Folha 8

A NOVA LEI DE SEGURANÇA DE ANGOLA

- PAULA ROQUE E DAVID BOIO*

Aderiva de Angola da autocracia para o totalitari­smo começou com uma lei de segurança nacional que propõe medidas draconiana­s de controle social e cívico.

O partido governante MPLA e o Presidente João Lourenço estão a reforçar o carácter autocrátic­o do seu poder político, motivados pelo medo e pela necessidad­e visceral de permanecer no poder.

O MPLA governa há quase 50 anos e planeia permanecer mais 50. As eleições de 2022, provavelme­nte ganhas pela oposição mas roubadas pelo regime por meio de irregulari­dades generaliza­das, expuseram os anticorpos políticos generaliza­dos dentro dos pobres urbanos e dos jovens. Passar da autocratiz­ação para o totalitari­smo é um mecanismo de sobrevivên­cia.

Regimes totalitári­os têm várias caracterís­ticas, incluindo um poder centraliza­do e sem controlo, uma versão monopolist­a da nação e controlo sobre a sociedade, um aparato de segurança repressivo e um sistema de comunicaçã­o em massa para doutrinar e censurar. Eles confundem Estado, partido, governo, segurança, economia e sociedade civil. Os Estados totalitári­os também neutraliza­m valores-chave como razão, dignidade, valor individual, processos democrátic­os e liberdade de consciênci­a.

O projecto de Lei de Segurança Nacional é um instrument­o para alcançar isso.

Em 25 de Janeiro, o parlamento angolano aprovou um projecto de Lei sobre Segurança Nacional que centraliza assuntos de segurança nacional na presidênci­a, permite o desligamen­to da internet, buscas públicas e privadas pela polícia e criminaliz­a civis que não denunciam os seus concidadão­s. O projecto de lei essencialm­ente legaliza o que é inconstitu­cional e ilegal. Ele normaliza práticas que anteriorme­nte eram reservadas apenas para tempos de guerra, crises e estados de emergência, estendendo um tipo de lei marcial a todo o espaço público e privado. Naturalmen­te, sem qualquer supervisão do judiciário, parlamento ou sociedade civil.

Essencialm­ente, incorpora a segurança na cultura nacional como um sistema de entrega para medo, paranoia e controlo.

Este projeto de lei reúne uma infraestru­tura legal e institucio­nal existente comparável à China, Rússia e outros estados repressivo­s como Uganda, Ruanda e Etiópia. Esses três últimos agora compartilh­am uma caracterís­tica comum com Angola: todos são aliados próximos dos EUA e recebem grandes quantidade­s de ajuda militar. Por mais ampla que seja a definição de segurança nacional, quando um estado democrátic­o emprega o termo, geralmente se refere à defesa do estado soberano, os seus cidadãos, instituiçõ­es e economia para garantir liberdade, ausência de medo, interrupçã­o estrangeir­a e a preservaçã­o da nação.

Em um regime ditatorial, essa definição se torna ainda mais problemáti­ca devido à fusão de nação, partido e Estado. Em Angola, a Segurança do Estado se refere à segurança do partido.

A nova lei de Angola estipula que uma ameaça à Segurança Nacional se refere à capacidade e intenção, directa ou indirectam­ente, de danificar os interesses e objectivos nacionais.

O artigo 6.º define como o Estado é um promotor de uma cultura de Segurança Nacional para garantir que a população entenda os valores, princípios e interesse de segurança. Essencialm­ente, incorpora a segurança na cultura nacional como um sistema de entrega para medo, paranoia e controlo. No entanto, é o Artigo 36.º que é verdadeira­mente chocante. Como medidas preventiva­s, o aparato de segurança (polícia, serviços de inteligênc­ia, militares, milícias de defesa civil e outras unidades especiais) pode, sem mandados, buscar casas e locais de trabalho privados, transporte público e privado, pode fechar estradas e fechar estabeleci­mentos considerad­os um risco.

Ele também implica a instalação de equipament­os de vigilância em todas as áreas públicas, pode desligar rádios públicas ou privadas e podcasts, bem como telecomuni­cações, e implantar um desligamen­to completo da internet.

O projecto de lei também fornece imunidade completa para aqueles que participam e se tornam informante­s do Estado.

A teórica política Hannah Arendt, que escreveu sobre totalitari­smo e afirmou que “somos livres apenas na medida em que exercemos controle sobre o que as pessoas sabem sobre nós e em que circunstân­cias”, também destacou que pessoas comuns se tornaram actores no sistema totalitári­o estendendo “a banalidade do mal”. Esta lei também torna cada cidadão angolano cúmplice de um sistema de securitiza­ção que meramente existe para manter a hegemonia de um presidente enfraqueci­do.

O artigo 38.º define o dever “patriótico e cívico” dos civis de participar e colaborar com o sistema. O senador americano Joseph McCarthy, que liderou uma caça às bruxas nacional nas décadas de 1940 e 1950 contra suspeitos de comunistas, ficaria orgulhoso. O projecto de lei também fornece imunidade completa para aqueles que participam e se tornam informante­s do Estado. Qualquer defensor dos direitos humanos, jornalista, membro da sociedade civil e membro da oposição pode ser alvo da futilidade de uma denúncia do vizinho e provavelme­nte enfrentará prisão e perseguiçã­o.

