Um jardim cheio de livros e sonhos
Diante de um auditório composto por pouco mais de duas centenas de crianças, estranhamente quietas e atentas, Priscila Ferreira, técnica da Biblioteca Nacional, ergue a sua voz maternal e faz gestos estendidos com os braços: ela está no Jango da Palavra, do Jardim do Livro Infantil, em Luanda, e conta a estória de um cão maltrapilho e abandonado, que se arrasta ameaçadoramente doente pelas ruas onde as crianças brincam despreocupadas.
Os petizes arregalam os olhos ante a narração da audácia do João, tão pequeno como eles, que decide levar o cão para casa e torná-lo seu e da sua família. Mas antes uma tia o convence a levar o cão à vacina contra a raiva e a dar-lhe um “valente” banho.
De modo subliminar mas indelével lá estavam passadas as mensagens: a solidariedade com os desvalidos da sorte e a necessidade da vacinação dos animais contra a raiva.
“Acabei de contar a estória do cão Cassinda, da autoria da Elga Salomão”, revelou Priscila Ferreira ao jornal Cultura. “Faço sempre algumas perguntas para me certi icar se as crianças estão ou não a acompanhar a estória. Geralmente elas icam fascinadas com as estórias”.
Priscila bene iciou de uma formação há cerca de três anos na Biblioteca Nacional, orientada por um especialista brasileiro e pela então directora Maria José Ramos. “No princípio eu era muito tímida mas com o tempo fui me desprendendo e icando mais à vontade”.
João Chipati, também funcionário da Biblioteca Nacional, foi igualmente um dos animadores do Jango da Palavra. “Recebemos crianças de escolas públicas e privadas, lares de acolhimento e creches. Além, naturalmente, de crianças acompanhadas pelos pais ou outros tutores. O Jardim do Livro Infantil ajuda as crianças a despertarem para o livro e a leitura e a não ficarem apenas ligadas aos jogos nos telefones caros que os pais tendem a oferecer-lhes”.
Outro espaço de muita animação na feira de Luanda foi a Tenda das Artes, onde a criançada ao mesmo tempo que brincava aprendia os rudimentos de algumas artes. Marques Domingos, professor e artista plástico, mostrou-se incansável a lidar com crianças dos dois aos 14 anos.
“Ensino as crianças a desenhar e a importância da representação grá ica. É muito complicado porque elas têm de ser ensinadas através da brincadeira. É brincando que elas se interessam e desenham de modo livre. A intenção é que elas ganhem a paixão pelo desenho e futuramente se interessem pelo aperfeiçoamento das técnicas”.
Remar envia crianças
Um grupo de 40 crianças da Remar conviveu longamente no Parque da Independência com outras de escolas públicas e colégios e, à saída para o autocarro de regresso a Viana, não escondiam a sua alegria. Carregavam nas mãos uns sacos com livros, camisolas e outras lembranças oferecidas pelo INIC e outros expositores.
“Gostei muito de ver os vários aspectos da cultura angolana. Ouvi estórias e ofertaram-me livros que vou já ler. A música também me tocou muito”, con idenciou- nos Francisco José, 14 anos, dois dos quais a viver na Remar.
“Adorei as danças, a música e os livros que recebi. Gosto muito de ler e nunca tinha visto tantos livros juntos”, disse a pequena Graça, 13 anos, há dois sob acolhimento da Remar.
Logística sem precedentes
Na sua oitava edição, o Jardim do Livro Infantil, um dos principais instrumentos da política de promoção da leitura e difusão do livro no país, centralizou de 26 a 29 de Junho as atenções da criançada e dos pais mais bem informados e interessados em todas as capitais de província. E nalguns municípios interioranos.
A logística não teve precedentes: o Ministério da Cultura distribuiu pelo país cerca de 200 mil cópias de livros infantojuvenis, incluindo de títulos novíssimos, acabadinhos de editar pelo Instituto Nacional das Indústrias Culturais (INIC), com tiragens individuais de 5 mil exemplares; mais de vinte escritores que dedicam parte ou a totalidade da sua obra às