Jornal Cultura

Reencontro com o folclore

- Sérgio V. Dias, no Cuito

Ocantor Sabino Henda Kapassete está a preparar uma série de obras folclórica­s que resultará em obra discográ ica, cujo lançamento “não tem ainda uma data em vista” pelas diculdades inanceiras com que se confronta. Natural de Camcupa, província do Bié, o jovem músico já se tornou numa das referência­s da música nacional, interpreta­ndo, fundamenta­lmente, temas na língua nacional Umbundu. Na primeira metade dos anos 80, Sabino Henda foi, ao lado dos malogrados José Machado “Mamborrô” e João de Assunção, bem assim como de Joseca, Gizela, Ângelo Boss, Impactus 4, Gingas do Maculusso e outros artistas piôs, uma das referência­s da música infantil no país. O cantor que se consagrou na música em 1980, aos nove anos, na sua terra na

tal, conta no mercado com as obras “Sobrevivo só”, “Hamiulo”, “Poeira velha” e “De lá para cá”.

Jornal Cultura – Sabemos que começou a cantar no início dos anos 80 ao lado de outras vozes infantis, com referência particular para o malogrado “Mamborrô”. Quando acontece, de concreto, a sua aparição como músico?

Sabino Henda – Consagrei-me como músico em 1980. A massi icação cultural teve mão na minha carreira artística, já que naquela altura havia essa possibilid­ade. A massi icação era notória em todas as províncias e recantos do país. Fruto disso, a partir daqui, do Cuito, Bié, forjei-me no mundo da música. JC – E como tudo começou?

SH– Através de programas da época. Consagrei-me em 1980, como disse atrás, e dali já não parei. Comecei a actuar com agrupament­os musicais, como os Proletário­s, e mesmo sem aparelhage­ns fazíamos muitas actividade­s. Posteriorm­ente tivemos uma aparelhage­m a partir da massi icação cultural que se fazia e isso foi o juntar do útil ao agradável. Fazíamos espectácul­os como banda, actuando de Cabinda ao Cunene.

JC – Depois da conquista do Top dos Mais Queridos de 2004, com a música “Embrião”, icou um tanto ou quanto desapareci­do dos palcos.

SH– Não. Nunca estive distante dos palcos. O que se passe é apenas uma estratégia de imagem, pois tenho aparecido pouco em actividade­s publicitad­as e noutras de grande vulto. Isso serve para realçar apenas que tenho aparecido, já que se parasse perderia um bocado aquele traquejo que é necessário para aparecer em determinad­os palcos. Parar, como tal, nunca parei.

JC – Nesses mais de 30 anos de carreira obviamente teve muitas conquistas.

SH – A década 90 foi bastante relevante para mim, porque ganhei quase todos prémios a nível nacional. Venci todos os concursos realizados em Luanda em

1999. Ganhei o Variante, a Canção de Luanda, a Canção da Luanda Antena Comercial (LAC), um festival dos direitos humanos. Em 2002 ganhei o Variante a nível nacional, depois o Top Rádio Luanda de 2003, obtive o terceiro lugar noTop dos Mais Queridos nesse mesmo ano e em 2004 consagrei-me vencedor desse concurso com a música Embrião, que faz parte do disco Hamiulo. Quase todos festivais intermédio­s a nível de Luanda até 2004 foram ganhos por mim. Esse facto orgulhou-me sobremanei­ra.

JC – Quantos discos tem lançados no mercado musical?

SH– Neste momento tenho quatro discos editados. “Sobrevivo só”, de 1995; “Poeira velha”, 1999; “Hamiulo”, 2000; “De lá para cá”, em 2004. O lançamento desse meu último disco coincidiu com a fase minha licenciatu­ra. A ideia era fazer coincidir a minha licenciatu­ra com o lançamento de um livro, mas acabei, todavia, por fazê-lo com o disco porque já estava na forja.

JC – Além de músico, é também militar. Pode falar-nos desse percurso.

SH– Sou marinheiro. Ostento a patente de tenente de Fragata na Marinha e sou lincenciad­o em Realções Públicas Internacio­nais desde 2004, pela Universida­de Privada de Angola (UPRA). Tenho o mestrado em Negócios e Finanças pela MBA (Marketing Bisnes e Administra­ccions), iz pós-graduação pela Évora, cuja defesa inicialmen­te prevista para Novembro fui forçado a pedir mais um semestre adicional para o fazer apenas no próximo mês de Maio.

JC – Como foi o seu percurso escolar até chegar a Luanda?

SH– Os meus primeiros anos escolares frequentei-os no Cuito, a capital da província do Bié, e posteriorm­ente prossegui os meus estudos na capital do país, Luanda.

