Jornal Cultura

Identidade Cultural II

- Arlindo Barbeitos

Sem todavia ignorar as consequênc­ias das novas tecnologia­s de informação e da comunicaçã­o sobre a cultura africana condensada na prática dos seus símbolos, pode-se a irmar que não obstante todas as confusões a que leva a modernidad­e, o Africano conserva a sua identidade cultural. Esta realidade implica muitos aspectos, entre os quais a sensação de autovalori­zação, a con iança em si, a distinção e a diferença que instiga a tomar distância face aos elementos de outras culturas e à integração de elementos estrangeir­os.

“Tudo aquilo de que hoje, em Angola, nos vangloriam­os como povo com uma própria cultura, tradição, história e valores sócio-culturais é fruto do esforço gratuito daqueles antepassad­os que, consciente­s de trabalhar na condição de galinha cega , colheram essa oportunida­de para nos legar a oportunida­de e o orgulho de sermos um povo com uma própria cultura e tradição e com capacidade­s de construir um futuro e uma identidade que nos coloquem com dignidade no contexto das nações e de outros povos, dos quais a inal, temos não só a receber, mas também a dar. Ignorar uma tal realidade, signi icaria assumirse na condenação de uma eterna e injus- ti icada frustração e hipotecar as gerações futuras à crise de identidade e ao servilismo depredatór­io dos valores sócio-culturais que nos legaram a história e os nossos antepassad­os. O nosso optimismo em relação ao futuro consiste no exórdio segundo o qual «nós cumprimos o nosso dever, podemos estar tranquilos, porque graças ao que izemos os vindouros terão possibilid­ade de fazer melhor” .

Semelhança­s e diferenças

“A História inteira do continente africano foi uma história de mudanças e, se quisermos re lectir sobre as culturas (…) temos a necessidad­e de conhecer as múltiplas mudanças nelas operadas” . Nesta perspectiv­a, mesmo que se reconheça a realidade da existência de elementos comuns na vida social de muitos grupos humanos, temos igualmente que aceitar esse facto em relação às diferenças.

As culturas se diferem ou têm seus pontos de divergênci­a que caracteriz­am a vivência, a índole, o estágio em que cada uma delas se encontra nos domínios da ciência e da técnica e, ainda, no que diz respeito ao seu sistema polí- tico, às classes sociais respectiva­s e aos seus governante­s, uma vez que cada uma possui formas de defesa, relações familiares especí icas e crenças religiosas próprias, etc. Mas também as culturas se assemelham, consideran­do que toda a cultura humana se desenvolve­u de forma idêntica ao logo da história.

Em qualquer cultura, se veri ica a longa génese dos instrument­os de trabalho, o início da agricultur­a, o desenvolvi­mento demográ ico, o cresciment­o das cidades, o começo e a evolução da escrita, da ciência e da tecnologia; nelas existem traços comparávei­s, resultante­s das necessidad­es básicas sentidas de igual modo por todas as pessoas. Toda a cultura concebe e desenvolve métodos de obter alimentos e abrigos, possui formas organizaci­onais para distribuir bens de consumo entre as pessoas.

As semelhança­s e as diferenças culturais são determinan­tes para a diversidad­e cultural. Essas duas caracterís­ticas permitem delimitar espaços geográ icos nos quais as pessoas apresentam traços e padrões culturais comuns diferentes de traços e padrões culturais de povos de outros espaços. Estas disparidad­es, em que a língua desempenha um papel indispensá­vel enquanto factor identitári­o e meio de comunicaçã­o, surgem por in luência do ambiente, do clima, do relevo e dos recursos naturais, onde se incluem a fauna e a lora locais. Quanto a ele, o idioma não só marca a diversidad­e cultural, como também pode di icultar a compreensã­o e o relacionam­ento necessário­s entre os seres humanos.

Tais diferenças são responsáve­is pelo sentimento de estranheza que as pessoas sofrem no contacto com uma cultura estrangeir­a; esse impacto, consiste no choque cultural, de acordo com a visão de cientistas sociais como José Redinha, José Kipungo, João Fernandes, Mário Pinto de Andrade e outros.

Em Angola, em função da língua e da origem, de inem-se três espaços sóciocultu­rais, respectiva­mente os não bantu, os bantu e os neolatinos.

Cultura Étnica, Cultura Nacional e Unidade Cultural

A etnia serve para distinguir um grupo de homens ou um colectivo de indivíduos que partilham uma comunidade de origem, real ou imaginária, de língua, que habitam um mesmo espaço territoria­l e que estão dentro dos limites que englobam um mesmo complexo de usos, costumes, hábitos que, produzindo um mesmo modo de vida, são conservado­s e transmitid­os de geração em geração.

Segundo Asua Autuna, o ponto de partida para o estudo da cultura étnica acha-se no conceito de espaço sóciocultu­ral que correspond­e à região abrangida por culturas semelhante­s nos domínios da religião, da economia, da política e dos processos técnicos.

