Jornal Cultura

Jacob Desvarieux: “Nós sentimo-nos africanos”

KASSAV, 35 anos de Zouk

- Nuno Milagre

Juntamente com outros músicos antilhanos, Jacob Desvarieux fundou os Kassav em 1979. A intenção era criar uma nova sonoridade musical a partir dos ritmos tradiciona­is das Antilhas, e dessa experiment­ação nasceu o zouk.

Muitos êxitos e 35 anos depois, Desvarieux é hoje o único dos fundadores na banda e continua a fazer a festa em palco com a guitarra eléctrica. O último álbum dos Kassav – Sonjé

– é mais um disco de ouro na carreira da banda não africana mais popular no continente. Desde o primeiro concerto em África, Abidjan em 1985, já pisaram palcos em três dezenas de países africanos, com várias concertos em Angola nos últimos 25 anos.

Estivemos à conversa com Jacob Desvarieux em Cabo Verde, pouco antes dos Kassav animaram as primeira horas do novo ano na cidade do Mindelo, onde contaminar­am com a febre do zouk milhares de pessoas em festa nas ruas da cidade.

Qual é a sensação de estarem de novo em Cabo Verde?

É boa, somos convidados frequentem­ente, não podemos vir sempre, mas sempre que o fazemos é um prazer porque vemos gente que se parece connosco, temos a impressão de estar nas Antilhas. As pessoas adoram a nossa música e cantam as canções connosco, é bom.

Como se sente fazendo parte dos Kassav, a banda de fora de África mais famosa no continente?

Na verdade, nós somos africanos. Somos os africanos que foram levados para o outro lado do mundo, que se misturaram com tudo o que havia do outro lado, mas guardámos uma raiz africana e uma parte da cultura africana e quando regressamo­s com a nossa música, as pessoas de África reconhecem-se em nós. Além disso, não somos de nenhum lugar nem de nenhuma etnia em particular, o que faz com que todos os africanos possam apreciar a nossa música. O que se passa com os músicos africanos é que, normalment­e, estão limitados a uma etnia ou a um país, e torna-se mais difícil ser-se consensual.

É serem também africanos que faz esse laço com o continente?

Sim, segurament­e. Nós sentimo-nos africanos. E mesmo que tivéssemos dúvidas bastaria vir a África para elas acabarem.

O zouk é uma expressão do mundo crioulo?

Sim, embora seja a música das Antilhas francesas, mas creio que todos os negros do mundo se reconhecem nesta música, porque é um pouco a síntese do que se tem feito em África, na América, nas Caraíbas.

Há 30 anos que o Zouk continua na moda. Qual é o segredo?

BNão sei se existe um segredo.

É muito tempo.

Sim, é muito tempo. O zouk surgiu numa altura em que estava a fazer falta. Surgiu numa época em que a música europeia re lectia sobretudo as angústias das pessoas que criavam. Deixava ver um lado angustiado, um lado sombrio. Entre nós, há o lado alegre que sobressai. Mesmo quando falamos de coisas sérias, tentamos ser optimistas, tentamos ver o lado belo das coisas e isso sente-se também na música.

Os Kassav têm muitos fãs na lusofonia africana, em Angola, em Moçambique, em Cabo Verde. Já pensaram fazer músicas em português?

Não, porque não falamos português. Tocamos muito nos países lusófonos, mas não falamos português. Costumo dizer que na música o que funciona é a sinceridad­e. Quando escutamos uma música numa língua que não compreende­mos, ouvimos a sinceridad­e das pessoas que cantam. Se podemos cantar numa outra língua? Podemos. Mas não podemos ser espontâneo­s, tão sinceros como quando cantamos na nossa língua materna. É um pouco como quando queremos insultar alguém, a primeira língua que nos vem à cabeça é a nossa língua materna. Quando se canta é igual.

Mas já fizeram um disco em espanhol (Un Toque Latino, 1998).

Foi uma tentativa que izemos, porque muitas músicas nossas foram retomadas por artistas de Santo Domingo, da Venezuela, do México e tivemos a ideia de fazer um disco com essas canções, mas nas versões originais e cantadas por nós em espanhol. Mas nós não falamos espanhol, por isso esse disco icou como uma recordação.

Uma vez que começa o ano em África, quer deixar uma mensagem de Ano Novo para os africanos e para África?

Quero desejar-lhes um bom ano. Ser mais preciso do que isto é di ícil, porque África é grande, são muitos países, com diferentes problemáti­cas. Creio que conforme os anos vão passando, África se tem desenvolvi­do. Os dirigentes mudam, tornam-se mais jovens, e com espíritos mais abertos e pensam um pouco mais no desenvolvi­mento do seu país. Portanto, espero que isso continue. E que, inalmente, África atinja o nível de outras regiões. Não será num ano, será talvez em dez anos mas, de qualquer forma, pouco a pouco lá chegará.

Na verdade, nós somos africanos. Somos os africanos que foram levados para o outro lado do mundo, que se misturaram com tudo o que havia do outro lado, mas guardámos uma raiz africana e uma parte da cultura africana e quando regressamo­s com a nossa música, as pessoas de África reconhecem-se em nós.

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