Morreu Maya Angelou
“Eu sei porque é que o pássaro canta na gaiola”
“O fato de uma mulher negra americana adulta emergir com uma personalidade extraordinária é frequentemente visto com espanto, repugnância e até beligerância” (pg. 248), pondera Maya Angelou no im de I Know Why The Caged Bird Sings (Eu sei porque é que o pássaro canta na gaiola), novela autobiográ ica brilhante e adorável de uma das mulheres negras mais notáveis do mundo. É uma frase apetitosa, que sintetiza em poucas linhas o poder e o charme de sua autora: uma mulher negra de mente extraordinária, que sempre teve que combater esse desprezo e essa surpresa dos preconceituosos e beligerantes, que desejariam manter nas jaulas, acorrentadas e amordaçadas, essas aves raras que bem mais belas icam voando e cantando...
Poeta, escritora, actriz, professora e realizadora norte-americana, Maya Angelou morreu aos 86 anos em 28 de Maio de 2014. Marguerite Ann Johnson (St. Louis, Missouri, 4 de Abril de 1928 — WinstonSalem, Carolina do Norte, 28 de Maio de 2014) era o seu nome de baptismo.
Passou a infância na Califórnia, Arkansas, e St. Louis, e viveu com a avó paterna, Annie Henderson, na maior parte de sua infância. Quando tinha 8 anos, foi estuprada pelo namorado da mãe em St. Louis; isto levou a anos de mudez para Maya que inalmente superou com a ajuda de uma vizinha atenciosa, e um grande amor pela literatura.
Aos 17, Maya se tornou a primeira motorista negra de autocarro em São Francisco e tornou-se mãe solteira ao dar à luz seu primeiro ilho, numa época em que isso não era comum; Maya tornou-se a primeira mulher negra a ser roteirista e directora em Hollywood. Na década de 50 – quando surgiu com o pseudónimo de Maya Angelou – ela se a irmou como actriz, cantora e dançarina em várias montagens teatrais que percorreram o país; nos anos 60, ela era amiga de Martin Luther King Jr. e Malcolm X. Também nos anos 60, trabalhou e viajou pela África, como jornalista e professora, ajudando vários movimentos de independência africanos. Em 1970, ela publicou o primeiro livro, I Know Why the Caged Bird Sings, alvo de grande aclamação, e foi nomeada para o Pulitzer Prize em poesia no ano seguinte.
Em 1993, Angelou leu um de seus poemas chamado On the Pulse of Morning, na posse de Bill Clinton como presidente; este foi um dos pontos altos de sua carreira: recebeu o Grammy de melhor texto recitado pela leitura do mesmo. No inal de sua carreira foi professora de história americana na Wake Forest University, Carolina do Norte, fazia excursões e dava palestras em vários lugares.
“A característica distintiva da prosa de Angelou é uma franqueza que remonta à tradição oral afro-americana e dá a seu trabalho a qualidade de testemunho.” [The New York Times]
Ainda assim, eu me levanto Você pode me riscar da História Com mentiras lançadas ao ar. Pode me jogar contra o chão de terra, Mas ainda assim, como a poeira, eu vou me levantar. [...] Pode me atirar palavras a iadas, Dilacerar-me com seu olhar, Você pode me matar em nome do ódio, Mas, ainda assim, como o ar, eu vou me levantar. [...] Da favela, da humilhação imposta pela cor Eu me levanto De um passado enraizado na dor Eu me levanto Sou um oceano negro, profundo na fé, Crescendo e expandindo-se como a maré. Deixando para trás noites de terror e atrocidade Eu me levanto Em direção a um novo dia de intensa claridade Eu me levanto Trazendo comigo o dom de meus antepassados, Eu carrego o sonho e a esperança do homem escravizado. E assim, eu me levanto Eu me levanto Eu me levanto.
Carta à Minha ilha
“Dedicado à ilha que nunca teve, Carta À Minha Filha mostra o percurso de Maya Angelou até alcançar uma vida boa e com sentido. Escrito no seu estilo inimitável, este livro está acima de qualquer género ou categoria: é ao mesmo tempo um livro de pequenas histórias, um livro de memórias, mas também um livro de poesia – e é um prazer absoluto.
Dizer a Verdade
“A minha mãe, Vivian Baxter, avisou-me muitas vezes para não acreditar que as pessoas querem realmente ouvir a verdade quando perguntam: “Como estás?”. Dizia que a pergunta era feita em todo o mundo em milhares de línguas, mas a maioria das pessoas era apenas uma maneira de meter conversa. Ninguém espera realmente receber uma resposta nem sequer está interessado em saber:«Bem, os joelhos doem-me tanto que parece que estão partidos e tenho as costas tão desfeitas que só me apetecia atirar-me para o chão a chorar.» Uma resposta desta serviria não para meter conversa, mas para acabar qualquer conversa. Por isso, respondemos todos:”Estou bem, obrigada.”
Acredito que é assim que aprendemos a ouvir mentiras “sociais”. Olhamos para amigos que emagreceram perigosamente ou estão horríveis de tão gordos e dizemos:”Estás com óptimo aspecto.” Toda a gente sabe que é uma mentira descarada, porque não queremos lidar com a verdade. Quem me dera que conseguíssemos acabar com estas pequenas mentiras. Não estou a dizer que temos de ser brutalmente francos. Acho que não há nada que justi ique que sejamos rudes; no entanto, uma pessoa sente uma liberdade maravilhosa quando é honesta. Não temos de dizer tudo o que sabemos, mas devemos garantir que aquilo que dizemos corresponde à verdade.
Tenhamos a coragem de dizer às nossas jovens:«Esse cabelo todo mal cortado pode estar na moda, mas não é nada bonito. Não te favorece nada.» E digamos aos nossos jovens:«A fralda da camisa a aparecer por baixo da camisola não te dá um ar cool; fazte parecer desmazelado e desleixado.» Os cabecilhas da moda de Hollywood decidiram recentemente que usar roupas amarrotadas e ter a barba por fazer era sexy porque dava aos homens o aspecto de terem acabado de levantar-se da cama. Estavam certos e errados. O ar desmazelado dá realmente a sensação de a pessoa ter acabado de sair da cama, mas esse ar não é atraente; é repelente.
As argolas no nariz, nos mamilos e na língua são muito prezadas pelos jovens ainda na idade de experimentar. Embora não goste de as ver, não me incomodam muito porque sei que, quando forem mais velhos, irão aderir às normas dos grupos sociais em que trabalham e vivem. As argolas vão desaparecer, e os jovens irão rezar para que os buracos desapareçam depressa para não terem de explicar aos seus ilhos adolescentes por que é que aqueles buracos ali aparecem.
Vamos dizer a verdade às pessoas. Quando nos perguntarem «Como está?», vamos ter a coragem para responder com honestidade de vez em quando. No entanto, é preciso que saibas que as pessoas vão começar a evitar-te, porque também estão mal dos joelhos, dói-lhes a cabeça e não estão interessadas em saber das tuas dores. Mas vamos pensar assim: se as pessoas nos evitarem, vamos ter mais tempo para meditar e tentar descobrir a cura para o que está a a ligir-nos.”
(retirado da página 47 e 48 do livro Carta à Minha Fillha de Maya Angelou).