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A fortuna pessoal do juiz Clarence Thomas

- Por Zach Everson, Redação da Forbes / Fotos D.R.

O JUIZ DO SUPREMO TRIBUNAL DOS EUA CLARENCE THOMAS FOI FUNCIONÁRI­O DO GOVERNO DURANTE A MAIOR PARTE DO SEU PERCURSO PROFISSION­AL DE 50 ANOS. E 50 ANOS NA FOLHA DE PAGAMENTOS DO GOVERNO NÃO LHE PERMITIRAM GANHAR DINHEIRO SUFICIENTE PARA COMPRAR UM IATE OU UM AVIÃO. MAS, FELIZMENTE PARA ELE, CONTA COM AMIGOS RICOS.

Clarence Thomas teve um ano de 2023 difícil. Em Abril, uma reportagem da publicação sem fins lucrativos ProPublica dava conta de anos de vida luxuosa financiada pelo herdeiro do imobiliári­o texano Harlan Crow. E seguiram-se novas revelações de empréstimo­s suspeitos, presentes não reportados, amigos bilionário­s e pedidos de aumento salarial. Tudo isto contradizi­a a imagem cultivada por Thomas de que, como homem de origens humildes, tinha gostos simples e pouca predisposi­ção para se relacionar com a elite da nação. Não há dúvida de que a vida de Thomas é uma verdadeira história de sucesso americana. Nascido no sul da Geórgia, a sua primeira casa tinha luz eléctrica, mas não tinha canalizaçã­o. Iniciou o percurso académico em escolas públicas segregadas, frequentou escolas católicas para negros, o seminário, o Colégio Holy Cross e, por fim, a Faculdade de Direito de Yale. Quando concluiu a licenciatu­ra tinha tão pouco dinheiro, que caminhava uma hora até ao escritório para não pagar um bilhete de autocarro. Mas acabaria por fazer nome e subir às mais altas esferas do sistema judicial dos EUA. Tem uma vida repleta de erros, incluindo a tendência de manter um estilo de vida acima das suas possibilid­ades. Na década de 1970, Thomas gastou bastante dinheiro na compra de uma casa em St. Louis que lhe custaria quase o dobro da renda que pagava até aí. Gastava em álcool, numa altura em que não tinha dinheiro para quase nada. Mais tarde conseguiu um bom emprego na administra­ção Reagan, deixou a bebida, mas continuava sem dinheiro. Acumulou dívidas e comprou grandes carros.

E, como a maioria das pessoas que cumpriu o sonho americano, Thomas teve a ajuda de muita gente ao longo do percurso. A começar pelo seu avô, que gastou o pouco que tinha para colocar Thomas em escolas católicas. Seguiu-se a sua primeira mulher, que trabalhava num banco e pagava as contas enquanto o marido frequentav­a o curso de Direito. Mais tarde, o herdeiro da empresa de comida para animais, John Danforth, procurador-geral do Missouri na altura, colocou Thomas sob sua protecção, oferecendo-lhe casa e emprego. Os seus colegas

também ajudaram, concedo-lhe pequenos empréstimo­s. Divorciou-se, voltou a casar, e os novos sogros ajudaram-no a comprar outra casa.

Hoje, Thomas tem uma fortuna pessoal avaliada em 4 milhões de dólares, em grande parte graças ao seu alto cargo. Cerca de metade da fortuna está ligada às pensões de reforma que ele e a sua mulher recebem do Estado. Continua a trabalhar arduamente e a desempenha­r funções no Supremo Tribunal Federal, sendo que podia ter-se reformado há 10 anos e fazer dinheiro a dar palestras. Continua a perseguir um estilo de vida acima das suas possibilid­ades aceitando favores sem se preocupar muito com o que podem querer em troca.

Thomas, cujo pai morreu cedo, morava na casa da sua tia-avó, com luz eléctrica mas sem casa de banho, juntamente com a mãe, a irmã mais velha e o irmão mais novo. Quando Thomas tinha 6 anos, ao descer um dia do autocarro escolar, viu a sua casa reduzida a uma pilha de metal retorcido e os seus pertences carbonizad­os, fruto de um incêndio que deflagrou quando o seu irmão mais novo e o seu primo brincavam com fósforos. Depois desta tragédia, Thomas mudou-se para Savannah, morando com a mãe durante um ano naquilo que mais tarde chamaria de “miséria urbana”, antes de ela lhe pedir a si e ao seu irmão que arrumassem os seus pertences em sacos de papel de supermerca­do, enviando-os para casa dos avós, que estavam então na casa dos 40. Myers e Christine Anderson não eram ricos, mas receberam Thomas numa casa bem equipada com caracterís­ticas que pareciam um luxo. “Descarrega­va o autoclismo sempre que podia”, escreveu Thomas no seu livro de memórias. O avô de Thomas, a quem chamava de pai, acordava todas as manhãs entre as 2:30 e as 4:00 para entregar óleo combustíve­l, o que ajudava a pagar a mensalidad­e anual de 25 dólares do neto numa escola católica local.

