Jornal Cultura

A Sociedade Cultural de Angola e o boletim Cultura

- Henrique Guerra

1- A fundação da Sociedade Cultural de Angola (SCA).

A Sociedade Cultural de Angola foi fundada em 1942, por Portaria do Governo Geral de Angola de 6/11/42. Diz o seu parágrafo único: “São aprovados os estatutos da associação “Sociedade Cultural de Angola”, com ins de educação artística e cientí ica”.

O seu órgão o icial era o boletim “Cultura”. Em 1947, o Vice-Presidente da SCA, o Dr. Eugénio Ferreira assume a direcção do boletim Cultura. Um ou dois anos depois o boletim é suspenso pelas autoridade­s coloniais.

Em 1957 é retomada a publicação do Boletim Cultura, tendo saído 12 números numerados de 1 a 12 , o último dos quais em 12 de Novembro de 1960. Assim os números que se publicaram antes da suspensão icaram conhecidos como Cultura I e os 12 números que se publicaram a seguir passaram a constituir o Cultura II. Qual teria sido a causa dessa interrupçã­o de mais de oito anos?

Quando, no início do Cultura II cheguei à SCA, pela mão do Mateus da Graça (mais tarde Luandino Vieira), do António Cardoso e do Adolfo Maria, mostraram-me um artigo escrito pelo Dr. Eugénio Ferreira sobre as diferenças de salários e de condições sociais entre os trabalhado­res portuguese­s e os trabalhado­res angolanos empregues na construção da barragem das Mabubas. Teria esse artigo sido a causa da suspensão do Boletim Cultura?

Mas o que era então a Sociedade Cultural de Angola?

Luanda era então uma pequena cidade colonial, com cerca de 500.000 habitantes na sua área urbanizada, sendo a sua população constituíd­a por portuguese­s e alguns africanos e seus descendent­es, ocupando cargos no funcionali­smo inferior ou subalterno, poucos empregados comerciais, artí ices e serviçais. Para além do casco urbano estendiam-se os chamados musseques de população africana.

A SCA nasceu porque a colónia não tinha vida cultural. Fado, cotações dos produtos coloniais (café, sisal, etc.), música brasileira, futebol, pouco mais. A própria PIDE reconhece, no processo instaurado contra a SCA, que a colónia não tinha vida cultural. Abriu-se assim um certo espaço para a SCA, mas muito pela rama. Por exemplo, não se estudavam as línguas nacionais de Angola, a música dos povos africanos, o modo de vida das vastas populações rurais, pois isso punha em causa a unidade do império português, que ia do Minho a Timor, unidade que só se podia realizar sob a égide da cultura portuguesa.

Na altura tornou-se notório o caso de José Redinha, provedor do Museu do Dundo, que por a irmar que as manifestaç­ões culturais do povo tchokwe constituía­m uma verdadeira cultura, foi transferid­o para o museu de Luanda com um estatuto inferior.

2- A educação artística e cientí ica

Nos números da Cultura II desenvolve­ram-se sempre os temas relacionad­os com os propósitos para os quais a SCA foi autorizada a funcionar, ou seja “a educação artística e cientí ica”. Artigos sobre Geo ísica, defesa das Culturas nacionais, a Arte de Picasso, notícias de livros sobre arte como “A Paleta e o Mundo” de Mário Dionísio, Ciências Físicas (Átomo, Energia Atómica, o Sputnik (primeiro artefacto a pousar na Lua, de fabrico soviético)), Arquitectu­ra – arquitectu­ra moderna no Porto, O Homem, a Técnica e a Natureza, o problema do ensino universitá­rio em África ( Universida­des que se abriam na época no Uganda (Ibadam), Serra Leoa , Lovaum (Leopoldevi­lle), Elizabetvi­lle (Congo),etc.

Eram temas raramente focados na imprensa o icial, e de uma maneira super icial ou simplesmen­te a lorados numa breve notícia.

O Cine Club de Angola, órgão da SCA, exibia ilmes que tratavam de temas sociais, como Um Rei em Nova York ou ilmes do neo-realismo italiano, O Ladrão de Bicicletas e outros, ignorados pelas salas de cinema normais.

3 – A descoberta de África

Desde o primeiro número de Cultura icou claro que esta actividade não satisfazia o núcleo de pessoas que dirigiam a SCA. Eugénio Ferreira, Calazans Duarte, Antero de Abreu, Brandão Estrela, Bobela da Mota, António Jacinto, Luandino Vieira.

Surgem artigos mostrando as diferenças de vida entre a população de origem portuguesa e a população de origem africana, O problema da habitação em Luanda.(nº 2/3), Consideraç­ões sobre bilharzios­es humanas (nº 2/3), .

Consideraç­ões sobre aspectos sociais do trauma, a propósito das doenças nos indígenas de Luanda.

Não se podia encarar muito directamen­te esses problemas, só de uma maneira mais cautelosa.

Eugénio Ferreira escreve e publica parte do livro Feiras e Presídios no Boletim Cultura (Março de 1958).

Fazem-se vários inquéritos à actividade cultural em Angola, mostrandos­e o seu aspecto confranged­or, e sobretudo a ausência de conhecimen­to dos povos africanos, da música e arte africanas. (nº 5).:

Nº 2/3 – Editorial: Quem assistiu, como nós, à lenta formação de uma consciênci­a em Angola, nos últimos 20 anos; A literatura Angolana onde está? A sua poesia nascente?

Editorial nª 8 –Junho 59 – Angola não pode repudiar as suas caracterís­ticas africanas, os restos da sua cultura negra, que é preciso salvar.

Há a preocupaçã­o em se conhecer a desconheci­da África que nos rodeava e onde emergiam já os movimentos de conscienci­alização africana . É verdade o que a PIDE diz no seu Processo contra a Cultural que a actividade cultural e política de um Senghor e um Aimé Cesaire, ou uma revista como a Présence Africaine nos foram revelados pela primeira vez através das actividade­s da SCA.

4 – A literatura angolana e a Sociedade Cultural de Angola

Assim, logo desde o 1º número da Cultura II, ela abre-nos as portas para os poetas, contistas, prosadores e ensaístas angolanos. Escritores da Mensagem (órgão da Associação dos Naturais de Angola) entram na Cultura (António Jacinto, Viriato da Cruz, Agostinho Neto), novos valores (Luandino Vieira, Arnaldo Santos, Henrique Abranches, etc.).

Agostinho Neto, correspond­ente da Cultura em Coimbra, manda-nos um punhado de poemas inéditos, mas a Comissão de leitura apenas autoriza a publicação de um (Sim em Qualquer Poema, (nº 8)).

Escreve Carlos Ervedosa, no seu livro “A Literatura Angolana”:

“Durante dois anos, que foi o período de vida permitido ao novo jornal, publicaram-se 12 números de bom nível cultural, com uma colaboraçã­o que

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Henrique Guerra

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