Inserção das comunidades
Como é sobejamente sabido, o FENACULT deverá mobilizar delegações artísticas e culturais do interior do país para a capital, Luanda, onde decorrerão as celebrações centrais deste marcante Festival, que já vai na sua segunda edição, além de que as províncias organizarão festivais nas suas capitais.
O que não seria menos interessante nesta grande montra da cultura angolana, é o FENACULT chegar às comunidades de base de cada município e comuna, onde as populações vivem embrenhadas na sua cultura naturalmente e não precisam de a irmar a sua identidade – como diria Amílcar Cabral – um problema que se coloca apenas às elites, algumas das quais em crise de identidade e buscam, incessantemente, a sua rea irmação cultural. Basta ver que, num dado momento privilegiado da nossa história, a literatura angolana traduz uma resposta e icaz à aculturação secular, assumindo um carácter instrumental contra o assimilacionismo alienante, na luta pela reconversão espiritual à angolanidade, em particular e da africanidade, em geral., por banda dos artistas e escritores “engagées”. O “Movimento vamos descobrir Angola” (1948) e o “Ngola Ritmo”(1947) são claros indícios dessa démarche identitária, no contexto do drama sóciocultural vivido pelo colonizado e no resgate dos valores culturais nativos.
Nestes termos, e entrando no mérito da questão que nos mobiliza hoje, aqui e agora, seria de bom augúrio que cada comunidade local tributária da angolanidade, na sua zona de origem pudesse expor ou exprimir para o público a sua realidade sócio-cultural, declamando, cantando e dançando; evocando e representando o vasto ilão da sua rica tradição oral, línguas, usos e costumes, músicas e danças locais, com base nos distintos ritmos que preenchem o imaginário nacional, como a rebita, em risco de extinção, o semba, o kilapanga, kazucuta, kalundemba, kuela, onhacho, ociyavekela, ocisõsi, etc.
Tal cenário traduziria um “espelho” das diversas comunidades culturais angolanas locais, a exemplo da Feira das Comunidades realizada nos inais do ano passado; experiência a todos os títulos proveitosa e uma mais valia, uma vez transposta para o terreno de origem dos implicados. Assim sendo, convivas e turistas poderiam desfrutar da realidade socioeconómica de cada município, paredes meias com o turismo cultural que tal desiderato proporcionaria, com angariação de fundos à mistura para potenciar o desenvolvimento regional, juntando-se deste modo o útil ao agradável.
Tal evento sobredito serviu não só para divulgar as mais diversas realidades locais, mas também o que está a ser feito em matéria de turismo (cultural) pelo país adentro e mesmo nas regiões mais recônditas do país. Quer dizer, para o nosso contexto, cada município expõe localmente uma amostra das suas potencialidades económicas, sociais, culturais e turísticas, bem como os projectos que estão a ser desenvolvidos ou em carteira, em matéria turística e/ou de ecologia cultural, tendo em atenção primeiro o homem – produtor e produto de cultura.
Num tal contexto local ou mesmo da feira, todos os municípios das 18 províncias teriam a oportunidade de representar as suas potencialidades materiais e espirituais, “in situ”, nomeadamente, artesanato, como seja, por exemplo, cestaria e olaria, que hoje por hoje emprega muito boa gente nas zonas suburbanas e rurais, permitindo a geração de rendimentos familiares, por um lado, e, por outro, mostrar aos forasteiros e turistas, o imenso manancial da nossa diversi icada riqueza cultural, real e imaginária, que as diversas localidades do país comportam. Os des iles de grupos carnavalescos locais que se exibem esporadicamente de ano a ano não seria negligenciável, sem prejuízo dos grupos de dança e música tradicional e, eventualmente, até moderna.
Os sons se repercutem nos meus ouvidos; os sons do Festival de Música e Dança Tradicional a céu aberto que tive a ventura de assistir em Fevereiro de 2013, em Malange, um dia depois do des ile do carnaval do ano passado ainda se repercutem nos meus ouvidos. Sinto os marimbeiros a tocar e as “kalumbas” a dançar, rebolando de forma frenética as ancas e a magnética da umbigada; assim como os bailarinos e tocadores das Lundas “convidados” à festa, interpretando e dançando a Chianda e seus demais ritmos característicos e danças originais. O toque da marimba é assinalável nas fronteiras intra-regionais do Leste e as terras de Kalandula, nomeadamente em Xá-Muteba, onde a interpretação se confunde com os artistas de Malange, dadas as suas a inidades históricas, culturais e até linguísticas. Igual cenário há-de registar-se nas zonas provinciais encravadas do país, re lectindo-se não só nas similitudes das músicas e danças, como nas variedades dialectais das línguas maternas, incluindo as linhas de transição imaginária entre um e outro (sub)grupo etno-linguístico, que não responde necessariamente à demarcação entre as províncias.
Num tal sonho do tipo arco-íris colorido de Setembro do FENACULT, do Kwanza-Norte e Sul também viriam ecos das referências da vibrante tradição local, da dança e música tradicional, como das demais províncias e municípios da província e do país.
Do Cunene, apesar de sofrer, de tempos s tempos, com uma forte estiagem e arrasadoras cheias que tudo levam, é possível divisar as suas riquezas materiais e imateriais, potencialidades em gado e produção agrícola, bem como projectos turísticos e não só. Da ponta Sul ainda emerge de cada município “o viver da cultura e a ultra- passagem da classe”, como diria o poeta. Apreende-se a sua diversidade económica e a variedade cultural, enfrentando com estoicismo, ora a seca prolongada, ora as cheias inclementes. Tais circunstâncias dramáticas não deixam de se re lectir no “modus vivendi” e nas surpreendentes manifestações artísticas das populações agro-pastoris, vivendo e sentindo intensamente as suas realidades especí icas dos seus municípios até ao tutano, bem como os projectos de turismo
(cultural) existentes ou já em marcha.
É mister assinalar que, as comunidades dos cunhamas, mucubais, mumuílas e nganguelas, etc., têm cada uma a sua especi icidade cultural, maneiras de cantar, dançar, de chorar, e também de rir diferentes; e não só choram as suas tristezas, mas sabem reviver as suas alegrias. Cantam e dançam as suas mais diversas expressões estéticas, traduzidas na linguagem gestual e/ou corporal, representações cénicas e nas artes plásticas. Prova disso é a ancestral cultura kuanhama que mobiliza a atenção dos antropólogos e artistas plásticos da modernidade. Re ira-se , a propósito o caso da máscara cokwe nas Lundas, no Leste, retratadas por Van e não só...
Portanto, o que é válido para as populações sofridas do Sudoeste de Angola serve para as províncias circunvizinhas de Benguela, Huambo, e Kuando-Kubango, para as demais províncias do país, do Norte e Leste do, para que localmente mostrem as potencialidades do seu município, bairro ou sanzala, dando assim a conhecer cada vez mais a riqueza espiritual deste vasto rincão geográ ico chamado Angola – Estado culturalmente diverso, mas uno e indivisível – conforme reza a Carta Magna, que sustenta formalmente a defesa da nossa CULTURA NACIONAL, nas suas mais variadas vertentes, matizes e nuances, ricas e enriquecedoras da alma angolana, de que o FENACULT será, decidida e francamente uma expressão viva; vivacidade e dinâmica criativas a serem encetadas em força nas diferentes actividades e realizações aprazadas para Luanda, de inais de Agosto até 20 de Setembro próximos, bem como nos festivais de teatro e dança nas capitais provinciais e no interior profundo, onde repousa, essencialmente, a matriz originária da nossa cultura bantu aberta aos aportes positivos da globalização do mundo hodierno.