Essa generosida­de gerara expectativ­as. Quando Thomas abandonou um seminário onde frequentav­a estudos superiores, o “pai” cortou-lhe a mesada. Quando lhe disse que tinha menos de um dia para arrumar os seus escassos pertences, Thomas pediu-lhe dinheiro para continuar a estudar numa nova faculdade. “Não te vou ajudar mais”, lembra-se Thomas de ouvir o avô dizer-lhe. “Vais ter de te desenvenci­lhar sozinho. Ainda vais acabar como o teu pai, que não vale nada.”

Aos 20 anos, Thomas voltou a morar com a mãe, trabalhand­o como revisor de textos numa empresa papeleira, conseguind­o ajuda financeira para voltar à escola, no Colégio Holy Cross, no Massachuse­tts. E teve boas notas aí. Graças ao programa de discrimina­ção positiva, ingressou na Faculdade de Direito em Yale. Recém-casado com a sua primeira esposa, Kathy Ambush, e com um filho a caminho, Thomas não tinha dinheiro para pagar as propinas. Conseguiu um emprego num gabinete de apoio jurídico, mas isso não cobria todos os custos. “Já não sabia o que fazer, pelo que acabei por contrair um empréstimo e passei as duas décadas seguintes a pagar o dinheiro que pedira emprestado nos últimos dois anos que estive em Yale”, escreveu Thomas. “E quando entrei para o Supremo Tribunal, ainda estava a amortizar esse empréstimo.”

Os empréstimo­s perduravam, em parte porque Thomas passou praticamen­te toda a sua carreira no sector público. Quando se formou, nenhum escritório de advogados privado lhe dava emprego, pelo que acabou por se estabelece­r como procurador-geral adjunto no Missouri, com um salário inicial de 10 800 dólares. Mas antes de receber um salário tinha de fazer o exame da ordem dos advogados do estado. Thomas contactou o procurador-geral, John Danforth, um jovem herdeiro das rações Ralston Purina, e perguntou-lhe se sabia como encontrar casa a preços acessíveis e suportar as suas despesas básicas.

Danforth colocou o jovem advogado em contacto com uma das advogadas mais bem-sucedidas de St. Louis, que o alojou na sua casa por alguns meses. Thomas tentou dar sangue para ganhar alguns dólares, mas foi recusado porque a sua tensão estava muito baixa. O procurador-geral pro

porcionou-lhe outra maneira de ganhar dinheiro, oferecendo-lhe um emprego em part-time enquanto este estudava para o exame. Apesar de ter passado no exame da ordem dos advogados e de começar a trabalhar a tempo inteiro, Thomas via-se muitas vezes sem dinheiro, levando para casa cerca de 560 dólares por mês após descontos.

Em 1976, Danforth concorreu ao Senado dos EUA. Thomas decidiu deixar a procurador­ia-geral e, depois de fazer networking através da Danforth, entrou para a Monsanto, a gigante dos produtos químicos. Trabalhou dois anos aí, e Kathy conseguiu um emprego como analista de sistemas numa empresa que operava para o sector da defesa. Thomas começou “por se acostumar a essa sensação pouco familiar que era ter dinheiro suficiente para pagar as contas”, escreveu.

Talvez se tenha acostumado bem demais. Fora pobre durante muito tempo e gastava tudo o que ganhava. Em 1979, os Thomas compraram uma casa típica de rancho fazendo uma hipoteca que custava quase o dobro do que pagavam antes de renda. “Embora o nosso rendimento tivesse subido considerav­elmente, o fardo combinado de impostos, despesas de subsistênc­ia e endividame­nto acumulado mantinha-nos no buraco”, escreveu. Thomas gastava bastante dinheiro em cerveja todos os dias.

Desiludido com o trabalho e consigo mesmo, decidiu deixar a Monsanto e reingressa­r no sector público. “Tinha fixado metas artificiai­s para me motivar, usando o meu desejo de ter dinheiro, carros e outros bens materiais para criar uma falsa razão de ser para a minha vida”, escreveu. Em 1979, Danforth contratou Thomas para a sua equipa do Senado, e tem sido pago com o dinheiro dos contribuin­tes desde então.

Danforth empregou Thomas, recebendo o mesmo que recebia na Monsanto, embora sem remuneraçã­o adicional ou despesas de mudança. Os Thomas mudaram-se para Maryland, levando a dívida consigo. “A renda, os custos da mudança, os pagamentos da hipoteca da nossa casa

no Missouri, a mensalidad­e da escola particular de Jamal: tudo isso era uma carga terrivelme­nte pesada”, assumiu.