JC – É fácil conciliar essas actividade­s com a música?

SH– Perfeitame­nte. A actividade militar é para mim muito educativa pela disciplina em si que esta impõe. Sou quadro da Marinha de Guerra desde 1987, aquando da formação das Brigadas Artísticas desse organismo a nível nacional. Fui convocado para a equipa que trabalhou para a formação dessas brigadas artísticas a nível dos ramos, um posto que ostento até hoje. JC – Tem algum disco na forja?

SH– Não diria disco como tal já, mas sim tenho uma série de obras folclórica­s. São obras de minha criação, de icção e de acontecime­ntos reais já preparadas, faltando apenas limar algumas arestas para entrarem em orquestraç­ão e posteriorm­ente em estúdio. JC – Quando pode sair esse disco?

SH– Perante as di iculdades que enfrento não é possível já antever uma data para o lançamento. Por isso, pre iro não prometer nada por enquanto, por não ser fácil a conclusão desse trabalho discográ ico.

JC – Mas que di iculdades se refere em concreto?

SH– Estas di iculdades começam pela base. Não temos nesse momento um mercado sustentáve­l que nos dê um rendimento favorável para se fazer um disco, daí que são necessário­s muitos apoios. Estes apoios às vezes tardam a chegar e consequent­emente isso di iculta a produção das obras. Não basta ter-se um produtor no mercado, é imperioso que haja entidades que invistam mesmo na música e de facto ajudem na edi icação de um novo mercado para a mesma. Sente-se, en im, alguma insensibil­idade hoje para se atingir esses objectivos no nosso mercado artístico. Portanto, não existem grandes produtores capazes de fazer um mercado da música rentável, em que se investe e vai-se buscar de seguida um retorno dos investimen­tos feitos.

JC – Fora da música e da actividade militar quem é Sabino Henda?

SH– Sou chefe de família, pai de cinco ilhos (uma menina e quatro rapazes) e vivo maritalmen­te. Nasci em 1971, no município de Camacupa.

JC – Orgulha-se de ter nascido nesse que é o ponto central do

país?

SH– Bastante. Julgo ser por essa razão que sou bem recebido em toda parte de Angola em que ponho os pés (risos).

JC – Como todo o músico, obviamente tem uma carreira marcada por altos e baixos.

SH– Efectivame­nte. Os momentos críticos resumem-se nas di iculdades com que me tenho confrontad­o, particular­mente no que se refere ao capital inanceiro para fazer o meu projecto musical seguir em frente. As pessoas as vezes olham para o Sabino Henda e pensam ser alguém que já está bem feitinho na vida. Na verda- de tem sido di ícil a minha actividade nesse campo da música. Por isso, é deveras lamentável quando se tem um projecto, pretende-se caminhar num sentido, mas devido a imperativo­s de vária ordem a pessoa vê-se obrigada a enveredar por outro, remediando a situação. Isso é muito di ícil para qualquer artista.

JC – E que momentos tem a destacar como bons?

SH– Os momentos altos resumem-se naquelas como a actividade que realizar no Bié, enquadrada nos festejos dos doze anos da conquista da paz no país. Convites como estes traduzem o reconhecim­ento do quanto, como artista, tenho vindo a fazer ao longo destes anos. Nesta actividade, que se realiza no Pavilhão do Sporting do Bié, aqui no Cuito, onde já actuei há mais de 20 anos atrás, posso passar o testemunho e experiênci­a a alguns músicos mais jovens que se forjam na actividade artística. Quero lembrar que na década de 80 eu era o único músico que representa­va o Bié nos grandes eventos musicais nacionais. Vezes sem conta eu não precisava concorrer nos concursos provinciai­s, porque não existiam músicos à altura para representa­r a província. Portanto, no começo da minha carreira no Bié conquistei vários prémios provinciai­s. JC – Isso é muito signi icativo para si.

SH– É óbvio. Depois da Independên­cia Nacional o primeiro artista a fazer espectácul­o com banda neste Pavilhão do Sporting, onde a 4 de Abril cantei de novo, fui, precisamen­te, eu. Isso traduz uma grande conquista para mim. Orgulha-me regressar a um palco aonde cantei há mais de vinte anos. JC – Sente-se realizado como músico?

SH– Neste prisma que acabei de caracteriz­ar sim, porque ainda estou de pé. Quero realçar que momentos como os de 4 de Abril último (cantar num palco onde actuei há mais de vinte anos) re lectem uma oportunida­de que me rejuvenesc­e cada vez mais. Permitem-me cantar o que gosto, passar a mensagem educativa, aquela que faz com que hoje sejamos reconhecid­os pelos nossos feitos.

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