Agostinho Neto Uma constância poética satírica anti-neo-esclavagista
O actual território angolano, espaço sub-equatorial – portanto de relativo fácil acesso para a sedenta Europa mercantilista – foi, na África ocidental, logo no im do século XV, a terra de predilecção para a captura da mão-de-obra escrava para o Golfe de Guine, a Península ibérica, as Américas e Caraíbas.
A laboriosa implementação da cessação do trá ico transatlântico dos “mwangoles “, constatada, um pouco antes dos meados do século XIX, e o cínico subterfúgio jurídico dado para a continuação desta exploração primitiva, com a instituição do trabalho forcado, con irmaram a preciosidade humana das terras da Rainha e dos Reis Nzinga.
E assim que a punção de braços angolanos, tornada di ícil para o além - Atlântico, continuara, no intra oceano triangular, precisamente para o Golfe de Guine, incrivelmente, ate aos plenos meados do século XX.
Toda esta evolução histórica, eminentemente, esclavagista e neo-esclavagista, deixara marcas indeléveis a todos angolanos e constituíra o fundamento do seu sentimento nacionalista e desejo de independência do pais.
E, um dos patriotas que será muito sensível a este desenvolvimento histórico, particularmente penosa da nossa historia, e o medico Agostinho Neto.
Este facto, verdadeiro pano de fundo da história de Angola, no sentido heleno, se encontra re lectido na acção política, na escolha económica e nas correcções sociais engajadas pelo líder do Movimento dos plebeus e Presidente da primeira Republica.
Encontra-se, sobretudo, na sua notável criatividade poética, - que e o perfeito re lexo da sua verdadeira personalidade.
Salientaremos, portanto, na presente análise, o realce feito pelo “Justo” de Kaxikane, na sua obra literária, sobrea longa articulação do actual território angolano ao trá ico intra e trans - Atlântico de madeira de ébano, oincompreensível prosseguimento de abusos, de toda a natureza, durante o período neo-esclavagista e as consequências sociais, propriamente dramáticas, ai derivados.
Limitaremos, a nossa análise, por razoes técnicas, a sete poemas do Presidente fundador da União dos Escritores Angolanos, tirados da preciosa “Sagrada Esperança ” e da póstuma colectânea “A renúnciaimpossível”. O contexto histórico E, a vivencia directa dos efeitos da aferrolhagem neo - esclavagista no seu tenaz Icolo e Bengo natal que vai in luenciar o muito sério aluno nas suas justas convicções contra o ultra – colonialismo português.
Com efeito, sente os danos devastadores dos abusivos impostos, das injustas trocas comerciais, a prepotência, a todos níveis, da administração colonial, o aperto policial, a rebaixamento da politica de assimilação, a aviltamento do estatuto de indígena, o severo malthusianismo escolar, uma justiça arbitrária e um patronato tirânico.
Agostinho Neto experimenta, igualmente, aí, na região dos dois rios, as condições de remuneração e sociais inaceitáveis da mão-de-obra rural.
Mais, a própria leitura da evolução da história de Angola, no seu sentido etimológico, feita, essencialmente, de esvaziamento humano e miséria social marcara, de initivamente, o jovem intelectual nacionalista.
Para ele, o “angolar” de tanga vestido e vendido e transportado nos insalubres porões das galeras, vergastado pelos homens, facilmente linchado nas grandes cidades americanas e caribenhas, bem humilhado ate ao pó e reduzido a farrapo. Condições sociais dramáticas Assim, os efeitos perniciosos sobre os niger angolanos de uma história pesada, feita de manilhas esclavagistas e contratos neo-esclavagistas, sobressaiam, natural e claramente, no poema “Adeus ahora da largada”.
A extrema pobreza em Angola, e perceptível através de crianças sem roupa, sem possibilidade de escolarização e sem equipamento de desporto.
O desespero e propriamente existencial, com os contratados, os novos escravos que, segundo a aterradora imagem metafórica do humanista - poeta, queimamvidas nos cafezais.
Neto, medico, deixa exsudar, um exame abertamente clínico da condição sub-humana dos seus patrícios. As suas vidas, sufocantes,abeiram num impasse manifestamente letal. São profundamente melancólicos e marcados pelo um persistente sentimento de grave indignidade. A única solução racional e o corajoso exílio nortenho.
São conscientes da sua sub – instrução, das vexações quotidianas a que estão sujeitos, da sua marginalização urbana e dos efeitos sociais devastadores do consumo excessivo do álcool sobre eles.
Esses explorados não conseguem alimentar correctamente os seus ilhos. Perderam a auto-estima e chegaram uma inferiorização autenticamente animalizante.
A exacta restituição da “Casa do Tio Tom”, pelo Poeta Maior, encontra-se no corrosivo poema “Civilização ocidental”, a orgulhosa cultura de referência mundial que, contraditoriamente, nas terras dos pobres “angoleses”, que cumpram “doze horas de trabalho escravo, ao sol e a chuva”, tolera, para eles, uma assustadora precariedade habitacional que provoca um desconfortoexcessivamente inumana e uma promiscuidadepropriamente imoral.
Como o alforriado Olaudo Equiano, Neto reponha, no seu poema “Fogo e ritmo “, os horríveis “Sons degrilhetas nas estradas” provocados pelas numerosas e intermináveis caravanas que veinaram, durante quatro séculos, o actual território nacional.
A necessidade de capturar cativos para essas colunas provocava, segundo o homem que “bem reencontrou Angola”, o surgimento nas pistas de “cheios de gente em êxodo de toda a parte”.
O humanista insiste a considerar, na antológica construção poética, bem voluntaria e genialmente melano-africana, “Noite ”, adesesperante condição dos seus compatriotas que vivem nos “bairros de escravos “.