A cultura culta e a arte de vanguarda
O inal do século XVIII marcou o im da orientação cultural dos povos – na sua acepção antropológica – conforme cunhada por B. Taylor e C. Lévi-Strauss. Os traços culturais dos povos passaram a estar em todo lado e o seu centro em lugar nenhum. Já não se pode dizer que o centro de produção cultural está localizado na Europa ou nos Estados Unidos. Cidades como Milão, Amesterdão, Paris, Berlim, Londres e Nova Iorque, agora têm de disputar ao lodo de novos players, como São Paulo, Nova Deli, Singapura, Tóquio e Dubai, só para citar algumas, a liderança em termos de tendências nos vários domínios da produção cultural. No processo, alteram-se radicalmente as regras: o esplendor das obras iluministas e da arte barroca é substituído pelo frenesim da cultura pop, movimentos de rap urbano e o estilo de vida à Hollywood. A arte deixa de ser, manifestamente, mais dinâmica, e passa a trabalhar menos os contrastes da vida, mostra menos dramaticidade e encanto e ocupa um lugar periférico na produção cultural. Estas cidades, designadas capitais mundiais da cultura, disputam entre o si o protagonismo mediático na difusão de novos valores que extravasam o domínio da estética e se projectam no plano da harmonização normativa das manifestações culturais. A preocupação em regular e diluir as diferenças culturais resulta, em parte, do fato de vivermos no período de modernidade tardia, onde a mudança é a principal característica e o diferente ser olhado como estranho e um obstáculo ao desenvolvimento. Tudo se (des)organiza em torno de complexos e vertiginosos processos de mudança. Neste contexto o homem, ele mesmo, sujeito e objecto de mudança, não está incólume aos nefastos impactos destes processos liquidi icadores da sociedade. Ele é atingido no seu ponto nevrálgico: a cultura. A cultura vive sitiada pelas investidas do capitalismo que lhe despoja toda a sua essência telúrica e lhe confere um novo rosto mercantilista. Gilles&Serroy (2008), em a Cultura-mundo, apontam o esbatimento das antigas oposições entre economia e quotidiano, mercado e criação, dinheiro e arte como sintomas de uma sociedade desorientada. Entendemos que esta desorientação social tende a (des)organizar-nos em torno da ideia de cultura-mundo. Uma ideia há muito presente na literatura e celebrizada na frase “não sou nem ate- niense, nem grego, mas sim um cidadão do mundo”, de Sócrates. Esta ideia quando levada ao extremo, revela-se perigosa porque reduz a ética à pura subjectividade, na medida em sugere a desterritorialização da cidadania e dissolve qualquer sentido de pertença. Presentemente esta mesma ideia é responsável pelo surgimento de uma espécie de hipercultura onde o real/virtual, marca/arte e cultura comercial/alta cultura se confundem, lançado a sociedade numa contínua busca por um novo ethos globalizador. Esta busca edi ica antagonismos di íceis de se gerir entre o universal e a o particular. Porque para atender às demandas do mercado, que abafa o político e o social, torna-se necessário a padronização não só dos meios de difusão, mas das próprias produções culturais, sem deixar, deste modo, lugar para a “cultura culta” e humanística ou a arte de vanguarda assente na heterogeneidade e, portanto, na originalidade.