Jornal Cultura

Confissão de um aspirante a escritor

- José Luís Mendonça

I. Ainda não sou escritor. Até hoje, ainda estou a escrever o LIVRO que a Literatura de Angola exige de mim, ou que eu próprio me exijo escrever. No rumo da nova POESIA que se produz em Angola desde o pósindepen­dência, procedi, muito simplesmen­te, a alguns exercícios experiment­ais. Até ao ano 2012, vivi dominado pelo espírito da incerteza, como tão bem me quali icou Luís Kandjimbo a propósito da geração dos anos 80.

Acima de tudo tenha consciênci­a de que ainda me falta recuperar, neste tempo de plena a irmação, o legado dos precursore­s, do Movimento dos Novos Intelectua­is, do slogan Vamos Descobrir Angola, o legado que nos deixou a geração da revista Mensagem (1950-1953) para quem “A nova poesia de Angola teria de encarar o ritmoemoçã­o caracterís­tico do homem africano; ritmoemoçã­o esse que lhe era transmitid­o pela própria natureza em que ele se integrava e com quem vivia em contacto directo e em plena comunhão.” Ou o trabalho de Langston Hughes, cuja poesia era destinada especialme­nte à classe de pessoas simples, à massa negra, com quem conviveu lado a lado na sua infância e juventude e fomentou o vigor da sua criação poética. Ou a proposta de Arlindo Barbeitos que tentou, como ele próprio diz, “criar uma poesia que tende à harmonizaç­ão, no sentido de um terminar da alienação, embora se saiba que é quase impossível. Mas esta é a esperança.”

Nesta qualidade de aspirante a escritor, decidi assumir o desa io particular que a criação literária me coloca, e que se sublima na visão literária de Agostinho Neto, quando disse: “Criar a literatura escrita em África é diferente de realizar o mesmo na Ásia ou noutro Continente.”

II. Na minha pro issão de marceneiro da palavra, uso a matéria-prima da boca do povo e vou suando o espírito como quem prega pregos e encaixa os entalhes da madeira torneada para construir uma cadeira verbal.

Às vezes reúno derivados do petróleo e tempero em moldes de aço alguns objectos de uso quotidiano. O meu leitor há-de poder sentar-se numa cadeira feita de palavras espessas como a madeira ou o plástico e sentir essa cadeira como uma coisa útil ao seu espírito. O meu leitor, você, há-de poder encher de frutos e sonhos essas bacias de plástico ou viajar no cosmos nesses engenhos de metal que manufactur­o.

Todos os dias, abro as portas e entro nessa o icina de SOLIDÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO a colectar, selecciona­r, arrumar e organizar as conversas que tenho com o sol, as nuvens, as almas, com o trá ico citadino, as formigas, os comboios, a água, os aviões, as andorinhas, os automóveis, os cães de olhar candengue, as garinas que iluminam a manhã, as crianças que beijam os espíritos invisíveis, os homens que vencem a dor com um pouco da noite escondida nos olhos, as quitandeir­as que molham o horizonte com o seu pregão dinâmico e as brutas construçõe­s iligrânica­s de cimento armado que despontam na cidade.

III. Neste caminho em construção, defendo a liberdade de vir a ser o que ainda não sou. Eu, a quem já me atribuíram alguns, não acredito na legitimaçã­o através dos prémios literários. Também não acredito que, em 38 anos de independên­cia, o sistema de Ensino em Angola tenha produzido a massa crítica su iciente e competente (devido à perda do hábito e à preguiça da leitura) para aferir sobre os livros que se produziram neste período.

Daí que me atribuo a função de auto-crítico. No exercício desta função, me vejo como simples aspirante a escritor. O meu tempo de ser poeta ainda não é este. Faço meus estes versos do poeta António Ramos Rosa: " Alguns dizem que eu escrevo de mais/ como se tivesse escrito alguma coisa/ Não, todas as minhas inscrições foram acenos/ a algo que nunca atingi/ e que era a única coisa que eu desejava dizer".

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