Kituxe e seus Acompanhantes
Começaram de tronco nu e adornados de missangas. Os bubús surgem por causa do clima frio lá na Europa, onde por várias vezes se izeram presentes. Era sempre de pano e ‘partoscorno’ e adornados de missangas, como é o trajar rigoroso dos ilhéus. Tal se viu bem no clip de “Nguitabulé”, que é o registo mais notório que nos chegou, surgido já na fresca década de 2000. “Nguindo ya Henda” (a trança da saudade) é outra das músicas que elevaram o grupo e izeram-no favorito do grande público, ainda no início, lá para 80, período em que se a irmam com o propósito de criar em Luanda um grupo com características tradicionais, profundo e brioso: Kituxe, Inó, Manuelito (morre em 82 e é substituído por Adãozinho), Chico Açucareiro e Antoninho.
Em 81 estiveram em grande no Hotel Penta, no Mussulo cruzaram ritmos com a brasileira Alcione, actuaram com presença marcante de Mano Dibango, idas consecutivas a Portugal e Brasil, registos dignos de memória em Moçambique, São Tomé, Gabão, Benim, Adis Abeba (festividades do 25 de Maio, Dia da África), Zimbabwe (onde fazem a fusão da música convencional e tradicional com a Banda Zimbo (integraram na caravana Beto de Almeida, Lourdes Van-Dúnem, Gaby Moy), um sucesso que obrigou a intervenção da polícia para impedir que os espectadores invadissem a banda. Ficou registada a música “Mu ilumba”. União Soviética, Alemanha (onde chegam a visitar o campo de concentração nazi), Bulgária, Hungria, Jugoslávia, Checoslováquia, África do Sul, Suécia e Dinamarca também conheceram a pegada da elevação do quinteto. No projecto Canto Livre de Angola, Kituxe vai fazer a representação do hungo no Brasil (ano de 83), na sala Cecília Meireles. Estiveram lá André Mingas, Martínalia, Martinho da Vila, Filipe Mukenga, Pedrtito, Dina Santos, Carlos Burity.
Uma vez, em 86, foram a Cuba para 15 dias e acabam por icar 52. Cuba icou extasiada, e lá mesmo receberam o convite para actuar na Nicarágua. Estiveram ao cuidado de Tani Narciso, que era o delegado cultural de Angola em Cuba. Foi uma grande surpresa. Quando saíam do hotel em direcção à sala de espectáculos, os cubanos queriam saber onde estavam os seus instrumentos, pelo que respondiam que não era preciso grandes arranjos electrónicos e que cada trazia consigo o seu instrumento. Os cubanos icaram admiradores, tanto que o director da Cuba Artística tentou insistentemente perante Tani Narciso a ver se dispensasse o grupo para mais um mês, um pedido diplomaticamente indeferido pelo delegado angolano.
Na Nicarágua foram actuar na então casa dum grande poeta, Rubem Dario. Kituxe e seus Acompanhantes estavam trajados de pele de animal e missangas, e só havia lá um negro: era da Costa Atlântica, um poeta e declamador. Deram ao grupo apenas cinco minutos, tempo para apresentar duas músicas. Subiram ao palco e acabaram por icar 45 minutos. Não queriam que saíssem. Acompanharam o negro da Costa Atlântica durante a sua declamação, que, de tanta emoção pelo ambiente em si e pela elevação artística que a fusão proporcionava, não conseguiu evitar as lágrimas. O poeta prontamente lançou um convite ao grupo para ir também à Costa Atlântica, o que não chegou a acontecer devido à falta de condições. Outro momento foi em 84, a convite da UNTA, em Benguela, quando houve um apagão e não pararam de tocar até que a luz foi restabelecida, episódio que
mereceu o seguinte título de chamada num dos jornais da época: “O Som
que venceu a escuridão”.
Quanto à evolução das bailarinas, por exemplo, Ilda da Costa e Maria Cardoso (irmã de Novato, do 1º de Agosto) são duas que izeram história no grupo. Maria é sempre recordada com distinção num espectáculo que aconteceu no São Luís, Portugal. Kituxe e seus Acompanhantes entram com uma bailarina enérgica. Neste dia o sutiã rebentou e a mesma em nenhum momento pensou em parar. Parecia estar “possuída” da noção identitária mucubal. Também convidados, desta vez os emblemáticos Kiezos não tiveram expressão. A sala aplaudiu de pé, efusivamente.
