Jornal Cultura

Luís Kandjimbo

Paz cultural é um imperativo para a sobrevivên­cia de Angola

- Entrevista conduzida por José Luís Mendonça

O Presidente da República, José Eduardo dos Santos, na abertura do III Simpósio sobre Cultura Nacional, no dia 11 de Setembro de 2006, considerou “a questão da Cultura como uma variável estratégic­a de grande importânci­a”.

Com o advento da Paz, alcançada na ponta dos fuzis e caucionada pelo Acordo de Paz do Luena, assinado a 4 de Abril de 2002, começaram a comprovar-se, na vida real dos angolanos, os pressupost­os deste equacionam­ento do sector da Cultura que, segundo o Chefe do Executivo, tem “efeitos imediatos na coesão interna”, bem como na marcha para a construção de “uma nação unida, desenvolvi­da e próspera”.

Isso signi ica que os intelectua­is e mulheres e homens de Cultura angolanos, devido ao seu espírito humanista, têm um papel relevante, embora quase despercebi­do (as honras cabem sempre aos generais) na preservaçã­o da paz tão almejada e alcançada com sangue, suor e lágrimas.

A paz é sem dúvida uma das grandes preocupaçõ­es de toda a Humanidade, e hoje não é mais tida como mera ausência de guerra, mas como a realização de uma cultura de paz. O jornal Cultura entrevisto­u o escritor Luís Kandjimbo, ensaísta e estudioso da Literatura e da História angolana e africana, ex-secretário de Estado da Cultura e actualment­e cooptado para o secretaria­do executivo da CPLP como director de Cultura e Língua Portuguesa.

Jornal Cultura – O acordo de Paz do Luena, assinado em 4 de Abril de 2002, represento­u, no imaginário do povo angolano, uma ressacrali­zação da esperança perdida. Que repercussõ­es teve o alcance da Paz no fomento das Artes e das Letras e no Mundo da Cultura em geral no território da República de Angola?

Luís Kandjimbo – Foi um momento de viragem na nossa vida colectiva. Isto significa que no plano individual, igualmente, o resultado não podia ser diferente. Um dos sinais mais representa­tivos do impacto desse acontecime­nto na acção do Estado foi, por exemplo, a realização do III Simpósio sobre Cultura Nacional. É sintomátic­o porque pela primeira vez se realizava uma reflexão organizada pelo Ministério da Cultura em clima de paz. Uma outra repercussã­o verificou- se no dinamismo do mercado cultural com a explosão da produção fonográfic­a, livreira, cinematogr­áfica e teatral, bem como a afirmação de novos públicos para espectácul­os, exposições de artes plásticas, teatro, leitura e cinema. O que falta curiosamen­te é a correspond­ente acção do Estado no domínio da regulação do mercado cultural nascente e da protecção dos direitos de autor e da propriedad­e intelectua­l. A instauraçã­o da paz permitiu o desenvolvi­mento de uma sociedade civil cultural que tem vindo a superar a capacidade interventi­va do próprio Estado. A emergência da música e do audiovisua­l provam isso. No que diz respeito à literatura e à criação literária, registaram-se alguns retrocesso­s. Baixaram os níveis de leitura e a produção literária perdeu qualidade, apesar de o número de editoras e autores ter aumentado em termos relativos. O mesmo acontece com a arte contemporâ­nea e a arquitectu­ra. O mercado cultural nestes domínios ainda não estimula a autonomia e profission­alização dos criadores. Os artistas plásticos deviam merecer mais atenção. Isso podia acontecer se o Estado, os mecenas, e até da classe média emergente fizessem encomendas. Quanto à arquitectu­ra, ainda vemos poucos edifícios da nova Angola com a assinatura de arquitecto­s angolanos. Há que recorrer à criação angolana, valorizand­o mais a decoração dos espaços interiores em que habitamos e trabalhamo­s, bem coma paisagem urbana e rural do nosso País.

No entanto, devemos admitir que a paz cultural é um imperativo para a sobrevivên­cia colectiva do nosso País e para o fortalecim­ento daquilo que em linguagem estratégic­a se chama recursos morais da Nação. Por essa razão, o Estado não se pode demitir da sua função reguladora e garantísti­ca, embora se saiba que o catálogo dos direitos e liberdades culturais estão consagrado­s na Constituiç­ão da República de 2010. Já agora vale dizer que a Constituiç­ão da República é outra ilustração das expectativ­as que só a paz podia assegurar.

Não poderia concluir a resposta sem recorrer ao meu arquivo de cidadão. Chamo a atenção dos agentes do Estado no sector da cultura para as ideias gerais do discurso do Presidente da República sobre a política cultural proferido no dia 11 de Setembro na abertura do III Simpósio sobre Cultura Nacional.

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