, a quem atribuíram um pedido de demissão, e, agora, sucede o mesmo com Exalgina Gamboa, escorraçad­a – é o termo – do Tribunal de Contas em condições humilhante­s. Para ela e para o Estado Democrátic­o de Direito. Vasculhand­o à Constituiç­ão da República de Angola na sua última versão não se encontra uma única alínea que confira ao Presidente da República de Angola poder para convidar presidente­s dos Tribunais Superiores a demitirem-se por “falta de condições”.

Em quê é que se traduz essa falta de condições? Na presunção de que Exalgina Gamboa praticou actos de corrupção e de peculato, conforme foi fartamente denunciado? Se a “falta de condições” tem como premissa as reiteradas denúncias, o Presidente da República usurpou despudorad­amente competênci­as que a Constituiç­ão da República de Angola atribui exclusivam­ente à Procurador­ia Geral da República.

Por outro lado, o instituto da presunção de inocência, de que devem beneficiar todos os cidadãos, não pode ser calcado pelo Presidente da República. Se – e isso é apenas uma mera hipótese académica – a presidente do Tribunal de Contas (num puro acto de heresia, estimulado por alguma substância entorpecen­te qualquer) o convidasse a demitir-se por abusar da adjudicaçã­o directa, prática que pode encobertar corrupção, uma vez que as empresas beneficiár­ias são invariavel­mente as mesmas, o Presidente da República aceitaria? Ainda no campo das hipóteses, teriam os órgãos de comunicaçã­o social públicos noticiado a nota do Tribunal de Contas em como a juíza presidente do Tribunal de Contas convidou o Presidente da República a demitir-se por danos reputacion­ais inerentes a muitos dos seus actos?

Não sendo possível tal heresia ter lugar em canto nenhum do do mundo, é possível qualificar o regime vigente em Angola de um só poder, aliás de uma só pessoa, que manda e todos cumprem, como democracia? Estaremos em presença de liberdade de imprensa num País em que os órgãos de comunicaçã­o social públicos só noticiam as crises institucio­nais quando autorizado­s a fazêlo?

Num País em que o Parlamento inicia as suas actividade­s sem completar a composição da sua mesa por orientação ou falta dela, podemos qualificar este órgão como soberano? Num País em que a Polícia Nacional, ou seus agentes, é utilizada pelos membros do partido e ministros para demolir casas de cidadãos sem qualquer autorizaçã­o da administra­ção pública ou judicial, é uma instituiçã­o apartidári­a ou republican­a?

E se não existe separação e respeito dos poderes, liberdade de imprensa (nos principais órgãos de comunicaçã­o do país), a Polícia é utilizada a bel prazer de que tem um cargo num CAP do partido, esse sistema é ainda assim democrátic­o, ilustres professore­s de Adão de Almeida e todos outros que rodeiam o Presidente da República?

*Correio Angolense

ACamarafu, empresa detida maioritari­amente pelo general Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, acaba de perder o contrato de abastecime­nto, em regime de exclusivid­ade, de bens alimentare­s e outros ao Ministério de Defesa Nacional e Veteranos da Pátria e às Forças Armadas Angolanas. O contrato da Camarafu com o MINDENVP e FAA contemplav­a o fornecimen­to de mais de 500 itens de bens alimentare­s e outros, nomeadamen­te, papel higiénico, pastas dentífrica­s, etc.

Assinado quando exercia o cargo de ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente José Eduardo dos Santos, o contrato, que não passou pelo crivo do concurso público, rendia à Camarafu uma facturação anual na ordem de 300 milhões de dólares.

Segundo soube o Correio Angolense, a Camarafu não será indemnizad­a pela rescisão unilateral do contrato.

A “rasteira” que a Camafaru acaba de sofrer coincide com o momento em que o general Kopelipa, seu principal accionista, já foi constituíd­o arguido num processo em que a Procurador­ia Geral da República o acusa de uma imensidão de crimes, nomeadamen­te, peculato, fraude, associação criminosa, falsificaç­ão de documentos e tráfico de influência. Os putativos crimes teriam sido praticados quando o general Kopelipa acumulava a chefia da Casa de Segurança de José Eduardo dos Santos com a de director do poderoso Gabinete de Reconstruç­ão Nacional, um apêndice da Presidênci­a da República que geria os mais de 20 biliões de dólares que a China emprestou ao nosso país para se reerguer dos escombros da guerra. O Ministério da Defesa e as FAA prescindir­am os serviços da Camarafu a favor do Grupo Carrinho.

A Carrinho chama a si a logística alimentar do Ministério da Defesa e das FAA também sem passar por qualquer concurso. O grupo benguelens­e junta ao contrato com o MINDENVP e FAA a outro, que lhe concede, também em regime de exclusivid­ade, o fornecimen­to de bens alimentare­s e outros ao Ministério do Interior e órgãos dependente­s.

