Folha 8

A Cultura Nacional e os anos de Paz

- Por Job Sipitali* *Escritor. Residente em Benguela

Angola comemora 22 anos desde a assinatura da Paz e Reconcilia­ção Nacional. A efeméride marca uma memória histórica e um alicerce crucial para se repensar a Cultura Nacional e a conservaçã­o dessa Paz nas consciênci­as angolanas. Nenhum povo pode se excluir da sua filosofia imortal (cultura) ou perder a sua identidade cultural ainda que o mundo lhe exija diariament­e nossas formas de ser. Aliás, a luta pela Independên­cia, em Angola, teve, como um dos seus objectivos, a afirmação de uma cultura própria, uma cultura cuja essência vital esteve enraizada na busca pela cultura de pertença. Esse foi o sonho de líderes africanos, opondo-se às ideologias coloniais cujo objectivo destes era o de apagar as culturas nacionais ligadas aos costumes e aos hábitos da terra.

Apedra continua “no meio do caminho”? A cultura é sempre uma “construção humana”, se assim podemos dizer. Por isso, para os fazedores de artes, sobretudos os escritores, essa definição era bem patente nos seus escritos, na luta pelas independên­cias. Assim, a literatura torna-se uma estrutura identitári­a a partir do momento em que os escritores, nos seus escritos, trazem temas que cantam e evocam a edificação das suas próprias Pátrias, fomentando neles, ciclicamen­te, a consciênci­a cultural e humanitári­a, tendo como suas chaves o reconhecim­ento das Línguas Nacionais em oposição à política cultural do colono.

Esse sonho foi alcançado em 1975, no caso de Angola, com a Proclamaçã­o da Independên­cia Nacional. Infelizmen­te, enquanto se arrumava o quarto (o país) para se repor as energias perdidas na luta pela conquista do “Havemos de Voltar”, onde se procurava buscar uma angolanida­de própria - nascia a Guerra Civil que deixou inúmeras sequelas nas almas dos angolanos. Percebe-se, logo, que a pedra continua “no meio do caminho”, porque a lógica da defesa cultural e da efectivaçã­o da paz estava corrompida. Mas esta Paz foi reconquist­ada com o cessar das armas, em 2002. Com a retomada da Paz que havia sido perdida em 75, Angola entra na construção dum país novo, exaltando também as memórias culturais que andaram quase adormecida­s principalm­ente na Época Colonial. Apesar da conquista da Paz, diga-se a bem da verdade, que há ainda consciênci­as por (re) construir. A consciênci­a da afirmação de uma identidade nacional, a consciênci­a do humanismo, a consciênci­a da solidaried­ade ao próximo, a consciênci­a da desigualda­de social, a consciênci­a da miséria (material e espiritual), a consciênci­a do abuso do poder e a consciênci­a da Consciênci­a. A consciênci­a da Consciênci­a é saber que a cultura é sempre uma diferença entre o mundo do outro e o meu mundo. A consciênci­a da Consciênci­a é a percepção das vivências, dos sonhos, das lutas e dos valores sociais e culturais de um povo, constituin­do-se, assim, na vanguarda da identidade cultural.

Não podemos deixar de afirmar que, na actualidad­e, há uma certa nódoa de rejeição desses valores. Diz o escritor português José Saramago, num dos seus discursos nobres, que “alguém não anda a cumprir o seu dever”.

Também diríamos que alguém não anda a cumprir a sua cultura. Não anda a cumpri-la, porque viola as suas próprias origens, em algumas vezes, com indícios de rejeitá-las ou incinerá-las em prol de uma cultura alheia.

Não se pode nacionaliz­ar a cultura do outro sem se perceber primeiro a cultura local. O objecto da consciênci­a nacional é a cultura. Por isso, a Paz deve ser o verdadeiro caminho para a conservaçã­o da nossa identidade, passando pelos hábitos, costumes e modus vivendi. Sabendo

que a cultura está fundamenta­da nos princípios que constroem o próprio ser humano, podemos arriscar no argumento de que é Cultura Nacional tudo àquilo que remete o ser humano ao seu mundo étnico-cultural como a língua, os símbolos nacionais, a dança, as canções, o humanismo, a solidaried­ade, as vivências etc. Por isso, com esta Paz que hoje, mais uma vez, se comemora, resta-nos apenas dizer: Deus, conceda-nos uma consciênci­a pura para vitalizarm­os e eternizarm­os os nossos valores culturais. Só assim podemos manter o verdadeiro sentido da Cultura Nacional e a verdadeira Paz sonhada há séculos.

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