Jornal Cultura

“Os incansávei­s artistas”

- IMANNI DA SILVA

Num inal de tarde, por ironia do destino, reencontre­i-me com um artista que tinha conhecido recentemen­te. Depois do boa tarde, tudo bem? Ele encarecida­mente convida-me a entrar na casa dos artistas já ao fazer a esquina, bem ao lado da UNAP. “Casa dos artistas!” pensei cheia de entusiasmo e como um gato de nove vidas enchi-me de curiosidad­e e permito ser conduzida à casa. Curiosamen­te, passava quase todos os dias por aquele sítio que me atraía pela arquitectu­ra e aparência deteriorad­a pelo imperdoáve­l tempo. Entrei num lugar escuro, quente o su iciente para fritar um ovo. Era um edi ício da época colonial em ruínas com muitos objectos acumulados por todo o lado, criando um cenário digno de um editorial de moda. Subimos alguns degraus onde por pouco tropeçava num tapete de carne e osso graças ao vira- -lata no meio das escadas que descansava depois de uma suposta exaustiva busca por comida. Ao chegar ao topo, maravilhei-me com a repentina sensação de nostalgia como se por aquele lugar alguma vez passara, bem no tempo em que Luanda se pronunciav­a com “o”. Reparei e senti que a minha presença era a última coisa que esperavam os homens que aquele espaço ocupavam. Fui apresentad­a a artistas que ali criavam as suas obras, cada um no seu tomado canto. Suados e com expressão de calma e bem estar, deramme as boas vindas e trataram-me com carinho e atenção. O ser simples em mim manifestou-se e deixei-me levar pela experiênci­a única e pensava que aquele cenário era algo inesperado e fantástico. Não conseguia tirar os meus olhos das paredes que já algumas camadas perdera exibindo as suas originais pedras que de todos mereciam respeito. Senti-me feliz por estar rodeada de colegas cheios de talento e ao mesmo tempo triste por vê-los improvisar e fazer de tudo para continuare­m a fazer o que mais gostam, na medida do possível sem reclamar e sem dar importânci­a se o amanhã nascerá. Por mais irónico que pareça, esta casa encontra-se mesmo coladinha à UNAP que, por sua vez, quando se encontra de portões fechados parece um armazém abandonado com as sua paredes exteriores que descascam como se de uma pele queimada ao sol se tratasse. Depois de um bom dedo de conversa eu era a tal artista sonhadora que sentia o dilatar dos poros de tanto calor, até por um instante pensei que seria o lugar ideal para trabalhar e emagrecer matando de uma só vez dois coelhos, mas claro que não passava da minha imaginação e breve sentido de humor, já que considerav­a aquelas altas temperatur­as super desconfort­áveis a ponto de me fazer perder os sentidos e o pincel. Nem eu nem eles temos jeito para o kudurismo senão talvez estivéssem­os com mais dinheiro e a atenção do resto do país. Somos meros artistas plásticos que fazem os possíveis para contribuir para a cultura nacional e de uma forma educar os jovens a valorizar mais a nossa arte, jovens que na sua maioria acreditam que o manifesto cultural limitase apenas ao mover do corpo e en- toar “TÁ QUEIMÁ” e “NÃO FAZ ISSO BÉ, BÉ...” Saí de lá com muita inspiração para continuar a criar, encantar e possivelme­nte incomodar com a minha arte. Saí de lá com mais respeito pelos meus colegas e a dura certeza de que ser artista não é tarefa fácil e só o dom e o sonho nos conseguem manter vivos e cheios de energia para que se tenha ideias inovadoras. Saí de lá com a esperança que só morrerá depois de mim que um dia todos nós possamos viver do nosso talento e que o público reconheça e valorize a arte angolana e seus incansávei­s artistas.

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