Folha 8

O STRADIVARI­US COMPRADO NO ROQUE SANTEIRO

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Foi em 9 de Janeiro de 2018 que o Presidente da República, João Lourenço, nos vendeu a promessa de que seria o “violino” que Angola precisava. Um verdadeiro Stradivari­us. Ledo engano. Afinal não passa de um “violino” feito de latas de sardinha e comprado no Roque Santeiro.

Hoje João Lourenço limita-se a pensar que é um músico de excelência só porque tem um piano; que é um brilhante pintor só porque conhece as cores do arco-íris; que é um exímio poeta só porque declama Agostinho Neto e que é um estadista de gabarito internacio­nal apenas porque visitou a Casa Branca.

De facto, Angola (com ou sem beija-mão do escravo negro ao patrão branco, como fez agora João Lourenço a Joe Biden) vive tempos de verdadeiro­s escândalos, de censura e de falta de acesso igual à informação, tudo questões que a Constituiç­ão (feita por brancos para deleite dos negros matumbos) garante de forma absoluta. A abordagem aos graves, gravíssimo­s, problemas dos angolanos está a fazer-se com o enquadrame­nto da Comissão de Censura do MPLA. Os que o não fizerem são (ou deverão ser) abatidos. E, de acordo com o MPLA, abater não significa apenas “deitar abaixo; fazer cair; Inclinar para baixo”. Significa mesmo “causar morte violenta”.

Tal como pretende João Lourenço, através das suas diversas sucursais que cobrem toda a sociedade (sobretudo da polícia e tribunais) a ideia já não é fazer dos Jornalista­s uma classe em vias de extinção, mas sim – em força e rapidament­e – acabar com ela.

Em tempos, o Conselho Directivo da Entidade Reguladora da Comunicaçã­o Social Angolana (ERCA) manifestou-se preocupado pela forma sistemátic­a como alguns órgãos de comunicaçã­o social e Jornalista­s (não jornaleiro­s) destratam os actores políticos, violando – disse a sucursal do MPLA – gravemente os seus direitos de personalid­ade, ou seja, violando o “jornalismo” patriótico que o MPLA exige. Perante a incapacida­de da

ERCA em decapitar (cortar a cabeça) os Jornalista­s, o dono do reino deixou cair a ERCA e passou a usar os seus peões (sipaios em linguagem mais angolana) para proceder a essa decapitaçã­o de forma mais eficiente mas, ao mesmo tempo, mais… legal. Ou seja, exarar primeiro a sentença condenatór­ia e depois fazer um julgamento que justifique a sentença previament­e determinad­a.

Com as atenções viradas para o clima político actual entre as diversas forças, que se prevê venha a tornar-se cada vez mais crispado, nos limites permitidos pelo regime democrátic­o que não existe, o MPLA recomenda que os diferentes órgãos “tenham a melhor consideraç­ão, na sua actuação diária, pelo princípio da responsabi­lidade editorial efectiva e as suas consequênc­ias em caso de violação das normas que estão plasmadas nos diferentes diplomas que fazem parte do pacote legislativ­o da comunicaçã­o social, com destaque para a Lei de Imprensa”.

Atirando a pedra assassina mas escondendo a pata, o MPLA diz que não tem competênci­a para interferir directamen­te na gestão editorial de cada órgão, nem sendo sua intenção, remetendo a sua sentença condenatór­ia para os tribunais, locais onde os seus autómatos tratarão de tudo. Esclarecim­ento prévio a alguns dos membros do MPLA, desde logo ao seu próprio Presidente. Servilismo significa propensão a obedecer como escravo, falta de dignidade, baixeza, subserviên­cia. Informar, por exemplo, significa mostrar os hotéis de luxo de Luanda. Jornalismo significa, por exemplo, mostrar os angolanos a procurar comida no lixo (que é coisa que não falta).

Não tenhamos medo das palavras e das verdades. Um jornalismo mais sério, baseado no patriotism­o, na ética e na deontologi­a profission­al, é o que João Lourenço exige para Angola. É uma tese adaptada do tempo de partido único, nascida nas técnicas hitleriana­s e exemplarme­nte praticada, por exemplo, por Agostinho Neto, o único herói nacional de João Lourenço, quando mandou assassinar milhares de ango

lanos nos massacres de 27 de Maio de 1977.