Kituxe
Morava no Marçal, bairro onde nasceu. Miguel Francisco “Kituxe”, o nosso interlocutor, começa a sua carreira artística quando contava ainda os seus oito anos, ixando a memória na data de 1948, tempos em que participava já como dançarino num dos grupos carnavalescos. À época o pai não gostava que o mesmo se envolvesse com as turmas carnavalescas, só a mãe sabia desta sua actividade, quase sempre seguida sorrateiramente de forma a não deixar que o pai percebesse, sob pena de sofrer algum castigo. Pintava e usava os panos às escondidas e tinha de estar em casa tão logo o relógio marcasse a hora 7 da noite. Os grupos saíam dos quartéis às 15 horas e iam dançar onde hoje está o Prédio Sujo, atendendo que a Avenida dos Combatentes vinha dar até ao prédio, junto aos estabelecimentos Sô Manaças, à loja e lagoa do Moreira e dos lados da residência da sonante Josefa Marçal (sua madrinha), que hoje já não existem. Tinha um gosto especial pela música nacional e pelo carnaval. Participa das turmas, surgidas nos anos 57, fundando, respectivamente, o grupo “Os Vagabundos do Ritmo”, que era composto por Kituxe, Zé Moreira, Antoninho Partoscorno e Artur da Cunha. O grupo tocava no Bairro Operário, no salão de festas cujo proprietário era o senhor Pedro Bonzela Franco. Utilizava uma grafonola, ajudada por um canudo para coar o som. O grupo acaba ainda em 57. Em 58 formam, com Pedro Gonçalves da Cunha, o Feitiço Negro. Também participaram neste grupo os nomes de Bibiano, Antoninho e Adão Labarba. Era um grupo criado com o propósito de enfrentar no carnaval o grupo carnavalesco Tuna 60. Nesta altura, o Antoninho também fazia parte do Ngongo (de Malé Malamba). Um pouco depois, foram surpreendidos com o 4 de Fevereiro de 1961, que obrigou a uma cessação dos ensaios. E pontua que foi mais ou menos nessa época em que entende melhor o cariz da Xicola ya Semba, também de Malé Malamba. Aliás, da sua ligação a Malé, conta que chega mesmo ao Fogo Negro (outro grupo criado por Malamba) a convite de Joaquim Plácido Faria “Joy”, o encarregado a tocar tambores naquele grupo.
Mas um pouco antes do Feitiço Negro terminar, relembra que ainda em 58 participam no festival Line África (que decorria na Liga Nacional Africana), no qual se consagraram vencedores. Participaram nesta edição o Feitiço Negro (à época ligado ao Botafogo), os Kimbandas do Ritmo e os Kissanjes. Lembra os nomes de Pedro Gonçalves da Cunha (viola), Kituxe (tocava tambor), Antoninho Partoscorno (bailarino), Adão Labarba (voz), Bibiano (puita). Em 61 o grupo termina, motivo que leva Joy a convidá-lo a integrar o Fogo Negro, como tocador de puíta. O Fogo Negro tinha acabado de chegar a Angola, vindo de uma visita a Portugal.
Em 62/63 participa efusivamente nas almoçaradas e jantares ao pôr-dosol que tinham lugar no Palácio onde o Ngola Ritmos também se fazia presente. À data, o Fogo Negro era constituído pelo Lino da Popa, Zé Rodrigues, Meli, Kituxe, Cirineu Bastos, Quino Morais e Morgado. Também izeram grandes digressões por algumas províncias, que destas recorda estar presente no dia do incidente de Olga Baltazar no Uíge, que caiu durante uma grande passada num atrelado adaptado como palco. Ela saiu ilesa. Recorda-a como uma grande bailarina de garbo e muito alegre.
Em 73 morre o Quim Jorge, do Ngongo (onde Antoninho e Manuelito actuavam), e Kituxe passa para o grupo a convite de Roldão Ferreira. Assume a puíta.
