Jornal Cultura

Derrisão cultural

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1Nos dias que correm, salvas raras excepções, assistese a uma gritante falta de criativida­de no mundo da Cultura angolana, principalm­ente no seio dos novos autores. Esta constataçã­o é abrangente aos géneros e modalidade­s das Artes que se a irmam através de um registo ísico perene: música, literatura e pintura e é um fenómeno resultante do desconheci­mento do desa io da criação artística que é o desa io MORAL. Sem uma consciênci­a ética elevada, ninguém se pode a irmar como artista verdadeiro à face da Terra. A falta dessa determinaç­ão ética enferma a cultura angolana de uma doença que, se não for curada a tempo, tornarse-á crónica, pois os sintomas de usurpação, falsi icação e pirataria apontam já para um quadro clínico de derrisão.

2Há muito tempo que virou moda o público aplaudir o lançamento de discos inteiramen­te plagiados de músicos internacio­nais e até angolanos, assim como virou uso de gente sem imaginação desintegra­r textualmen­te ou traduzir obras literárias como sendo originais, e pintores nos impingirem texturas óvnicas multiplica­das até ao in inito, sob a capa de pintura moderna. Chegou-se ao ponto de se apresentar um manual intitulado “O Inglês sem Mestre”, como sendo da autoria de um escritor.

Parece que nestes tempos que correm até a Cultura se deixou invadir pela lei do mercantili­smo mais rapace, onde o narcisismo exagerado e o culto da auto-promoção através dos média é o mote de inidor dos comportame­ntos. Como se lê quase nada, nós, os escritores, existimos porque os média assim nos de inem. Não há análise demorada de livros, ninguém se detém sobre as palavras paralelas e as acções que os autores pronunciam e executam e é assim que se criam mitos enrolados no culto da personalid­ade. Ó humildade dos grandes poetas, onde é que andas?

Na semana em que decorria a primeira Feira do livro da CPLP, aconteceu um facto inédito na história da UEA: apresenta-se a obra “Contingênc­ia: afectos, revoltas e ternura” como sendo de um autor, no caso Akiz Neto, e quem autografa o mesmo é o verdadeiro autor, o poeta Jofre Rocha. Uma colectânea de poemas pode, sim, ter um prefácio e ter origem numa selecção de outro autor, mas este outro autor não é o escritor original e portanto o seu nome não pode vir no topo da capa. Tem de estar inscrito no interior, como autor do prefácio e da selecção dos textos. Também o seu nome não pode constar das páginas interiores, sobreposto a cada poema. Isso representa o desprezo pelo trabalho árduo do verdadeiro autor. E quando damos palmadas nas costas e trocamos sorrisos na hora dos lançamento­s é a derrisão completa.

3Para estorvar a continuida­de destes ensaios de pirataria descarada, em todos os domínios da Cultura Nacional, as associaçõe­s culturais (UEA, UNAP, UNAC) em conjunto com a SADIA (Sociedade Angolana dos Direitos de Autor) precisam de se sentar e criar mecanismos de defesa do produto cultural original, seja ele nacional ou estrangeir­o.

Não podemos continuar cantando e rindo e assistindo à queda do muro intranspon­ível da ética e da moral no ventre fértil da Cultura, parideira de valores universais.

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José Luís Mendonça

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