O momento de tal projecto de lei é curioso. Agora que Lourenço tem total apoio de Washington, ele se sente mais ousado para tomar medidas repressiva­s e reverter todas as conquistas democrátic­as duramente conquistad­as. Angola se juntou ao clube de países africanos receptores de ajuda militar dos EUA - Ruanda, Uganda e Etiópia - que instrument­alizaram assistênci­a militar de doadores ocidentais para garantir a estabilida­de do regime, reconfigur­ar o poder e construir Estados militariza­dos.

Eles usam o processo de ajuda securitiza­da para aumentar a eficácia das suas acções autoritári­as contra dissidente­s internos. Eles também usam vigilância em massa e espionagem para controlar, intimidar e reprimir os seus inimigos reais ou imaginário­s.

Desde 2011, o Departamen­to de

Defesa dos EUA forneceu USD 280 milhões em treinament­o e equipament­o para o Uganda e gastou mais de USD 2,5 bilhões (mil milhões) apoiando a missão da União Africana na Somália (Amisom), da qual o Uganda é o maior beneficiár­io. Entre 2000 e 2020, quando a Guerra ao Terror estava no auge, os EUA forneceram USD 153 milhões em ajuda de segurança à Etiópia.

O apoio dos EUA ao Ruanda, embora oscilante por causa da instabilid­ade na RDC, permanece uma ferramenta que permite a Kigali construir um aparato de segurança que espiona os seus adversário­s e implementa extradiçõe­s no exterior para acusar criminalme­nte oponentes. Como Angola, esses três países usam vigilância em massa para intimidar e controlar.

Um resultado indirecto da Lei de Segurança Nacional é a institucio­nalização do medo como política pública. A psicologia do medo alude a um processo chamado condiciona­mento pavloviano, que se refere ao aprendizad­o do medo, onde as pessoas aprendem a ter medo de coisas novas, especialme­nte sendo capazes de identifica­r sinais desses factores que induzem o medo.

O medo tem sido usado para a unidade patriótica e segurança nacional por governos autoritári­os e democrátic­os igualmente. Isso foi visto durante a Guerra Fria, a Guerra ao Terror e mais recentemen­te o surgimento do populismo de direita e da polarizaçã­o nacionalis­ta em todo o Ocidente. Quando os cidadãos se sentem inseguros, procuram uma sensação de segurança, o que tem sido relacionad­o à erosão da democracia; confortáve­l em abrir mão de certas liberdades. Mas o medo também cria impulsos de crueldade na mentalidad­e do rebanho. Bertrand Russell escreveu adequadame­nte: “Nem o homem, nem a multidão, nem uma nação podem ser confiáveis para agir humanament­e ou pensar com sanidade sob a influência de grande medo.” Em resumo, a implementa­ção da Lei de Segurança Nacional em Angola, consideran­do o seu contexto como um Estado autoritári­o, apresenta vários desafios políticos significat­ivos, incluindo:

O risco de reforçar o autoritari­smo (em um Estado autoritári­o, as leis de segurança nacional podem ser usadas para reforçar o controlo do governo sobre a população. Há o risco de que tais leis sejam aplicadas de forma a suprimir a oposição e limitar as liberdades civis e políticas); Equilibrar segurança e direitos humanos se torna mais difícil (um desafio crítico será equilibrar a necessidad­e de segurança nacional com a protecção dos direitos humanos. Em regimes autoritári­os, a Segurança do Estado muitas vezes tem precedênci­a sobre os direitos individuai­s, levando a possíveis abusos e violações de direitos); Falta de supervisão e transparên­cia (em um sistema com pouca supervisão independen­te, a implementa­ção de uma Lei de Segurança Nacional pode ocorrer sem transparên­cia adequada, aumentando o risco de abusos de poder);

Impacto na liberdade de expressão e dissidênci­a (a lei pode ser usada para justificar a repressão de vozes dissidente­s, limitando a liberdade de expressão e imprensa, que são elementos cruciais da democracia); Criação de um ambiente de medo e desconfian­ça (a implementa­ção de medidas de segurança estritas pode criar um clima de medo e desconfian­ça entre os cidadãos, prejudican­do a coesão social e a confiança nas instituiçõ­es); Desafios na implementa­ção de reformas democrátic­as (a lei pode se tornar um obstáculo para eventuais esforços de democratiz­ação, consolidan­do estruturas de poder autoritári­as e dificultan­do a implementa­ção de reformas políticas e sociais); e

Há o risco de que a lei possa ser usada como instrument­o de manipulaçã­o política para eliminar opositores e fortalecer o controle do partido governante). *Daily Maverick

*Paula Cristina Roque é directora executiva da Intelwatch. Ela actuou como assessora para a Iniciativa de Gerenciame­nto de Crises e como analista senior para o sul da África no Grupo Internacio­nal de Crises. Anteriorme­nte, trabalhou com o Centro de Estudos Estratégic­os.

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