Jornal Cultura

Cantar o rio e a poeira

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“Acho que deveríamos acompanhar mais a música sulafrican­a para podermos aprender com eles.

J.C – A tchianda, mais do que dança e música, é parte da sua construção como individuo.

G.T - Eu lembro quando os Moyowenos lançaram o Namuleleno era uma oportunida­de para que nós pudéssemos torná-la também um estilo cartaz aqui no país. Se calhar essa oportunida­de passou-nos entre os dedos. Não fomos capazes de assumila como uma grande proposta nacional. Mas a música deve luir naturalmen­te. Essa coisa de “tenho que fazer aquilo porque é o que está a bater” não tem ajudado muito. Eu penso que a criação e a inclinação são processos naturais. Tudo passa pela nossa vivência anterior: a nossa infância. Por exemplo, quem andou nos bairros, viveu nas sanzalas, sabe que não é possível cantar sem buscar o folclore. Sem cantar o rio ou a poeira ou outros elementos ligados à vida profunda do campo. Na tchianda tudo isso vem ao reboque. Não imagino uma música sem encarnar tudo aquilo que passei e sou, desde a sanzala à cidade.

J.C – Percebemo-lo também por produzir uma proposta musical angolana na vanguarda das novíssimas vozes da música africana.

G. T - Eu gosto de ouvir tudo que é bem conseguido. Eu oiço desde o kuduro ao roque, desde que seja bem elaborado para que eu consiga tirar algum ensinament­o.

Mas in luências mesmo, eu gosto de ouvir as novíssimas vozes da vanguarda musical africana, como são os casos de Richard Bona, que considero um mestre na harmonizaç­ão da música africana, Lokua Kanza, Salif Keita, a forma do canto educado dos clássicos

americanos, jazz, blues, soul, muita da boa música sul-africana. Acho que deveríamos acompanhar mais a música sul-africana para podermos aprender com eles. Não oiço nada que ira o meu ouvido. Sou severo nisso. É preciso fazer a nossa própria música com muito cuidado e qualidade. Quando os parâmetros internacio­nais não são respeitado­s, então o ouvido mais re inado não ouve esse tipo de música. Isso também porque musicalmen­te não nos diz nada. A qualidade será a nossa arma para podermos impor a nossa essência e ser bem ouvidos e seguidos por outras pessoas do mercado internacio­nal.

J.C. – É claro que nem todos terão lucidez cultural su iciente para não se perderem nas incaracter­ísticas do período pós-modernista. Como nos defendermo­s ou atacamos, até mesmo de nós?

G. T. – É sempre necessário que, ao fazermos um disco, tenhamos algum elemento da nossa tradição, mesmo que seja ín imo. Como é possível cantar coisas que não vivemos e não vimos? Será que se consegue trazer noutra língua tudo aquilo que a infância deu? Às vezes é um pouco complicado falar disso, mas não é bom esquecermo-nos de nós. Uma vez, há três anos, fomos ao Festival de Música Africana no Congo Democrátic­o, e icámos à espera de ouvir uma música angolana ou dos PALOP ou de outros mapas. Mas não vimos nem ouvimos nada que se parecesse. Eram 24 sobre 24 horas de música congolesa. E pensamos: será que eles estarão errados ao se comportare­m assim? Não será uma forma de se defenderem e poderem educar a sua juventude e as próximas gerações e chamar atenção para o que é autóctone o que é deles? Eu penso que, antes de fazer alguma coisa, devemos sempre olhar para nós; para aquilo que nos representa de facto. Eu me sinto muito feliz por já haver jovens cantores a terem consciênci­a da música africana, como é o exemplo da recomendáv­el voz de Ndaka Yo Wiñi.

Eu penso que a nossa defesa depende muito da forma como cada um recebe a informação do exterior. Porque eu penso que os media trazem tudo e nós temos que ter a capacidade de integrarmo­s na nossa realidade apenas aquilo que achamos favorável. De facto não há uma regra, mas acho que os mais jovens têm alguma di iculdade em entender este fenómeno. Dentro daquilo que faço, fusão sim, mas sem macular a raiz.

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