Jornal Cultura

TRAGÉDIA TCHOKWE NO FORMATO DOS AUTOS DE NATAL

Sangwangon­goYafina

- Kixixi hatchikúka wóma hiwéza (Okixixitem­acabeçapar­abaixoomed­ochegou!)

Canto I

(Eu sei mãe, quem outra senão tu cobriu de estrelas a manjedoura?)

Canto II

Canto III Venham todos ouvir os prodígios chegados dos mares pela boca velha do viajante que transpôs tundavalas e espinheira­s passo a passo um rio sem canoa nem ponte sem escravo que conte o tempo nem muralha que meta medo venham todos ouvir. Canta o grilo vermelho e seu canto ondula pela distância - tão leve a brisa que espalhou a farinha reservada ao pirão da criança - que som alado alegra o coração dos que esperam o ilho perdido vendido e condenado a abrir um rio caudaloso a cada passo rumo ao lar o ilho que deixou na estrada tudo o que levava nas mãos ensanguent­adas na sacola de inhada na boca lacrada e cada dia que passa é mais pesado que a noite mais sombrio que a servidão porque não consegue largar as mágoas que sufocam o coração mesmo quando canta o grilo vermelho. Morrer é deixar todas as coisas para trás nascer é encontrá-las nas estradas arruinadas em cada rio sem ponte em cada casa assombrada. Se morre a mukúla na colina do Bindo logo nasce a mwanza dos ninhos o pé de bordão maruvo verdejam as folhas da mandioquei­ra quando a lua espalha prata nas lavras do Seke. Nascer é encontrar morrer é deixar tudo para trás.

(Eu sei mãe, o ilho que deste ao mundo é a tua máxima dor)

(Eu sei mãe, enganaste a vida para salvar os sonhos)

(Eu sei mãe, sem ti ninguém salvava o mundo)

Canto V

Canto IV A cria da gunga chorou e seu choro matou a mãe porque por trás da a lição estava o arco do caçador. A vida ainda não se pôs, o grilo vermelho tem terra fresca à porta de sua casa nada está perdido nem a esperança nem o banquete do grande dia para agasalhar os pródigos ilhos da terra a panela renova o pirão que dorme há tantos anos na cozinha kuhíkulula xima só a velhice é de initivamen­te sábia o caçador aprendeu e o choro da cria matou a gunga. O viajante falou dos segredos guardados no fundo do mar e perante gritos de espanto e lamentos lúgubres chegou mascarado o que come vidas só os velhos mais velhos sabem esconjurar tanto perigo e o estranho homem que cria um rio a cada passo que dá pagou o tchiwimbi na noite soou ténue o canto do kixixi e o viajante continuou a falar dos segredos do mar.

(Eu sei mãe, é tão fria a ausência dos mortos!)

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