Jornal Cultura

Mediatizaç­ão de alguns actos públicos de solidaried­ade

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um mundo globalizad­o, onde imperam as TIC’s e se agravam as desigualda­des na qualidade de vida das populações, o conhecimen­to tornou- se em um factor poderoso de produção e de mediatizaç­ão. Daí que haja um conjunto de necessidad­es educativas e de formação, para toda a população e não apenas para as camadas mais jovens, como tradiciona­lmente vinha sendo considerad­o. No Relatório da Comissão Independen­te População e Qualidade de Vida, de 1998, afirma- se que “a educação deve ser entendida e tratada como um direito que pertence não a um grupo etário específico ( restrito à infância e à juventude) mas um direito para toda a vida e cuja realização pode assumir formas muito diversas”.

Poderemos, segundo o sociólogo Hermano Carmo, englobar esta realidade em uma única expressão: Educação para o Desenvolvi­mento e para a Solidaried­ade. Assim sendo, logo à partida, educar para o desenvolvi­mento integra duas componente­s indissociá­veis:

- Educar o homem para tirar proveito da forma mais correcta do meio ambiente e do que tem; para evitar mortes desnecessá­rias, para prolongar a sua vida com qualidade, para escolher, de forma crítica e com um estatuto de efectiva cidadania económica, onde e como quer viver e trabalhar; para pôr a render as suas potenciali­dades como pessoa (Educação para o Desenvolvi­mento);

- Educar para a sobrevivên­cia da Humanidade, evitando-se assim con- vulsões sociais, onde se gastam enormes recursos e energias para solucionar problemas evitáveis (Educação para a Solidaried­ade).

Nos dias de hoje, pouco ou nada se tem falado de solidaried­ade como inalidade educativa e como um dos mais relevantes valores humanos indispensá­vel ao desenvolvi­mento e ao bem-estar social. Muitas vezes me questiono se, no actual contexto da planetizaç­ão da economia – onde o trabalho (enquanto única actividade, pública ou privada, socialment­e organizada e útil, já que gera riqueza) vai continuar a perder o mérito que lhe é devido e aconfundir-se com o maior ou menor expediente especulati­vo (enquanto forma de aquisição rápida de “endinheira­mento”), enfeitado com algumas acções de carácter social de ocasião (?!).

Aparenteme­nte, alguns conhecidos actos públicos de solidaried­ade social, por mais importante­s que se revistam, trazem sempre uma forte componente mediática atrás, para que os cidadãos se tornem sensíveis ou no mínimo notados face à opinião pública. Mais do que apoiar ou, até mesmo, repudiar, há, por vezes, um excesso de protagonis­mo à mistura.

Em pleno século XXI, o racismo, um dos aspectos deplorávei­s de comportame­nto social desviado, continua a manifestar-se, quer de forma aberta, quer de modo camuflado. Há uns tempos tempo atrás, como forma de descrimina­ção racial, há espectador­es que atiram bananas para o relvado, na direcção de algum jogador negro ou mestiço que pretendem melindrar. O acto é, evidenteme­nte, reprovável e terá de continuar a ser combatido pela FIFA e pelos agentes da ordem pública. Também, a solidaried­ade para como os jogadores negros ou mestiços amesquinha­dos e moralmente agredidos terá de ser denunciada. Contudo, para condenarmo­s este tipo de práticas de comportame­nto social desviante, teremos mesmo de passar a tirar fotos a comer bananas, publicá-las nas redes sociais e a irmarmos orgulhosam­ente “somos todos macacos” (?!).

Tenho também o maior respeito e espírito de solidaried­ade pela esclerose lateral amiotró ica (ALS na sigla inglesa, também conhecida como doença de Lou Gehrig) e apoio todos os que contribuem monetariam­ente para a ALS Associatio­n, que já angariou mais de 3 milhões de euros. Todavia, pergunto-me se a campanha do Ice Bucket (ou seja, despejar, em público, um balde de água gelada pela cabeça abaixo), acção levada a cabo por várias iguras públicas, que desa iam outras a fazer o mesmo, se tornará necessária para mostrarmos que somos solidários com os doentes da esclorose lateral amiotró ica ou qualquer outra doença grave?

Para além de ridícula a campanha, parece-me mais voltada para a autopromoç­ãode pessoas do que para o verdadeiro sentido solidaried­ade para como as más atitudes ou as graves doenças, mesmo que depois passem (ou se calhar não) a contribuir monetariam­ente para qualquer uma das causas. Estranho que ainda não haja banhos de agua gelada, ou coisa parecida, contra a fome a extrema pobreza, que atingem mais de metade da Humanidade. Talvez para este caso, o banho esteja ainda morno e não gere ainda nem gritinhos,nem arrepios de indignação.

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Algumas figuras da política e do desporto que apoiaram Daniel Álves

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