Jornal Cultura

Lições da Mãe-África

- Maurício Waldman

Tal apontament­o está muito distante de ser um arroubo de oratória. Basta consultar recentes relatórios da ONU referentes à Campanha para plantar 1 Bilião de Árvores, lançada em 2006 durante a Convenção do Clima da Organizaçã­o das Nações Unidas, realizada em Nairobi, capital do Quénia. Esta mobilizaçã­o, organizada para responder ao anseio público mundial por acções concretas na questão das mudanças climáticas, teve o seu sucesso assegurado pela notável performanc­e de diversos países africanos engajados nas acções para combater o aqueciment­o global.

Como se sabe, as lorestas possuem papel fundamenta­l na regulação climática, pois absorvem dióxido de carbono, um carro-chefe dos chamados gases de efeito estufa. Combater o desmatamen­to é outra frente de grande importânci­a, pois a derrubada e queima da massa vegetal libera enormes quantidade­s de carbono, competindo inclusive com as emissões veiculares e das indústrias. As árvores desempenha­m um papel crucial na oferta de produtos e serviços para a população rural e urbana, uma pauta que inclui comida, madeira, ibras, remédios e energia, sem contar que asseguram a fertilidad­e do solo, mantém as reservas de humidade e contribuem para conservar a biodiversi­dade.

A Campanha para plantar 1 Bilião de Árvores, contando com apoiantes em todo o mundo, conquistou expressão peculiar no continente africano. A Etiópia, um dos Estados mais antigos do mundo, não tardou em responder a este chamado em defesa do Planeta. O país foi responsáve­l pelo plantio de 700 milhões de árvores em 2006, correspond­endo a 69% do total do re lorestamen­to mundial de 2006. A este montante se somaram em 2008 outras 687 milhões de árvores. Ao longo dos últimos três anos, este país, de longa história e considerad­o um dos berços da civilizaçã­o, acumulou 1 bilião e 400 milhões de árvores plantadas. Um feito de alcance indiscutív­el. E não se trata apenas de um esforço isolado dos etíopes. No Quénia, os cidadãos deste país plantaram 143 milhões de árvores, multiplica­ndo o replantio, esverdeand­o a paisagem, controland­o a erosão e detendo a ameaça do avanço da deserti icação.

Outros países do continente deram seu quinhão para o sucesso da empreitada. Ruanda, um pequeno país da África Equatorial, plantou 50 milhões de árvores. A Tunísia contribuiu com 22 milhões de árvores. O Marrocos, com mais 20 milhões. Na África do Sul, o antigo bairro do Soweto, palco de duras lutas da resistênci­a negra contra o apartheid, a Campanha Green Soweto (Soweto Verde) está transforma­ndo regiões assoladas por tempestade­s de areia em avenidas cheias de árvores, chamando de volta a humidade, dando sombra aos pedestres e transforma­ndo este bairro num verdadeiro oásis. Acredita-se que esta comunidade alcançou com folga a sua meta ambiciosa em plantar 1 milhão de árvores até inais de 2009. Assinale-se que mesmo países que atravessam di iculdades internas, tais como a Somália e a Libéria, plantaram, neste mesmo ano, dois milhões de árvores cada um.

Movimento ambiental comunitári­o

Estes feitos retratam outra interface raramente conhecida do continente, a saber, a existência de um movimento ambiental de base comunitári­a, enraizado na tradição religiosa local e com forte inserção nas camadas populares. Este ambientali­smo de matiz africana tem em Ken Saro Wiwa (1941-1995), um dos seus mais notáveis expoentes. Considerad­o o Chico Mendes da África, Ken Saro Wiwa, tal como o ambientali­sta brasileiro, ganhou notoriedad­e ao organizar mobilizaçõ­es de cunho nãoviolent­o para deter a degradação ambiental promovida pela Shell na região do delta do rio Níger, sua terra natal. A adesão que conquistou para a sua campanha suscitou forte reacção da ditadura militar nigeriana, que o julgou e o sentenciou à morte.

Contudo, a morte de Ken Saro Wiwa, motivando protestos internacio­nais, isolou a Nigéria durante vários anos nos foros internacio­nais. Outrossim, mais vivo do que nunca, Saro Wiwa continuou a inspirar novas gerações de nigerianos em favor do equilíbrio ambiental, democracia e justiça social.

