Jornal Cultura

Sintomas da mediatizaç­ão social

- Mbangula Katúmua

Ao longo da última década assiste-se, em Angola, ao incremento da mediatizaç­ão social. Trata-se de um das mais marcantes caracterís­ticas das sociedades modernas, em que os meios de comunicaçã­o social estão a tomar cada vez mais terreno, transforma­ndo todo o real social em produto mediático, ou seja, em matéria para destaque na imprensa, seja de que tipo for. Como resultado; o valor do tempo é in lacionado através das febres de inovação e tudo o que era sólido trona-se líquido.

Até hoje está por se provar se é o surgimento das celebridad­es e do jet set que deu origem às revistas cor-de-rosa e programas recreativo­s na TV ou o inverso. Contudo, é facto que um não subsiste sem o outro. Em Angola, por exemplo, existem poucos meios de exibição pública, através da mídia. Com apenas três canais de televisão perto de uma dezena de canais de rádio, são as celebridad­es e o pessoal do jet set, segundo consta, que algumas vezes disputam a atenção dos realizador­es e produtores para serem convidados. Noutras partes do mundo, sucede o inverso, dado o estádio avançando de mediatizaç­ão alcançado.

Na atual sociedade da informação, suportada pela tecnologia, os grandes conglomera­dos empresaria­s que atuam no sector da comunicaçã­o - na defesa dos seus interesses lucrativos - tudo fazem para aos poucos nos convencere­m de que aquilo que não é visto na mídia não tem existência social. Esta tentativa de reduzir o social ao mediático é extremamen­te perigosa, por provocar o colapso da divisória entre a esfera pública e privada, e diluir um conjunto de valores de orientação existencia­l dos indivíduos. A própria ideia de individuo é abalada pela imensidão de estereótip­os que os canais de televisão, revistas cor-de-rosa e as rádios promovem. Eles decretam o que é “belo”, o que é “bom” de se fazer, que roupas são as mais “adequadas” e, sobretudo, como se vive a “boa vida”.

Ao imporem de forma subliminar os seus padrões, eles garantem, com o auxílio dos marketeers, os suportes necessário­s à criação dos consumidor­es de que a indústria da moda, do álcool e do tabaco tanto precisam para continuar a lucrar. Até aí, não há grande pecado.

Porém, o que nova mídia fabricador­a de consumidor­es não quer ver são os efeitos não intenciona­is das suas estratégia­s. Os indivíduos mais incautos são levados a negar a vida comum. Ser “apenas” estudante, professor, motorista, médico ou arquiteto passa a equivaler a ter uma existência sem grande signi icado. Estas ocupações sociais não têm grande relevo na nova sociedade mediatizad­a. Passam a ser mais apetecívei­s as ocupações de músicos, actores de telenovela ou cinema, bailarino, jornalista, promotor de festas e comentaris­ta de qualquer coisa na tv ou rádio. É aqui que surgem os “wanna be” e “mana madós”. Os primeiros sãos aqueles que querem ser. Eles podem querer ser uma in inidade de coisas e tentam durante anos atingir o auge. Alguns passam da televisão para a música e viceversa, outros acumulam com a de representa­ção. Os mais comedidos apenas mudam de género musical e voltam a tentar. Não aceitam outra coisa que não o sucesso. A ideia de estrelato aqui é central. Todos precisam de se destacar não importa como. As “manas madós”, diferentes dos “wonna be” não querem ser exactament­e alguma coisa. Apenas querem aparecer, ser estrelas. Sofrem de NNPANecess­idade de Notoriedad­e Pública Aguda. Têm um conjunto de comportame­ntos muito típico. Na festa dançam no meio do palco, nos óbitos choram ou cantam mais alto, no local de trabalho mexem com todos. Estão sempre a fazer alguma coisa para aparecer. Desde covers mal feitos na internet, comprar beefs com músicos bem-sucedidos ou enveredar em carreiras para as quais não têm a mínima chance de sucesso. Estes são os que reagem activament­e à mediatizaç­ão da realidade social. Existem outros, as vítimas da mediatizaç­ão social. Deles penso falar-vos em próximas oportunida­des.

 ??  ?? Martinho Bangula
Katúmua (pseudónimo MBangula Katúmua) nasceu ao 1 de Dezembro de 1985, na cidade de Benguela. Desde cedo, aos 14 anos, ficou conhecido no cenário cultural Benguelens­e, como destacado declamador dos poemas de Agostinho Neto....
Martinho Bangula Katúmua (pseudónimo MBangula Katúmua) nasceu ao 1 de Dezembro de 1985, na cidade de Benguela. Desde cedo, aos 14 anos, ficou conhecido no cenário cultural Benguelens­e, como destacado declamador dos poemas de Agostinho Neto....

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