Jornal Cultura

Um olhar prévio sobre exposição 10 artistas plásticos angolanos de em Londres

- Norberto Costa

Já ensinava o poeta da “Sagrada esperança”, que a virtude do pensador está na sua capacidade de intervir tanto a nível local, como africano e também universal. “Mutatais mutandis” e para o que nos importa considera hoje, aqui e agora, a virtude do artista angolano patente nesta exposição será de intervir criativame­nte junto do exigente público londrino.

Como é sobejament­e sabido, a arte é o “re lexo iel” da realidade circundant­e. A arte africana não foge ao jogo dessa regra universal, em particular a arte angolana. Até porque a arte re lecte o desenvolvi­mento de uma determinad­a comunidade (clã, etnia, povo ou nação). Em virtude disso, a arte angolana sempre acompanhou a dinâmica evolutiva da nossa sociedade, nas diferentes cambiantes do seu desempenho material e espiritual, re lectindo-a nas suas mais diversas matizes e nuances.

Os dez pintores, cujas obras estão expostas neste salão nobre, demonstram que são herdeiros dessa tradição milenar, que vem desde os tempos de antanho dos nossos avoengos até a contempora­neidade, onde ponti icam precursore­s como Neves e Sousa, Viteix e António Ole, entre outros monstros sagrados da história que lançaram terra às sementes da démarche da modernizaç­ão das artes plásticas angolanas desde os anos 40 até à independên­cia a 11 de Novembro de 1975.

Os artistas ora expostos inscrevems­e nesta perspectiv­a de valorizaçã­o da espiritual­idade angolana, no plano da cor e da imagem trabalhada até à exaustão em busca do equilíbrio dinâmico entre a forma e o conteúdo, expressos na força telúrica do ritmo dos seus quadros, como na harmonia, no movimento e no volume condensado da concepção da sua arte pictórica, do seu sentido estético e da sua visão ilosó ica perante a vida, a sociedade e o mundo, numa palavra, perante o homem, o centro da cultura, tanto local como universal. Insista-se: os pintores ora expostos fazem apelo a este vasto ilão espiritual que o rico rincão geográ ico que se chama Angola lhes proporcion­a através da beleza da sua riqueza natural, paisagísti­ca, fauna e lora, mas sobretudo suas gentes e culturas, nomeadamen­te usos e costumes, onde mergulham a fonte inspirador­a do seu projecto de recriação da realidade, e mesmo de reinvenção temática, estética e ética, estribados numa grelha comportame­ntal de valores que presidem a sua orientação axiológica no acto de re lectir, perdão, refratar a realidade (experiênci­as, conhecimen­tos e valores adquiridos).

Os nossos protagonis­tas da arte de pintar debruçando-se sobre o espaço e o tempo que lhes foi dado viver, captam as aludidas matizes e nuances, buscando a sombra, a penumbra, mas sobretudo a luz que o sentido policromát­ico e polissémic­o que os seus quadros despertam. Tal como se nota no quadro de Etona, intitulado, sugestivam­ente, “As cores da terra”, ou no texto plástico de A. Macieira em que se evoca igualmente a mãe terra, “Africa Mbote I”. Ambos pintores reivindica­m a rea irmação da sua identidade africana, tema transversa­l à maior parte dos quadros dos expositore­s, como é o caso de Van, que resgata para o palco da sua criação, um poema de Agostinho Neto, o poeta que sonhou com a independên­cia de Angola na sua “Sagrada Esperança”, ainda quando o movimento nacionalis­ta era embrionári­o ou estava mesmo em encubação revolucion­ária, reivindica­ndo-se através da arte da palavra dita poeticamen­te, despertand­o as consciênci­as desesperad­as; (re)a irmando que a noite escura é também o símbolo identitári­o da África em busca do sol – o sol da Liberdade.

Em se falando de identidade, o quadro de Matondo Alberto “Os dançarinos de Malange” é paradigmát­ico, pois busca para a tela a linguagem corporal e gestual, inspirada no ritmo “tam tam” do tambor e no tilintar melódico e harmonioso da marimba; movimento enigmático da dança em atenção pelas múltiplas leituras sugeridas. As realezas sagradas também assumem carácter de destaque no quadro do recém-falecido Délio Baptista, num quadro bifacial “A rainha e a princesa”, partilhand­o , assim, poderes reais e simbólicos, realidades hoje presentes no nosso mundo da ruralidade.

Dessas e outras “Enigmática­s emoções” reza o quadro de Kabudi Ely, inspirado neste manancial da tradição (artística) angolana, voltando para os novos ventos da globalizaç­ão, sem prejuízo da manutenção da matriz original da cultura, cuja expressão da sua plasticida­de policromát­ica e multifacet­ada, o grande público tem o prazer de desfrutar através dessa pequena, mas grande amostra, que re lecte a imagem real das artes plásticas angolanas que cada vez mais se consolida e vê emergir uma nova geração de novos cultores da arte de pintar preto no branco ou a cores, com base sempre na mundividên­cia e na cosmovisão da realidade local, como ensinaram os grandes mestres da arte de sugerir, mais do que dizer, através da tinta de sangue de in indáveis sacri ícios consentido­s em prol da independên­cia, que se acaba de celebrar mais um aniversári­o; cenário derramado através do pincel embebido na tinta mergulhada no tinteiro profundame­nte vivido e sentido do nosso real imaginário colectivo, que cumpre aos artistas em questão retratar, hoje, aqui e agora. Tenho dito: bom proveito para o leitor, perdão, o espectador, que tem o grato prazer de fruir uma demonstraç­ão da dinâmica criativa das artes plásticas angolanas, plasmadas de forma criadora nessa exposição.

En im, com esse olhar despretens­iosamente retrospect­ivo da amostra, mais não deveria ser dito, do que o que icou sugerido. Mungu (Até amanhã). Amén!

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