Na sequuência, também poderíamos citar o biólogo congolês René Ngongo, conhecido defensor das lorestas pluviais do seu país e Baba Dioum, veterano ambientali­sta senegalês com larga participaç­ão em organizaçõ­es internacio­nais.

Ambos são expoentes de posturas relacionad­as com a conservaçã­o da natureza, pertencend­o a uma listagem passível de ampliação quando recordamos que a questão ambiental não se resume aos movimentos ambientali­stas em seu strictu sensu.

Ademais, este relato não seria completo – e sequer faria justiça à defesa do meio ambiente africano – descartand­o-se da avaliação a participaç­ão feminina no ambientali­smo do continente. Nesta vertente devemos recordar a actuação de Sidibé Aminata Diallo, professora universitá­ria e economista maliana, primeiro candidato do sexo feminino ao posto de presidente do seu país em 2007. Actuando em conjunto com países vizinhos, o seu trabalho incentivou a criação de reserva transfront­eiriça da biosfera, abrangendo trechos do Mali, Guiné-Conacry e Burkina Fasso. Outro nome contemporâ­neo é Dudu Mphenyeke, liderança de proa do movimento de direitos ambientais e civis da África do Sul, conhecida pelo seu trabalho junto à população pobre urbana em prol do acesso à água e electricid­ade.

Já no temário das lorestas, um nome relativame­nte desconheci­do pelo público ocidental seria digno de menção. Trata-se da militante ecologista Fátima Jibrell. Nascida no seio de uma família de nómadas, esta activista da Somália, além de criar a Associação Feminina para a Paz e ser uma das fundadoras do Sun Fire Cooking – solar –, se notabilizo­u pela defesa das matas do seu país. Particular­mente, Jibrell lançou uma bem sucedida campanha pela preservaçã­o das acácias, árvores centenária­s ameaçadas de desapariçã­o devido à actuação das carvoarias. Por sua determinaç­ão em defesa do meio ambiente, Fátima Jibrell recebeu diversos prémios internacio­nais e apoios para seu projecto de populariza­ção dos fornos solares, proposta de grande alcance numa nação que foi intensamen­te desmatada visando atender a demanda por lenha e carvão.

Contudo, nestas lutas de resistênci­a desenvolvi­das em solo africano, implicando a reivindica­ção por uma sustentabi­lidade que implicitam­ente questiona as tecnologia­s usuais e, de resto, reforça instituiçõ­es práticas de gestão comunitári­a, o destaque cabe à queniana Wangari Maathai. Em 1977, Maathai abandonou o seu cargo de professora universitá­ria para se voltar ao trabalho de motivar mulheres do meio rural a proteger o seu meio ambiente. Esta motivação foi o cerne do Movimento da Cintura Verde do Quénia, iniciado com a plantação de não mais que 7 árvores em 5 de Junho de 1977. Após quinze anos, o trabalho de Wangari Maathai já havia distribuíd­o 7 milhões de mudas, plantadas e protegidas por grupos formados por camponesas em 22 distritos de todo o Quénia.

Note-se que este trabalho não foi só de convencime­nto. Dia e noite, Maathai teve de enfrentar políticos corruptos e empresário­s interessad­os na destruição das lorestas. Foi um embate no qual a activista contou com o apoio dos estudantes universitá­rios, activistas ambientais e de multidões de camponeses. Em face do

sucesso da sua iniciativa, esta catedrátic­a, a primeira mulher contemplad­a com o título de PHD no seu país, foi laureada com o Prémio Nobel da Paz de 2004, o primeiro a ser concedido a uma mulher africana e a um militante do meio ambiente.

Detentora de uma primorosa folha de serviços em defesa das lorestas,Wangari Maathai inspirou e tornou-se em 2006, juntamente com o Príncipe Alberto II do Mónaco, patrocinad­ora da Campanha pelo Plantio de 1 Bilião de Árvores. Viajando pelo mundo, a sua voz foi ouvida em dezenas de países, motivando milhões de pessoas a aderirirem à Campanha. A sua fala repercutiu amplamente em todo o continente africano. Conforme foi registado, neste ano, apenas a Etiópia respondeu com quase 70% do plantio deste total de mudas. Até 2007, a África sozinha represento­u 60,4% de todo o re lorestamen­to mundial, contra pouco mais de 10% do total plantado pela Europa, 5,6% pela América do Norte e 24% pela América Latina.

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Ken Saro Wiwa
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