A Cultura Nacional e os anos de Paz
Angola comemora 22 anos desde a assinatura da Paz e Reconciliação Nacional. A efeméride marca uma memória histórica e um alicerce crucial para se repensar a Cultura Nacional e a conservação dessa Paz nas consciências angolanas. Nenhum povo pode se excluir da sua filosofia imortal (cultura) ou perder a sua identidade cultural ainda que o mundo lhe exija diariamente nossas formas de ser. Aliás, a luta pela Independência, em Angola, teve, como um dos seus objectivos, a afirmação de uma cultura própria, uma cultura cuja essência vital esteve enraizada na busca pela cultura de pertença. Esse foi o sonho de líderes africanos, opondo-se às ideologias coloniais cujo objectivo destes era o de apagar as culturas nacionais ligadas aos costumes e aos hábitos da terra.
Apedra continua “no meio do caminho”? A cultura é sempre uma “construção humana”, se assim podemos dizer. Por isso, para os fazedores de artes, sobretudos os escritores, essa definição era bem patente nos seus escritos, na luta pelas independências. Assim, a literatura torna-se uma estrutura identitária a partir do momento em que os escritores, nos seus escritos, trazem temas que cantam e evocam a edificação das suas próprias Pátrias, fomentando neles, ciclicamente, a consciência cultural e humanitária, tendo como suas chaves o reconhecimento das Línguas Nacionais em oposição à política cultural do colono.
Esse sonho foi alcançado em 1975, no caso de Angola, com a Proclamação da Independência Nacional. Infelizmente, enquanto se arrumava o quarto (o país) para se repor as energias perdidas na luta pela conquista do “Havemos de Voltar”, onde se procurava buscar uma angolanidade própria - nascia a Guerra Civil que deixou inúmeras sequelas nas almas dos angolanos. Percebe-se, logo, que a pedra continua “no meio do caminho”, porque a lógica da defesa cultural e da efectivação da paz estava corrompida. Mas esta Paz foi reconquistada com o cessar das armas, em 2002. Com a retomada da Paz que havia sido perdida em 75, Angola entra na construção dum país novo, exaltando também as memórias culturais que andaram quase adormecidas principalmente na Época Colonial. Apesar da conquista da Paz, diga-se a bem da verdade, que há ainda consciências por (re) construir. A consciência da afirmação de uma identidade nacional, a consciência do humanismo, a consciência da solidariedade ao próximo, a consciência da desigualdade social, a consciência da miséria (material e espiritual), a consciência do abuso do poder e a consciência da Consciência. A consciência da Consciência é saber que a cultura é sempre uma diferença entre o mundo do outro e o meu mundo. A consciência da Consciência é a percepção das vivências, dos sonhos, das lutas e dos valores sociais e culturais de um povo, constituindo-se, assim, na vanguarda da identidade cultural.
Não podemos deixar de afirmar que, na actualidade, há uma certa nódoa de rejeição desses valores. Diz o escritor português José Saramago, num dos seus discursos nobres, que “alguém não anda a cumprir o seu dever”.
Também diríamos que alguém não anda a cumprir a sua cultura. Não anda a cumpri-la, porque viola as suas próprias origens, em algumas vezes, com indícios de rejeitá-las ou incinerá-las em prol de uma cultura alheia.
Não se pode nacionalizar a cultura do outro sem se perceber primeiro a cultura local. O objecto da consciência nacional é a cultura. Por isso, a Paz deve ser o verdadeiro caminho para a conservação da nossa identidade, passando pelos hábitos, costumes e modus vivendi. Sabendo
que a cultura está fundamentada nos princípios que constroem o próprio ser humano, podemos arriscar no argumento de que é Cultura Nacional tudo àquilo que remete o ser humano ao seu mundo étnico-cultural como a língua, os símbolos nacionais, a dança, as canções, o humanismo, a solidariedade, as vivências etc. Por isso, com esta Paz que hoje, mais uma vez, se comemora, resta-nos apenas dizer: Deus, conceda-nos uma consciência pura para vitalizarmos e eternizarmos os nossos valores culturais. Só assim podemos manter o verdadeiro sentido da Cultura Nacional e a verdadeira Paz sonhada há séculos.