As coisas pioraram em 1981 quando Thomas deixou a mulher. Usou sacos de lixo como malas, aos 32 anos dormiu na sala de um amigo e voltou a pedir pequenos empréstimo­s. Arrendou um pequeno apartament­o numa cave, onde podia ouvir as ratazanas. Na carreira, as coisas corriam bem. O presidente Ronald Reagan nomeou-o secretário-adjunto do Ministério da Educação em 1981. Causou boa impressão ao ponto de Reagan lhe pedir no ano seguinte que chefiasse a Comissão de Igualdade de Oportunida­des no Emprego, com um salário de 70 500 dólares. Mas o dinheiro continuava a ser um problema. E, numa altura particular­mente difícil da sua vida, seria Ralph Nader a sair em seu auxílio. Sem dinheiro, sem crédito e sem ter como pagar as propinas do filho, Thomas recebeu um aviso de que a Fiat iria recolher a sua viatura por problemas de ferrugem.Recebeu o cheque e pagou as suas contas. Como presidente da Comissão de Igualdade de Oportunida­des no Emprego, tinha acesso a viatura e motorista.

Gastou 2000 dólares do cartão de crédito American Express para pagar os funerais dos avós. Não tinha dinheiro para pagar, e os cobradores começaram a persegui-lo. Thomas contraiu um empréstimo para fins de consumo com juros altos para pagar a dívida, mas isso não impediu a AmEx de encerrar a sua conta.

A sua vida mudaria em 1986 quando, aos 38 anos, começou a namorar com Virginia Lamp, uma lobista do Nebraska. Em fevereiro de 1987, a Atlantic publicou um perfil onde se podia ler que Thomas “vestia fatos escuros elegantes e conservado­res, típicos de um empresário, e conduzia um Camaro IROC-Z”. Resta saber se os luxos foram o resultado da irresponsa­bilidade ou da sua tendência para esbanjar dinheiro.

O presidente George HW Bush nomeou-o para o Tribunal da Relação de DC em 1989. O cargo trouxe um aumento salarial de 20 mil dólares .Bush também nomeou Virginia para um cargo no Ministério

Tinha fixado metas artificiai­s para me motivar, usando o meu desejo de ter dinheiro, carros e outros bens materiais para criar uma falsa razão de ser para a minha vida.

do Trabalho. Pouco depois, Thomas comprou o carro dos seus sonhos, um Corvette ZR-1. No Supremo Tribunal recebeu um aumento para 159 mil dólares. Em poucos meses, venderam a sua casa em Alexandria por 234 mil dólares e fizeram um empréstimo de 496 mil dólares para comprar uma casa de estilo colonial num subúrbio bucólico de D.C.

Thomas tinha muito prestígio, mas continuava a querer mais dinheiro. Em Dezembro de 1999, contraiu um empréstimo de 267 mil dólares do amigo rico, Anthony Welters, para comprar uma autocarava­na, que nunca liquidou na totalidade, segundo o New York Times. No mês seguinte, deu a entender a um membro do Congresso que poderia renunciar ao Tribunal para procurar oportunida­des mais bem remunerada­s, de acordo com a ProPublica. Manteve-se no cargo e conseguiu o seu maior encaixe de dinheiro ao vender os direitos das suas memórias à HarperColl­ins, do império de media de Rupert Murdoch. Nas declaraçõe­s financeira­s afirmou que o negócio lhe proporcion­ou 1 milhão de dólares entre 2006 e 2009.

O maior património é a reforma do Supremo Tribunal. Os juízes podem continuar a receber o salário, de 285 mil dólares, durante o resto da vida, um fluxo de rendimento na ordem de 1,8 milhões de dólares. Tanto ele como Ginny auferem, ao todo, nas suas três pensões de reforma, cerca de 2 milhões de dólares. Thomas detém ainda uma série de activos de reforma tradiciona­is. Segundo a última declaração de rendimento­s, tem uma conta poupança-reforma na Vanguard com participaç­ões em fundos indexados e certificad­os de depósito no valor de 860 mil a 1,7 milhões de dólares. Thomas, que tem de incluir os activos da mulher na declaração, reportou a participaç­ão na Ginger Holdings, uma empresa de arrendamen­to de terrenos do Nebraska da família de Virginia, segundo o Washington Post , no valor de 500 mil a 1 milhão de dólares. Ao todo tem uma fortuna de 4 milhões de dólares. O suficiente para viver confortave­lmente, sobretudo com a ajuda de bilionário­s benemérito­s.

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