LA PETITE VENDEUSE DE SOLEIL1 Um filme de Djibril Diop Mambéty
«Fazer cinema é simples, só temos que fechar os olhos», (ou «O essencial é invisível aos olhos», como dizia Saint-Exupéry). «Cada vez que queremos ver a luz, temos que fechar os olhos». Poderíamos cingir-nos a este conceito, pois o essencial está dito, não por mim, mas pelo senegalês Djibril Diop Mambéty, actor, realizador, produtor, guionista e poeta visionário de referência, falecido prematuramente em Paris, a 23/07/98, antes de terminar a trilogia intitulada Histoire des petites gens.
La petite vendeuse de Soleil é um ilme poético sobre os caminhos trilhados dia-a-diapelos meninos de rua, cuja coragem o autor homenageia. Sili Laam, a pequena heroína, é uma menina de iciente que se desloca com a ajuda de muletas. O realizador comenta, ilosofando, que a menina tem três de iciências, e não apenas uma: para além das limitações evidentes que lhe condicionam a marcha, é do sexo feminino e não tem qualquer maldade… Esta ina percepção expõe o coração de um homem inquieto e preocupadocom «essas pequenas pessoas», pequenas pela idade e pela falta de representação social, pela quase inexistência aos olhos dos outros. DiopMambéty, o poeta, lembra-nos ainda que «os pássaros não precisam de dinheiro algum», uma vez que esta trilogia gira também em torno do valor do dinheiro como moedade troca.
Nesta história esbarramos com seres invisíveis, que não queremos ver, porque não o conseguimos. Estas personagens universais abundam na literatura, re lexo de uma sociedade que transborda assimetrias, que toda a tecnologia de que dispomos hoje ainda não conseguiu erradicar completamente: quem não se lembra dos Capitães da Areia de Jorge Amado, do emblemático menino Gavroche, ( Os Miseráveis, de Victor Hugo), ou, mais recentemente, de Os Transparentes de Ondjaki?
Tais figuras, que se perpetuam na nossa memória e saltam das páginas dos romances para as nossas vidas, parecem porventura menos dignas de atenção quando se atravessam nas movimentadas estradas vendendo jornais, como os meninos do filme de Diop-Mambéty. Sili Laam chega a Dakar como pedinte, tentando arrecadar alguns magros tostões para o seu próprio sustento e o da avó, cega, com quem aprendeu a cantar e a contar histórias. Em Dakar é hostilizada e humilhadapor outros meninos de rua, jornaleiros, uma vez que invade o seu espaço, mas a firmeza que lhe falta nas magras pernas infantis sobra no seu coração. Determinada a competir e a conquistar o seu lugar ao sol, toma a iniciativa de vendê-los também, e vende precisamente o jornal«Soleil». A pequena vendedora «de Sol», não vende apenas notícias mas também oferece o seu sorriso luminoso, que fideliza cada vez mais compradores. Pouco a pouco vai-se afirmando num mundo masculino que lhe é vedado, resistindo como pode às ameaças e aos ataques dos concorrentes, com a ajuda de novos amigos e particularmente de um menino com quem vem a estabelecer uma ternurenta relação de confiança e cumplicidade,que a defende e acompanha em todas as circunstâncias. Sili Laam, a menina que não sabe ler nem escrever e assina com um sol, sabe contar histórias, e cantar, o que faz dela a mais doce das companhias.
O realizador que usa com mestria os grandes planos carregados de humanismo mostra-nos a sua visão poética destes pequenos seres que, não tendo nada a perder, não conhecem o medo. O seu olhar é suave e rebelde, com um ritmo único e uma noção do tempo transcendental, liberta de quaisquer convencionalismos. Djibril exprime um profundo respeito pelas suas personagens e resiste à tentação óbvia de uma abordagem paternalista ou lamurienta.
De salientar de igual modo a riqueza da banda sonora a cargo de Wasis Diop, seu irmão e artista multifacetado, que através da sua cumplicidade com o realizador e do envolvimento com a própria narrativa nos oferece aquilo que parece ser a perfeita tradução sonora de cada imagem, de cada momento, de cada emoção.
Uma curta-metragem envolvente, penetrante e angustiante, que repousa e vive em grande parte do e no olhar deste raio de sol prematuramente amanhecido, uma guerreira audaz que transforma a adversidade numa oportunidade de sucesso, que neste caso se confunde com a própria sobrevivência.