Em 75 é convidado pelo Kisangela para formar um grupo de bailado que pudesse estar presente nas festividades da independência de Moçambi- que. Prepara as moças e cria uma peça de dança e teatro cujo título era “A escravatura na plantação do algodão”. O acto de independência teve lugar no estádio da Machava. Nesse dia chovia. Agostinho Neto e toda delegação estavam sob a chuva miúda que caia, enquanto a bandeira do império português descia e a da afirmada nação moçambicana subia. Foi a sua primeira viagem ao exterior.
Em 1978, Kituxi e Kamoso são convidados a integrar a delegação angolana de partida a Cuba com vista a participar no 11º Festival da Juventude Estudante. Na correria da preparação, Kamoso perde-se e, assim, só Kituxe vai. Levou consigo o hungo e o kissange, na companhia do poeta António Jacinto, que era o secretário da Cultura. No regresso a irma-se mais ainda como tocador solista. Depois é convidado para o Festival Internacional de Expressão Ibérica que aconteceu no Porto. Leva consigo o seu hungo. Na viagem, a bagagem ica extraviada e perde o pau do hungu já em terras de Camões. Por momentos ica sem saber o que fazer, até que expõe o sucedido à organização e pede que lhe indiquem uma mata onde podar um pau. Lá foi, e encontrou um pau divino com que recompôs o hungu. A actividade decorreu sem sobressaltos.
Os seus acompanhates
Foi no regresso a Angola que “lhe caiu” a ideia da criação de uma orquestra de instrumentos tradicionais: ngoma, hungu, mukindu, marimba… Começou formando uma dupla com seu falecido tio (irmão da mãe), que inicialmente tocava o mukindu (vulgo bate-bate), um instrumento cuja função principal é marcar o compasso para introduzir o hungu. A ideia evolui com a chegada de Chico Açucareiro, seu vizinho no Bairro Marçal, amigo e co-fundador mais velho do grupo a quem os tempos futuros guardavam momentos de grande sucesso e fama internacional. Depois entra Inâcio Gonçalvez “Inó” a tocar ngoma (na altura também fazia parte do grupo de teatro da TEXTANG), Manuel João Baptista “Manuelito” a tocar dikanza (ainda era elemento do Ngongo). O duo dos amigos Kituxi e Chico fica assim transformado em quarteto: Kituxe e seus Acompanhantes, em Maio de 1980, no Marçal.
Como Inó se virava entre as funções de tambor solo e base (o que era muito cansativo), viram a necessidade de agregar mais um elemento. É assim que Antoninho entra para tocar tambor base e o grupo vira o quinteto.
Antoninho
Falecido no passado 21 de Junho, foi Inó que deu à notícia a Kituxe da morte de Antoninho PC ou Partoscorno, ex-futebolista da Associação Escola do Zangado, de nome de registo António Domingos de Oliveira. Efectiva-
“O hungo é a minha dama. Se a gente lhe tirar a cabaça, é uma arma de caça. Ele é típico instrumento musical devido à cabaça que lhe serve de caixa de ressonância”, diz Kituxe ao Cultura
mente, Antoninho deixa de tocar no grupo mais ou menos em 2002 e passa a exercer as funções de relações públicas. Amigos, viveram sempre no Marçal. Foi para Kituxe uma presença marcante na sua infância, sendo o amigo da tenra idade que o ajudava quando a sua mãe preparava o peixe para venda e ele tinha de trespassar os espetos nas sardinhas para que pudessem ficar de pé. Antoninho ajudava o amigo para ver se fossem brincar o mais rápido que pudessem. No Ngongo era sapateador/bailarino e vocalista. Criou um grupo de teatro na BCE. No Kituxe e seus Acompanhantes era vocalista em algumas canções e tambor base. Foi perdendo a “intensidade” e por algum tempo é substituído por Tolingas.
Do esqueleto inicial, Manuelito morre e Adãozinho o substitui na Dikanza, trazido pelo Inó. Chico Açucareiro morre e entra Gregório Mulato (irmão do Lamartine), com quem o grupo já mantinha grande amizade.