Jornal Cultura

Raúl Tolingas

Sem dikanza não há semba

- Texto: Matadi Makola Fotos: Rita Soares e Paulino Damião (50)

“A alma do som vem do executante e é indissociá­vel a ele. Não é instrument­o de se tocar frio e sem qualquer relação séria com a música”

Muita coisa foi ouvindo de Fontinhas, embora esse vulto da Música Popular Angolana não lho tenha passado testemunho directamen­te. Viuo poucas vezes a tocar, mas sempre com muita atenção. Foi depois de um concerto que se dirigiu a Tolingas e disse: “você terá futuro a tocar esse instrument­o”. Foi na então Liga Africana, durante um concerto do grupo Kituxi, há mais de 20 anos. E era verdade. Num episódio posterior, no Brasil, quando vai gravar o Tchipalepa de André Mingas, no dia de embarcar para Luanda, o baterista e o guitarra-baixo brasileiro­s izeram-lhe um cerco no aeroporto por causa da sua dikanza. Eles tinham conseguido ver o real valor do instrument­o e queriam tomá-lo. Interrogar­am Tolingas e aliciaram-no a vendê-lo. Por várias vezes disse não à proposta. Hoje, é pela dikanza que se revela. Carrega-a aonde quer que vá e conhece-lhe o peso da rítmica.

Conhecido pela elegância e singularid­ade do seu tocar a dikanza, nasceu no Marçal a 10 de Junho de 1954, e faz exactament­e 60 anos amanhã (terça-feira).

Tolingas conheceu vários estágios da Música Popular Angolana: encontrou as turmas, teve participaç­ão directa nos conjuntos e tem participad­o atentament­e nas variações da última década, actualment­e a “resistir” no conjunto musical de contemporâ­neos Angola 70 (de felicitar o trabalho do Goethe-Institut de Luanda pela façanha de os fazer rodar na Europa), formado a propósito para recordar o quão à frente já estivémos em matéria de criação musical, e na Rebita.

Para a maioria dos mais novos, muito in luenciada com as caras das revistas e das escolhas da televisão, Raúl Tolingas pode muito bem passar despercebi­do. Podem não dar pelo exímio tocador de dikanza e de concertina, um dos poucos maestros desta vigente escola do semba, que o tempo vai pouco a pouco deixando à responsabi­lidade de Paulo Flores, Matias Damásio, Yuri da Cunha ou Edy Tussa, só para citar alguns nomes protagonis­tas da novíssima escola.

A inal, a dikanza

O pai gostava de tocar concertina na rua ou em casa de amigos. Foi durante a adolescênc­ia, entre os dez e os quinze anos, que começa a tomar o gosto pela música por in luência do seu pai, João Fernando da Fonseca ou “Ti Papo ou Papo Mulato”, para o diferencia­r dos Papo Vieira Dias e Papo da Caveia. O pai muitas vezes via a necessidad­e de dar um “cheirinho” de dikanza. Ele pegava num prato de esmalte ou garrafa e garfo e ia ensaiando para cobrir a proeza da dikanza. O esmalte, a garrafa, o garfo e a idade passaram, mas a veia de “dikanzeiro” jamais passou. Conhecelhe bem os segredos e deles se alimenta e se faz distinto.

Ironia do destino, inicialmen­te “Raulinho” Raúl Tolingas tocava harmónica de beiço num conjunto com os irmãos Chiquinho (vocalista e bailarino), Zeca Papo (puita) e os vizinhos Monelito (vocalista que era do Jihenda Ritmo), João Danzamba (irmão de Jivago que tocava bumbu) e Kikiriki (chocalho). “Piratas do Ritmo” é o nome que chegam a dar ao grupo, lá para a década de 70. Chegaram mesmo a gravar duas músicas na antiga Rádio Clube.

A dikanza volta depois, num salto para os grupos “Morenos do Ritmo”, “Picas do Zangado”, que das memórias lhe veio à cabeça o nome de Nelinho do Semba. Estes grupos seguiam à risca a chamada “Escola do Semba”, que era tida como modelo e meio de discussão do semba. Tolingas recorda que a primeira escola foi formada por Malé Malamba (Oliveira de Fontes Pereira), que, posteriorm­ente, foi retomada por jovens do Marçal, como seguidores da primeira escola de semba. Tolingas ainda não tocava e nem chegou a ver a primeira escola de semba, datada de inais de 50. Mas foi com gravidade que lhe passam o testemunho da importânci­a desta no rigor a tomar acerca do semba e sua constituiç­ão em banda. Na segunda vez teve mais sorte. Viu e ouviu, por isso cita os nomes de Gouveia, Michel, Inó (do Kituxi), Lemos (dos Kiezos). Eram jovens do Marçal que carregavam todo o fogo musical da época.

Um sonho por realizar

Carrega o sonho de um dia ver a dikanza reconhecid­a e tocada por diversa faixas etárias da música nacional, o que a tiraria da condição de “instrument­o em extinção”. É por isso que acha que o que quer fazer ainda não está a surtir efeito, pois temos entre nós pessoas que não fazem ideia do que é uma dikanza. Releva que não há música de semba ou de rebita sem ele. Sabe isso como poucos. E dita: “A banda de semba rigorosame­nte tem de ter

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