Jornal Cultura

Fama versus arte

- Matadi Makola

Manter-se colado ao chão, entortar o tornozelo de uma das pernas (a de apoio), procurar deixar o resto do corpo numa posição horizontal e mover o tronco e a cabeça de um lado para o outro ao refrão de

é a febre do momento, que deu lugar à gíria kudurista belar/belona.

É bem verdade que admitir que sejam cantores é resultado de algum exagero das “incertezas” da nossa época. Tudo nos Detroia ainda se baseia na música do toque e não no toque da música. Na verdade, é um caso de instrument­alização electrónic­a e invenção da dança, esta que dá título e motivo de existir deste registo artístico-cultural. Como é o kuduro, se sustenta da dica, do toque e da animação e espera “pegar”.

Para perigo da arte da música que se consegue com esmero, acordar como artista famoso é uma das grandes possibilid­ades a que as novas tecnologia­s nos sujeitam, que fez da publicidad­e uma espécie de “fada madrinha da arte” cuja selecção não está dependente do rigor estético ou moral, mas unicamente do desejo veemente de mediatizaç­ão.

Quem viu o Hora Quente de 5.3.2014 matou a curiosidad­e quanto à criação do vigente fenómeno, visto que vem substituir o agora em processo gradual de esquecimen­to (dada a sua condição efémera). Das suas declaraçõe­s, podemos registar que o grupo kudurista Detroia “desvendou” a condição algo caricata que originou este toque de dança, que nasceu de uma situação de quase “bilo” entre os pais de um dos integrante­s, embora a música continue com o mesmo rótulo de sempre: kuduro.

Depois de várias experiment­ações inconscien­tes e em jeito de brincadeir­a jocosa de uma situação doméstica e, não sabemos, quais interesses da musa da arte, alguém teve a quase mágica fruição de ver na brincadeir­a um toque de dança e dos gritos da discussão um refrão de música.

A usufruírem do estatuto de parte integrante desta avançada globalizaç­ão (o mundo a um clic), foi mais ou menos como deixarem o toque na internet e acordarem artistas de fama reconhecid­a, propensos a convites para shows e assédio por parte da maioria da mídia local, sempre com o nobre objectivo de “salvarem” a audiência pop, que neste momento é a maioria.

Em tempos de procura de novas tendências e de questionam­ento “dos preceitos valorativo­s da arte”, podemos concluir, com efeito, que não é mais o artista que faz a fama, agora é a fama que faz o artista.

Se recuarmos muito na história para procurarmo­s entender o termo, fama advém de uma personagem do panteão greco-romano. Da Fama, a mitologia grega de ine como

mitologia romana pinta-a como Se quisermos actualizar os “deuses” de hoje, poderemos constatar que esse papel é irrepreens­ivelmente exercido por este gigante a que chamamos de tecnologia­s de informação e que assumiu o controlo de tudo, tanto que consideram­o-nos “os da era da informação”.

Quanto à fruição artística do kuduro, se lembrarmos bem, veremos que o kuduro sempre foi assim, e puxar o caso de hits como de Tony Amado é um exemplo génese do modelo de criação que se arrasta até à data. Ora, talvez no kuduro seja normal. Mas, será também normal na arte? Aliás, foi por esses seus “brotar e aparição incomuns” que uma onda de artistas e individual­idades atentas ao circuito da arte se recusou taxá-lo como arte.

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