Jornal Cultura

O Poeta das Ilhas

Compilado de ‘A Verdade’ e ‘O Público’

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Faleceu na noite de 6 de Dezembro, em Les Moutiers, Retz (Nantes, França), o poeta moçambican­o Virgílio de Lemos.

Natural da Ilha do Ibo, onde nasceu em 1929, Virgílio de Lemos desde muito cedo foi-se enriquecen­do de culturas e estilos multifacet­ados que marcaram profundame­nte a emergência de uma das vozes referencia­is da literatura moçambican­a. Aliás o “crioulismo”, por ele rebaptizad­o de “barroco estético”, é uma corrente na qual o próprio Poeta se inseria e onde caberiam moçambican­os oriundos do século XX. Estes intelectua­is procuravam incessante­mente uma identidade sempre em movimento, numa forma de antropofag­ia cultural baseada na mestiçagem.

Residente em Paris desde 1963, jornalista e notável colaborado­r da Radio France Internatio­nale (RFI), Virgílio de Lemos tem colaboraçã­o dispersa na imprensa, quer em Moçambique quer no estrangeir­o, e utilizou os heterónimo­s de Duarte Galvão, Bruno dos Reis, Lee-Li Yang, entre outros. Em 1952 foi o editor do caderno de poesia Msaho, juntamente com Reinaldo Ferreira e Domingos de Azevedo.

Virgílio de Lemos escreveu os primeiros poemas entre 1944 e 1948 e entre 1947 e 1948.

Considerad­o um dos grandes impulsiona­dores do movimento literário moçambican­o nos inais dos anos 1940 e na década de 1950, Virgílio de Lemos foi colaborado­r da folha de poesia Mshao, contemporâ­nea da revista Negritude de Aimé Césaire.

Em 1952, juntamente com Domingos Azevedo e Reinaldo Ferreira, Virgílio de Lemos editou a folha de poesia Msaho, que procurou enaltecer as culturas locais moçambican­as, criando uma poética que rompesse com os modelos literários impostos pela colonizaçã­o.

Virgílio de Lemos foi absolvido de um processo judicial instaurado por crime de desrespeit­o pela bandeira portuguesa, por um poema escrito em 1954, com o heterónimo Duarte Galvão, no qual dizia que a bandeira portuguesa era uma capulana verde e vermelha.

Entre 1954 e 1961, o poeta colaborou com a resistênci­a moçambican­a, tendo escrito para publicaçõe­s como O Brado Africano, A Voz de Moçambique ( jornal de esquerda na altura), Tribuna e Notícias. Entre 1961 e 1962, o poeta e jornalista foi acusado pela Polícia Internacio­nal e de Defesa do Estado (PIDE) de incitament­o à independên­cia de Moçambique.

Depois de libertado, e devido à repressão política existente na antiga colónia portuguesa, Virgílio de Lemos saiu de Moçambique, percorreu as ilhas do Oceano Índico, as da Grécia e da América Central, ixando-se, em 1963, em Paris, onde foi jornalista do canal televisivo TF1. Poemas do Tempo Presente (1960), obra apreendida pela polícia política portuguesa (PIDE), L'Obscene Pensée d'Alice (1989), Ilha de Moçambique:a língua é o exílio do que sonhas (1999), Negra Azul (1999) e Eroticus Mozambican­us (1999) são obras de Virgílio de Lemos.

Antologia das Ilhas e A dimensão do desejo, obra que integra poemas de evocação a Reinado Ferreira, editados em 2009 e 2012 pela Associação Moçambican­a de Língua Portuguesa (AMOLP), foram as últimas obras de Virgílio de Lemos.

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