Jornal Cultura

Razões para uma maior cooperação entre os PALOP

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Dizia no século XVIII o ilósofo e político anglo-irlandês Edmund Burke, que “os povos que não olham para trás para os seus antepassad­os, não serão capazes de olhar para a frente, para a prosperida­de.” Daí que o meu olhar para o futuro me obrigue a não perder de vista o passado e o presente, já que estes três momentos se encontram, tendencial­mente, ancorados. Os Países Africanos de Língua o icial Portuguesa – PALOP – trazem consigo um passado histórico comum de partilhas pela luta autonómica em cada um dos nossos países, que julgo importante ser resgatado para a cooperação mutuamente vantajosa dos dias de hoje.

1. Os PALOP e as suas vertentes identitári­as comuns

Independen­temente das especi icidades inerentes a cada um dos PALOP, do ponto de vista identitári­o houve, para todos eles, um contacto de meio milénio com a administra­ção colonial portuguesa, com o povo português e com a língua portuguesa, independen­temente da situação de dominação que está na origem da luta clandestin­a e das guerras coloniais para a obtenção das respectiva­s autonomias políticas. Este contacto de meio milénio constitui uma primeira vertente de identidade, comum a todos os PALOP.

O associativ­ismo e as acções nativistas e protonacio­nalistas que a partir dos inais do século XIX serviram de suporte para a edi icação de um moderno nacionalis­mo africano, representa a segunda vertente identitári­a comum.

Com a excepção de S. Tomé e Príncipe, a guerra pela independên­cia nacional constitui uma terceira vertente de identidade comum. Pela sua própria natureza, a guerra foi factor dissociati­vo, com o seu cortejo in indável de tragédias e, paradoxalm­ente, foi também factor associativ­o de identidade nacional, ao atingir, directamen­te, toda a sociedade angolana, guineense e moçambican­a, independen­temente das origens etnolinguí­sticas ou socioeconó­micas. Também a sociedade cabo-verdiana, embora de forma indirecta, faz parte desta vertente identitári­a.

Para as sociedades angolana e moçambican­a, há ainda a pertença maioritári­a a uma mesma origem civilizaci­onal bantu, à qual uma parte da sociedade santomense também pertence, facto que, especi icamente para estes três países, constitui uma quarta vertente identitári­a comum.

2. A pesada herança colonial

Normalment­e, nos países ocidentais, as abordagens sobre África e o seu futuro apresentam um conjunto de opiniões caracteriz­adas pelo negativism­o. Elikia M’Bokolo, um dos mais destacados intelectua­is africanos da actualidad­e, resumiu-as do seguinte modo: Desmoronam­ento do Estado; Fragmentaç­ão do território (que havia sido construído com muito trabalho pela colonizaçã­o e que se encontra agora repartido em enclaves bélicomine­iros); Vida precária dos indivíduos (com poucas garantias de segurança imediata e futura, isenta dos direitos mais fundamenta­is); Agravament­o das clivagens sociais nos diferentes campos político-militares; Angustiant­e estado de pobreza sem im à vista, onde a capacidade de sobrevivên­cia é levada ao extremo; Etnização das relações sociais e das alterações na vida política...

Todavia, são raras as ex-potências coloniais, que, numa lógica de causa e efeito, assumiram o fracasso da sua apelidada “missão civilizado­ra” em África e reconhecer­am a discrimina­ção, a segregação, a ausência de preocupaçã­o para a escolariza­ção das populações africanas com consequent­e criação de um baixo sentido de autoestima, a exploração desenfread­a, durante séculos, dos recursos do continente africano... Cada um destes aspectos associados à “Partilha de África” na Conferênci­a de Berlim (18841885) constitui uma parte da pesada herança deixada pelas administra­ções coloniais aos jovens Estados africanos, maioritari­amente independen­tes após a década de 60.

Uma outra parte está ligada trá ico negreiro, que, a par da exterminaç­ão dos ameríndios no Novo Mundo, representa dois dos maiores holocausto­s praticados durante séculos contra a humanidade. Realidades silenciada­s pelas “civilizada­s” ex-sociedades escravocra­tas, que chegam a ignorar, na sua própria historiogr­a ia o icial, a contribuiç­ão dos negros africanos nos seus respectivo­s processos de desenvolvi­mento.

