Jornal Cultura

Viver à sombra dos holofotes

- Mbangula Katúmua

omo havia dito no texto anterior, ao impor os seus padrões sobre o que é “bom” e o que é “belo”, a nova mídia impõe, na verdade, uma nova forma de viver. Todos aqueles que não estiverem dispostos ou capazes de viver conforme estes ditames arriscam-se a acabar nas sarjetas do anonimato – o pior lugar na sociedade mediatizad­a – onde tudo lhes será negado até mesmo o estatuto de vítima.

Esta sociedade marcada pela televisão e a imprensa cor-de-rosa não admite gente normal. Aliás, ela se rege por outros princípios de “normalidad­e”. Pressupõe que todos possuem um talento inato para vender à sociedade através dos grandes ecrãs e coloridas páginas de revistas. Seja o corpo esculpido de mulher ou o abdómen trabalhado de um rapaz, a voz nem sempre a inada do vocalista, as interpreta­ções de actores de segunda. O individuo precisa dar alguma coisa para que lhe seja conferida a sua identidade mediática. Por isso, desde cedo, convivem com o medo de serem apátridas num mundo onde a cidadania é que cada vez mais líquida e in lacionada pelas tendências da mídia. As meninas receiam ganhar peso, os rapazes a barriga. Mas, no fundo, o que todos receiam é mesmo o anonimato. Porque os comerciais de horário nobre vendem novos conceitos de beleza e modos de vida ideal. Cá para nós, quem não é agenciado pelas grandes agencias de comunicaçã­o, não vai as festas de gente ina, não frequenta os espaços mais badalados, não usa a camisola das grandes marcas, o perfume da que deixa marca no ar, ou não é convidado aos programas de grande audiência nunca foi capa das revistas chiques, esta pessoa simplesmen­te não existe! Este quadro cria um cenário de grande competição, o que é bom, permitindo o surgimento de novos actores na esfera pública. Dos quais já falamos no texto anterior. Mas, existem indivíduos que reagem de modo mais passivo às investidas da nova mídia. Estes são as vítimas do sistema.

Por não conseguire­m ou mesmo rejeitarem por vontade própria viver as suas vidas ao ritmo da nova ordem mediática, estes indivíduos infectam-se com as doenças do anonimato. Passam a ser considerad­os pelos amigos como antiquados e retrógrado­s e, por isso, são excluídos do seu convívio. Experiment­am uma sorte de di iculdades a nível da conjugalid­ade, auto estima e realização pessoal.

Passam a viver na sombra deste mundo de luz e ribalta. Ninguém olha para elas, não por estarem na sombra, mas porque deixaram de ter existência válida. Apenas vale ser músico, actor, estilista, modelo, bailarino, jornalista, comediante ou comentaris­ta. A nova ordem determina que o palco da vida são os ecrãs, as ondas hertzianas e as capas de revistas. Fora deles, apenas existe amargura e degredo. Fora deles abundam os de icientes sociais. Indivíduos incapazes de proporcion­ar entretinim­ento às plateias sedentas e ociosas.

Talvez fosse boa ideia usar a mesma mídia para promover outras formas de existência que não se limitassem aos ecrãs e revistas. É preciso dizer também que há vida na calma dos laboratóri­os de química, nas salas pacatas desenhador­es de projetos ou na correria de um banco de urgências hospitalar­es. De contrário, como disse o músico Yannick Ngombo, daqui a pouco já não teremos mais plateia.

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