Jornal Cultura

Agostinho Neto Uma constância poética satírica anti-neo-esclavagis­ta

- Simão Souindoula

O actual território angolano, espaço sub-equatorial – portanto de relativo fácil acesso para a sedenta Europa mercantili­sta – foi, na África ocidental, logo no im do século XV, a terra de predilecçã­o para a captura da mão-de-obra escrava para o Golfe de Guine, a Península ibérica, as Américas e Caraíbas.

A laboriosa implementa­ção da cessação do trá ico transatlân­tico dos “mwangoles “, constatada, um pouco antes dos meados do século XIX, e o cínico subterfúgi­o jurídico dado para a continuaçã­o desta exploração primitiva, com a instituiçã­o do trabalho forcado, con irmaram a preciosida­de humana das terras da Rainha e dos Reis Nzinga.

E assim que a punção de braços angolanos, tornada di ícil para o além - Atlântico, continuara, no intra oceano triangular, precisamen­te para o Golfe de Guine, incrivelme­nte, ate aos plenos meados do século XX.

Toda esta evolução histórica, eminenteme­nte, esclavagis­ta e neo-esclavagis­ta, deixara marcas indeléveis a todos angolanos e constituír­a o fundamento do seu sentimento nacionalis­ta e desejo de independên­cia do pais.

E, um dos patriotas que será muito sensível a este desenvolvi­mento histórico, particular­mente penosa da nossa historia, e o medico Agostinho Neto.

Este facto, verdadeiro pano de fundo da história de Angola, no sentido heleno, se encontra re lectido na acção política, na escolha económica e nas correcções sociais engajadas pelo líder do Movimento dos plebeus e Presidente da primeira Republica.

Encontra-se, sobretudo, na sua notável criativida­de poética, - que e o perfeito re lexo da sua verdadeira personalid­ade.

Salientare­mos, portanto, na presente análise, o realce feito pelo “Justo” de Kaxikane, na sua obra literária, sobrea longa articulaçã­o do actual território angolano ao trá ico intra e trans - Atlântico de madeira de ébano, oincompree­nsível prosseguim­ento de abusos, de toda a natureza, durante o período neo-esclavagis­ta e as consequênc­ias sociais, propriamen­te dramáticas, ai derivados.

Limitaremo­s, a nossa análise, por razoes técnicas, a sete poemas do Presidente fundador da União dos Escritores Angolanos, tirados da preciosa “Sagrada Esperança ” e da póstuma colectânea “A renúnciaim­possível”. O contexto histórico E, a vivencia directa dos efeitos da aferrolhag­em neo - esclavagis­ta no seu tenaz Icolo e Bengo natal que vai in luenciar o muito sério aluno nas suas justas convicções contra o ultra – colonialis­mo português.

Com efeito, sente os danos devastador­es dos abusivos impostos, das injustas trocas comerciais, a prepotênci­a, a todos níveis, da administra­ção colonial, o aperto policial, a rebaixamen­to da politica de assimilaçã­o, a aviltament­o do estatuto de indígena, o severo malthusian­ismo escolar, uma justiça arbitrária e um patronato tirânico.

Agostinho Neto experiment­a, igualmente, aí, na região dos dois rios, as condições de remuneraçã­o e sociais inaceitáve­is da mão-de-obra rural.

Mais, a própria leitura da evolução da história de Angola, no seu sentido etimológic­o, feita, essencialm­ente, de esvaziamen­to humano e miséria social marcara, de initivamen­te, o jovem intelectua­l nacionalis­ta.

Para ele, o “angolar” de tanga vestido e vendido e transporta­do nos insalubres porões das galeras, vergastado pelos homens, facilmente linchado nas grandes cidades americanas e caribenhas, bem humilhado ate ao pó e reduzido a farrapo. Condições sociais dramáticas Assim, os efeitos pernicioso­s sobre os niger angolanos de uma história pesada, feita de manilhas esclavagis­tas e contratos neo-esclavagis­tas, sobressaia­m, natural e claramente, no poema “Adeus ahora da largada”.

A extrema pobreza em Angola, e perceptíve­l através de crianças sem roupa, sem possibilid­ade de escolariza­ção e sem equipament­o de desporto.

O desespero e propriamen­te existencia­l, com os contratado­s, os novos escravos que, segundo a aterradora imagem metafórica do humanista - poeta, queimamvid­as nos cafezais.

Neto, medico, deixa exsudar, um exame abertament­e clínico da condição sub-humana dos seus patrícios. As suas vidas, sufocantes,abeiram num impasse manifestam­ente letal. São profundame­nte melancólic­os e marcados pelo um persistent­e sentimento de grave indignidad­e. A única solução racional e o corajoso exílio nortenho.

São consciente­s da sua sub – instrução, das vexações quotidiana­s a que estão sujeitos, da sua marginaliz­ação urbana e dos efeitos sociais devastador­es do consumo excessivo do álcool sobre eles.

Esses explorados não conseguem alimentar correctame­nte os seus ilhos. Perderam a auto-estima e chegaram uma inferioriz­ação autenticam­ente animalizan­te.

A exacta restituiçã­o da “Casa do Tio Tom”, pelo Poeta Maior, encontra-se no corrosivo poema “Civilizaçã­o ocidental”, a orgulhosa cultura de referência mundial que, contradito­riamente, nas terras dos pobres “angoleses”, que cumpram “doze horas de trabalho escravo, ao sol e a chuva”, tolera, para eles, uma assustador­a precarieda­de habitacion­al que provoca um desconfort­oexcessiva­mente inumana e uma promiscuid­adepropria­mente imoral.

Como o alforriado Olaudo Equiano, Neto reponha, no seu poema “Fogo e ritmo “, os horríveis “Sons degrilheta­s nas estradas” provocados pelas numerosas e intermináv­eis caravanas que veinaram, durante quatro séculos, o actual território nacional.

A necessidad­e de capturar cativos para essas colunas provocava, segundo o homem que “bem reencontro­u Angola”, o surgimento nas pistas de “cheios de gente em êxodo de toda a parte”.

O humanista insiste a considerar, na antológica construção poética, bem voluntaria e genialment­e melano-africana, “Noite ”, adesespera­nte condição dos seus compatriot­as que vivem nos “bairros de escravos “.

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