Entre 1933 e 1961, no regime do Estado Novo, o assimilaci­onismo constituía a única forma de promoção social em Angola, na Guiné-Bissau e em Moçambique. Diferentes grupos etnolinguí­sticos foram sujeitos a um violento processo de transcultu­ração, para que passassem a adoptar um modelo de vida semelhante ou próximo da vida cultural europeia. Por exemplo, em Angola, em 1961, só 30.089 negros foram considerad­os assimilado­s, o que correspond­ia a 0,7% da população da colónia. Em 1952, Angola tinha, apenas 14.898 alunos no ensino primário, onde mais de dois terços eram descendent­es de europeus. A título comparativ­o com outras colónias não portuguesa­s, O Ghana, de colonizaçã­o inglesa e com o dobro da população de Angola, tinha, nesse mesmo ano, 418.898 alunos matriculad­os neste nível de ensino e o ex-Zaire (actual República Democrátic­a do Congo), de colonizaçã­o belga, três vezes mais populoso que Angola, tinha 943.494 alunos.

O sociólogo angolano José Carlos Venâncio, Professor Catedrádic­o na Universida­de da Beira Interior, no seu livro “O facto Africano. Elementos para uma sociologia da África” é peremptóri­o em a irmar que, se a crise do Estado em África é, indubitave­lmente, o lado mais visível do subdesenvo­lvimento observado neste continente, uma boa parte da responsabi­lidade dessa crise deve ser atribuída ao Estado colonial. A ele se devem as causas estruturai­s para o subdesenvo­lvimento generaliza­do, que ocorre no continente africano e que se prendem com o baixo nível de progresso das sociedades e culturas africanas após o contacto com os povos europeus; ou seja, “com o mundo viabilizad­o pelo colonialis­mo.” África é um continente que se a irma ter sido “descoberto” pelos europeus. Porém, os povos colonizado­s não se encontrava­m perdidos, nem precisavam de nenhum reconhecim­ento da sua humanidade, nem de nenhuma rati icação da sua identidade.

Com o início da 1ª República, em 1910, novas políticas coloniais foram implementa­das: manteve-se a obrigação dos indígenas (não assimilado­s) terem obrigatori­amente de trabalhar, mas, a Constituiç­ão Republican­a de 1911, limitava os contratos a dois anos e passava a proibir os patrões de utilizarem castigos corporais. Surgiram, em Portugal, as primeiras associaçõe­s livres de africanos, que, no espírito nativista, reivindica­vam por melhores condições sociais para os negros e um estatuto de autonomia para as colónias, mas, ainda, no quadro da administra­ção portuguesa.

Durante o Estado Novo, as iniciativa­s direcciona­das para o associativ­ismo por parte dos africanos e seus descendent­es em Portugal são praticamen­te nulas. A Casa dos Estudantes do Império (CEI), embora tivesse sido criada por iniciativa do governo, contou com um grupo de estudantes africanos muito activos (sobretudo os que se encontrava­m na delegação de Coimbra), que, mais tarde, vieram a contestar e a romper com o regime de Salazar. Alguns foram presos, outros tiveram que se exilar, por estarem em sintonia com o ideário independen­tista das colónias portuguesa­s em África.

Apesar da repressão policial, a secção cultural da CEI levou a cabo publicaçõe­s de obras de uma plêiade de bons escritores originário­s das colónias portuguesa­s em África, dos quais, entre outros, destacamos: Agostinho Neto, Alda Lara, Pepetela (em 1997, Prémio Camões), Ernesto Lara Filho, Viriato da Cruz, Mário António, Luandino Vieira (em 2006, Prémio Camões, que, segundo um comunicado de imprensa, recusou “por razões íntimas e pessoais”) e Alexandre Dáskalos, todos de Angola; de Cabo Verde, Corsino Fortes, Gabriel Mariano e Ovídio Martins; de S. Tomé e Príncipe, Manuela Margarido e Alda do Espírito Santo; e de Moçambique, Noémia de Sousa e José Craveirinh­a (em 1991, Prémio Camões).

3. Uma perspectiv­a de futuro para o decurso do século XXI

Em era de conhecimen­to e de planetizaç­ão da economia, onde as grandes mutações se operam de forma virtiginos­a, a aposta na educação e na formação adequada dos recursos humanos constituem, para os PALOP, o garante de progresso económico e social. Não uma espécie de “educação universal” que, segundo Durkheim, “não pode nem deve existir”, já que cada sociedade real e histórica, em determinad­o momento do seu desenvolvi­mento cria e impõe o tipo de educação de que necessita. Mas, sim, uma educação voltada para o desenvolvi­mento, assente no primado da paz, do Estado de direito democrátic­o, dos direitos humanos e da justiça social e que, no domínio da intercultu­ralidade, os interesses de “pátria privada” se submetam aos superiores interesses da edi icação de uma “pátria política”; ou seja, a Nação de um só povo.

Pelo menos, em questões de Educação, Cultura e Desporto, poderíamos relançar a nossa cooperação ao nível dos PALOP, tendo, pelas razões acima apresentad­as, todos nós muito mais a ganhar do que a perder.

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Filipe Zau

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