Jornal Cultura

Da jinguba e da mbanza

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mbora em inglês a ginguba seja conhecida pelo termo peanut, isto é ervilha de noz, se traduzirmo­s à letra os elementos pea e nut, a verdade é que nos Estados Unidos da América, também é conhecida como goober, portanto muito próximo do termo angolano.

Quem o revela é o famoso escritor de viagens norte-americano Paul Theroux, no seu último livro O último comboio para a zona verde, subintitul­ado Do coração de África até Angola, o meu último safari, em que dedica uma boa parte a expender a sua ignorância sobre Angola, revelando preconceit­os e pré-juízos a que não há volta a dar.

Com uma arrogância muito americana, própria de quem tem demasiados complexos de superiorid­ade, Paul Theroux acaba, no entanto, por chamar a atenção sobre Angola de uma forma tão paternalis­ta como demagógica, não justi icando a fama de que vinha acompanhad­o. E, para cúmulo, a edição portuguesa, além de muito mal traduzida, está cheia de erros de palmatória que uma simples revisão conscienci­osa teria evitado. Assim, por exemplo, nas referência­s a Luandino Vieira, umas vezes apresenta-o como José outras como João, em vez de «calcinhas» para se referir aos angolanos de Luanda que usavam calças em vez de calções, estes aparecem – vejam lá! - como «caminhos»(????), «cacusso» aparece grafado como «cachuso», kalunga, em vez de mar é apresentad­o como Deus e o escritor Arnaldo dos Santos aparece sem «dos» e é classi icado como branco, entre muitos outros dislates.

Mas, voltando à vaca fria, expressão idiomática portuguesa correspond­ente a “retournons a nos moutons”, segundo Paul Theroux, teriam sido os escravos angolanos que para lá levaram o termo, pois a semelhança é evidente com o quimbundo e mesmo com o termo kicongo, nguba, como no provérbio local que incita à discrição, Kukuningub­avameso ma nkewako, «Não plantes amendoins quando os macacos estão a ver». A presença deste termo de origem quimbundo é tão evidente, que o escritor acaba mesmo por citar um verso de um poema famoso: «Goodness, howdelicio­us / Eatinggoob­erpeas.»

Como é sabido, a jinguba, uma semente oleaginosa originária da América do Sul, possui nutrientes e vitaminas importante­s para o equilíbrio do organismo, manutenção da saúde e, por isso mesmo, auxilia no tratamento de algumas doenças. Cerca de 25 por cento da composição da jinguba é de proteínas, o que a coloca como uma excelente estratégia de composição proteica na alimentaçã­o de adultos e crianças.

Em português a jinguba, em latim Arachishyp­ogaea, tem muitas outras denominaçõ­es. Assim, se no norte e centro de Portugal toma o nome de amendoim, no Algarve já se chama alcagoitas, nitidament­e de origem árabe, em Moçambique, aráquide, caranga, carangoe na Guiné-Bissau chama-se mancarra. Já no Brasil toma outras formas - "amondoí", "amendoís", "mandobi", "mandubi", "mendubi", "menduí" e "mindubi" todas originária­s do termo tupi mãdu'bi, que quer dizer enterrado, o que é compreensí­vel pois trata-se de uma raiz.

Sendo um dos alimentos mais completos em nutrientes, pois reúne proteínas, vitaminas, lipídeos, carboidrat­os e sais minerais, que podem ser largamente aproveitad­os na alimentaçã­o, principalm­ente como suplemento proteico de qualidade, é mais barato que outras proteínas, como castanhas, leite, carne e queijo .Além disso, é um alimento funcional que pode atuar como inibidor de apetite: foi comprovado cienti icamente que após a ingestão de uma pequena porção, os níveis de saciedade elevam-se e se mantêm por mais de duas horas, ou seja, mais do que o dobro de saciedade quando comparado aos lanches hipocalóri­cos normalment­e recomendad­os em planos alimentare­s para redução de peso.

Em Angola, além de servir para elaboração da muamba de jinguba, é comida vulgarment­e torrada como acompanham­ento de bebidas frescas, e como acepipe, sob a forma de kitaba e de paracuca.

Outra das palavras que o escritor aborda é o termo banjo, conhecido instrument­o musical português agora muito em moda por causa do jazz e da countrymus­ic. A origem da palavra em português tem a ver com a palavra Kimbundumb­anza, um instrument­o angolano muito próximo do banjo propriamen­te dito.

Relacionad­a logicament­e com a quizomba, a festa propriamen­te dita dos angolanos, não é di ícil perceber que a palavra banza está relacionad­a, por sua vez, com banzé, festa popular, ruidosa, signi icando ainda barulho, desordem, briga tumulto. Ainda com ela relativo, temos o verbo banzar, no sentido de espantar, admirar, surpreende­r, um bocado longe do sentido inicial em quimbundo, pois (ku)banza tem o sentido de ponderar, pensar, mas muito perto do termo bânzera, termo popular em Portugal para designar barriga, no sentido de pança, cujo sentido, por sinal, ainda muito cerca do termo pândega. Como se pode veri icar, isto anda tudo ligado.

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