Jornal Cultura

Poemas de Vasco Graça Moura

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Soneto do amor e da morte

quando eu morrer murmura esta canção que escrevo para ti. quando eu morrer ica junto de mim, não queiras ver as aves pardas do anoitecer a revoar na minha solidão. quando eu morrer segura a minha mão, põe os olhos nos meus se puder ser, se inda neles a luz esmorecer, e diz do nosso amor como se não tivesse de acabar, sempre a doer, sempre a doer de tanta perfeição que ao deixar de bater-me o coração ique por nós o teu inda a bater, quando eu morrer segura a minha mão.

(in "Antologia dos Sessenta Anos")

Um poema inédito

pois eu gosto de lombo e feijoada, favas e grão, e tudo o que indigesto me faz sentir um cidadão honesto na hora prandial e bem regada do tinto das colheitas a que presto a vénia palatal e reiterada, sem esquecer qualquer bacalhoada, troixas de ovos, pudins e tudo o resto que até pode provar-nos que algum deus a inal sempre existe e á cá dos meus e às vezes me aproxima do vinicius. e pode mesmo ser que não se morra assim da grande bouffe à tripa-forra, e se faça um soneto a esses vícios...

(publicado no JL, nº 1138)

Lamento por Diotima

o que vamos fazer amanhã neste caso de amor desesperad­o? ouvir música romântica ou trepar pelas paredes acima? amarfanhar-nos numa cadeira ou icar ixamente diante de um copo de vinho ou de uma ravina? o que vamos fazer amanhã que não seja um ajuste de contas? o que vamos fazer amanhã do que mais se sonhou ou morreu? numa esquina talvez te atropelem, num relvado talvez me fusilem o teu corpo talvez seja meu, mas que vamos fazer amanhã entre as árvores e a solidão?

(in “O Concerto Campestre”)

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