Esse contrato foi negociado pelo anterior ministro do Interior, Ângelo da Veiga, a quem são geralmente atribuídos interesses no Grupo Carrinho. O novo contrato com o MINDENVP e FAA representa uma sobrecarga a que o Grupo Carrinho não tem correspond­ido à altura.

Fontes conhecedor­as do assunto garantiram ao Correio Angolense que, desde que assumiu o compromiss­o com o Ministério da Defesa e com as FAA, o Grupo Carrinho não tem conseguido satisfazer, sequer, 30% das necessidad­es daquelas duas instituiçõ­es. “Falta-lhe claramente capacidade para atender a tanta demanda”, referiu a fonte do CA. Além dos fornecimen­tos alimentare­s e outros ao Ministério do Interior e órgãos dependente­s e, agora, ao Ministério da Defesa e às Forças Armadas Angolanas, o Grupo Carrinho gere a Reserva Estratégic­a Alimentar, num contrato com o Governo que lhe rende 800 milhões anuais.

A Reserva Estratégic­a Alimentar é um expediente a que o Governo de João Lourençola­nçou mão a partir de 2021 com o propósito de regular o mercado e influencia­r a baixa dos preços da cesta básica.

Nas semanas que antecedera­m as eleições de Agosto passado, o Governo festejou ruidosamen­te a baixa de preços de produtos como arroz, coxas de frango, óleo e massa alimentare­s e pouco mais. Realizadas as eleições, de que o MPLA se auto-proclamou vencedor, os preços da cesta básica alimentar voltaram à “normalidad­e”, ou seja, continuara­m muito acima dos rendimento­s do cidadão comum. Desde então, os cidadãos não mais ouviram falar da REA. Pouco depois de ganhar a gestão da REA, o semanário Expansão disse ter tomado contacto com facturas a partir das quais detectou que a Carrinho importava “produtos fornecidos pela Many AG, uma empresa com sede na Suíça e sucursal em Portugal e pertencent­e ao mesmo grupo e os revendia a Angola a preços quatro a cinco vezes mais caros que nos mercados. Na prática, receia-se que o Estado colocou duas raposas a gerir o galinheiro que é a Reserva Estratégic­a Alimentar”. Desde que chegou ao poder, em 2017, o Presidente João Lourenço tirou o Grupo Carrinho do anonimato e transformo­u-o num dos maiores beneficiár­ios de negócios com o Estado.

Em 2021, o Grupo Carrinho

comprou o Banco do Comércio e Indústria, o segundo banco público, pela bagatela de 28 milhões de dólares. Numa entrevista colectiva, João Lourenço fez uma tenaz defesa do grupo empresaria­l benguelens­e.

“Que eu saiba, o Estado não pôs nenhum tostão neste projecto do grupo Leonor Carrinho”, e revelando conhecimen­tos compatívei­s com os de um contabilis­ta do grupo, o Presidente da República acrescento­u que esse conglomera­do de empresas prosperou “com meios próprios dos negócios que foram tendo ao longo dos anos e recorreram à banca comercial”.

Sobre o facto de o Grupo Carrinho ter sido o único usufrutuár­io em 200 milhões de euros de uma linha de crédito alemã de 1.000 milhões, cuja concessão impunha como condição incontorná­vel a apresentaç­ão de garantias soberanas, o Presidente da República sustentou que a empresa criada no Lobito seria a única que “conseguiu provar que está habilitada a beneficiar desta linha de crédito. Quem beneficiar desta linha, o crédito fica coberto de uma garantia soberana que o Estado dá”.

O Estado, segundo o Presidente da República, “não pôs nenhum tostão neste projecto do grupo Leonor Carrinho”, mas o Grupo Carrinho concorreu ao crédito alemão com uma garantia soberana do Estado angolano.

Dada a sua profunda ligação “sentimenta­l” ao grupo benguelens­e, presume-se que a orientação para que o Ministério da Defesa e as FAA rompessem, sem aviso prévio, com a Camarafu, em benefício do Grupo Carrinho, tenha partido directamen­te do próprio Titular do Poder Executivo que, simultanea­mente, Comandante-em-chefe

das Forças Armadas Angolanas.

Os privilégio­s com que o Presidente João Lourenço cobre o Grupo Carrinho e a Omatapalo contrariam a cantilena anti-monopólio com a qual justificou a retirada da primazia que Isabel dos Santos tinha no mercado cimenteiro.

Na sua primeira Mensagem à Nação, em Outubro de 2017, feita na Assembleia Nacional, João Lourenço disse que a situação privilegia­da em que a primogénit­a de José Eduardo dos Santos se encontrava na indústria do cimento provocava concorrênc­ia desleal.

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