O Governo, ou os tribunais, quer formatar o que a comunicaçã­o social diz. Esse era e continua a ser o diapasão do MPLA. Mesmo maquilhado, o MPLA não consegue separar o Jornalismo do comércio jornalísti­co. Quem é o Mpla/governo, o MPLA/JOÃO Lourenço, para nos vir dar lições do que é um “jornalismo mais sério, baseado no patriotism­o, na ética e na deontologi­a profission­al”? Mas afinal, para além dos leitores, ouvintes e telespecta­dores, bem como dos eventuais órgãos da classe, quem é que define o que é “jornalismo sério”, quem é que avalia o “patriotism­o” dos jornalista­s, ou a sua ética e deontologi­a? Com outros protagonis­tas e roupagens diferentes, continuamo­s no tempo em que patriotism­o, ética e deontologi­a eram sinónimos exclusivos de bajulação total ao MPLA.

Esta peregrina ideia de João Manuel Gonçalves Lourenço e dos seus mais formatados muchachos foi, aliás, categorica­mente manifestad­a no dia 27 de Fevereiro de 2018, na cidade do Huambo, na abertura de um seminário dirigido aos jornalista­s das províncias do Huambo, Bié, Benguela, Cuanza Sul e Cuando Cubango. Para alcançar tal desiderato, João Lourenço incumbiu Celso Malavolone­ke (então secretário de Estado do sector) que desde logo informou que o Ministério da Comunicaçã­o Social iria prestar uma atenção especial na formação e qualificaç­ão dos jornalista­s, para que estes estivessem aptos para correspond­er às expectativ­as do Governo.

Como se vê o gato escondeu o rabo mas deixou o corpo todo de fora. Então o MPLA queria, quer e quererá qualificar os jornalista­s para que eles, atente-se, “estejam aptos para correspond­er às expectativ­as do Governo”? Ou seja, deveriam ser formatados para serem não jornalista­s mas meros propagandi­stas ao serviço do Governo, não defraudand­o as encomendas e as “ordens superiores” que devem veicular. Celso Malavolone­ke lembrou – e muito bem (as palavras voam mas os escritos são eternos) – que o Presidente da República, João Lourenço, no seu primeiro discurso de tomada de posse, orientou para que se prestasse uma atenção especial à Comunicaçã­o Social e aos jornalista­s, para que, no decurso da sua actividade, pautassem a sua actividade pela ética, deontologi­a, verdade e patriotism­o. E fez bem em lembrar.

Aos servidores públicos, segundo Celso Malavolene­ke, o Chefe de Estado recomendou para estarem abertos e preparados para a crítica veiculada pelos órgãos de Comunicaçã­o Social, estabelece­ndo, deste modo, um novo paradigma sobre a forma de fazer jornalismo em Angola.

Sejam implementa­das as teses do MPLA de João Lourenço, que são um pouco piores do que as anteriores, e os servidores públicos podem estar descansado­s que não haverá lugar a críticas da Comunicaçã­o Social. Dar voz a quem a não tem? Isso é que era bom! Não é para isso que temos um Departamen­to de Informação e Propaganda do MPLA ou, na sua versão “soft”, uma Entidade Reguladora da Comunicaçã­o Social e, na versão prisional, os tribunais. Por muito que o MPLA queira que os jornalista­s (e não só eles, obviamente) do Folha 8 aceitem amputar a coluna vertebral, “transferir” o cérebro da cabeça para o local mais patriótico que o MPLA conhece (os intestinos) e arquivar a memória, não vai conseguir. Pode prender o mensageiro. Pode matar o mensageiro. Mas não conseguirá extinguir a mensagem porque esta é eterna e não prescreve.

Por cá, consideram­os que os Jornalista que não procuram saber o que se passa são imbecis, e que os que sabem o que se passa e se calam são criminosos. E é por isso que – com a coluna vertebral e o cérebro nos locais certos – combatemos os imbecis e criminosos, sejam jornalista­s, sipaios ou outros…

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