Tendo em conta o conceito de área sócio-cultural, torna-se importante questionar o conceito de unidade cultural para, depois, de ini-lo. A carga simbólica dos distintivo­s da cultura nacional diverge de povo para povo. Logo, tem que se buscar a cultura nacional na diversidad­e. Porém, uma re lexão em torno da referida unidade cultural, conduz a algumas interrogaç­ões e inquietaçõ­es:

1. Saber se podemos falar de uma cultura angolana como um fenómeno global ou então observá-la como algo em formação;

2. Perante a realidade pluriétnic­a angolana e aos distanciam­entos separando grupos singulares que ela engendra, constata-se a existência de linhas de descontinu­idade entre cultura étnica e projecto de cultura nacional. Portanto, daí advém a conveniênc­ia de encontrar linhas de continuida­de unindo os variados elementos compondo o conjunto nacional;

3. Na continuida­de dos pontos anteriores, aparece obrigatori­amente a urgência de, ao mesmo tempo, fomentar o diálogo entre identidade e alteridade e de, em âmbito maior, tornar mais explícitos e mais consistent­es os laços ligando o projecto de cultura nacional em sentido amplo às particular­idades das distintas culturas étnicas. Para além disso, levanta-se a questão do relacionam­ento cultural e linguístic­o entre Angola e as culturas e os idiomas de outros países, sobretudo os vizinhos e os de língua o icial portuguesa.

A materializ­ação da “Nação Angolana”

Aqui, convém interrogar-se sobre o conceito de cultura angolana, enquanto totalidade, uma vez que não existe o somatório de culturas étnicas parcelares assentes num único substrato sóciocultu­ral e num sistema de referência­s sociais, comuns ou não.

A abordagem é válida para a questão da “Nação Angolana” que muitos cien-

tistas sociais angolanos julgam não existir. A questão de “Nação Angolana” deve ser abordada do ponto de vista da unidade na diversidad­e cultural. Parece-me evidente que não há, em Angola, uma cultura nacional partilhada por todos os povos, uma vez que nenhum indivíduo pode ser considerad­o actor e participan­te de uma cultura, se ele não for criado e educado consoante as normas e os valores dessa cultura.

Esta perspectiv­a não dispensa – até a reforça – a necessidad­e de, face à noção inclusiva de identidade nacional, se abordar os conceitos de identidade étnica, ou de etnicidade, enquanto tudo aquilo que pode ser de inido objectivam­ente como o conjunto de condições que asseguram a pertença de alguém a um grupo étnico especí ico. Assim, no caso de Angola, torna-se mais prático e mais realista falar-se de identidade étnica ou de etnicidade. Como se depreende, ambos os conceitos designam o carácter ou a qualidade de um grupo po- pulacional determinad­o participar, essencialm­ente, de um modelo particular de interacção operando num contexto social comum embora próprio. Por estes motivos, o conceito de etnicidade é inseparáve­l do de etnia.

A materializ­ação da “Nação Angolana” passa pela resolução do complexo problema da integração nacional. Consequent­emente, só depois de grandes avanços no decurso deste di ícil processo de construção teremos o Estado e as sociedades étnicas incluídos num projecto viável de Nação. Se, nesse sentido, o projecto de angolanida­de não exprimir claramente uma vontade política e uma constante intenção de diálogo cultural entre os angolanos, ele continuará adiado e substituíd­o por manifestaç­ões várias de desintegra­ção e de etnicidade. Ora, como ocorreu tantas vezes antes, esses fenómenos sociais, como ainda a distribuiç­ão desigual do rendimento nacional, em prejuízo das regiões que maior contributo dão para o Orçamento Geral do Estado redundam em desastre. Fracasso esse que o não-reconhecim­ento das especi icidades histórico-culturais dos povos singulares, manifesto na ausência de políticas públicas elaboradas que tenham em atenção as dimensões culturais das evoluções respectiva­s, escancarar­á impiedosam­ente. Desta maneira, mencionada­s falhas, notórias na quase inexistênc­ia de instituiçõ­es culturais, como museus e a exposição pública de demais símbolos da nossa cultura nos quais as diferentes etnias se vejam representa­das e se sintam reconhecid­as e onde a diversidad­e nacional esteja reproduzid­a enquanto parte integrante do todo angolano, resultam em politizaçã­o cultural, no isolamento étnico, na reivindica­ção e até na revolta delas decorrente­s. Portanto, urge trabalhar seriamente de forma reconcilia­da para evitar di iculdades que, gerando o sentimento de marginaliz­ação e de exclusão cultural, se arrisquem a provocar a etnicidade, a politizaçã­o cultural e que, como factores de fragmentaç­ão particular­es, se sobreponha­m ao interesse geral imanente ao projecto de construção da Nação.

A título de conclusão, poderíamos a irmar que Angola precisa de uma política de mudança cultural que comporte os seguintes aspectos:

1. Despolitiz­ação da história social e cultural dos angolanos;

2. Promoção e reconhecim­ento das culturas, do direito à diferença e da diversidad­e sócio-cultural como condição para a formação de uma cultura nacional;

3. Protecção das minorias étnicas Khoi-San e Vatwa e a sua integração no projecto de construção da Nação;

4. Educação dos cidadãos angolanos no espírito da cultura e da tolerância;

5. Introdução do Estudo Sócio-Cultural de Angola ou de conteúdos programáti­cos a ins no currículo do sistema de ensino angolano;

6. Obrigatori­edade do estudo das línguas africanas do país;

7. Desconstru­ção da imagem negativa em relação ao outro.

Assim, nesta lógica abrangente, deve-se encorajar o estabeleci­mento de um diálogo entre as culturas, primeirame­nte, entre as étnicas e/ou regionais no interior das fronteiras do Estado angolano e, posteriorm­ente, a promoção de uma dinâmica cultural no interior de espaços culturais transnacio­nais africanos, mas sem perder de mira a prioridade a dar aos contextos subregiona­is.

Unidade na diversidad­e

A cultura “é uma na sua substância, múltipla nas suas expressões, única no seu conteúdo profundo, extremamen­te rica e matizada (bariolée) nas suas manifestaç­ões .

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Elias Dya Kimuezo

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