A criatividade plástica angolana e o 4 de Fevereiro
Uma das acções de rebelião independentista, dentre das mais corajosas, desencadeada em África, foi, sem dúvida, o segundo sismo insurreccional organizado pelos nacionalistas e patriotas angolanos contra o cerco colonial, um mês, exactamente, após o desencadeamento da revolta da Baixa de Cassanje e algumas semanas antes da deflagração surgida nas regiões mais ao norte do país.
O desencadeamento desta operação confirmou a cristalização de um contexto neo-esclavagista, que tomou forma na segunda metade do século XIX, após a cessação do tráfico negreiro transatlântico.
Com efeito, pressionados fortemente pela Inglaterra, país da Revolução Industrial tornada, por este facto, a grande potência do século XIX, Portugal e o ávido Brasil não terão outra solução senão colaborar, com manifesta má vontade, na cessação do tráfico transatlântico de mão-de-obra negra.
Tendo em conta que a Colónia de Angola, terra de escravocratas, produzia só escravos, Portugal acalmara os virtuais falidos instituindo uma verdadeira armadilha jurídica neo-esclavagista: o trabalho forcado, o estatuto de contratados ou de serviçais.
A evolução deste novo aperto será, logicamente, marcada para os angolanos pela imposição de uma fiscalidade sufocadora, termos de trocas comerciais desvantajosos, a humilhante arbitrariedade da administração, o cerco policial, a lavagem assimilacionista, a marginalização indigenista, o implacável malthusianismo escolar, uma justiça inexacta e um patronato desumano.
Deve-se associar a todas essas adversidades, a continuação, até 1958, da exportação de angolanos, contratados ou serviçais, para as insaciáveis ilhas de São Tomé e Príncipe.
PLATAFORMA ICONOGRÁFICA
São, portanto, esses factos que vão provocar a rebelião saída dos “Danados
dos musseques”. A trama trinitária de sublevações registada em Angola, nos meados do século XX, era inevitável para os habitantes deste país, que fagocitaram os terríveis guerreiros jaga.
A trama desta corajosa acção que se desenvolveu em várias etapas, reuniões clandestinas, aquisição de armamento branco e fardamento de identi icação, ataques a centros penitenciários, militares e civis, a polícia colonial, as mortes, o recuo estratégico, a caça aos nacionalistas e a repressão, deve ser absolutamente ixada em obras de pintura, escultura e cerâmica, em várias modalidades tais como a mural ou a monumental.
O 4 de Fevereiro deve ter uma declinação plástica, em que um dos projectos poderá ser a organização, no próximo ano, de uma grande exposição, prelúdio da construção de um Museu, constituído de um centro de documentação, investigação, animação e produções culturais (documentários, teatro, concursos plásticos, etc.)
A reprodução artesanal deve ser, igualmente, encorajada no quadro do as
sumere patriótico dos heróicos feitos engajados neste levantamento.
CONCLUSÃO
A análise que acabamos de propor atesta bem a necessidade da urgência da mobilização dos artistas plásticos angolanos à volta da temática do movimento do Cónego Manuel das Neves, Imperial Santana, Nelito Soares e as suas duas centenas de companheiros.
A gesta heróica do Dia do Sacrifício deve entrar na Memória Nacional graças a uma visibilidade nas artes visuais.
Assim, devemos erguer nas nossas grandes praças, largos, avenidas e ruas, nas capitais das províncias, nos municípios, assim como nas comunas, monumentos de vária inspiração.
É da nossa responsabilidade ornamentar as salões das nossas administrações com retratos da revolta do meio-século.
A UNAP terá, então, neste quadro, o dever de criar uma plataforma iconográfica nacional, que confirme a firme vontade dos angolanos, de serem definitivamente independentes.