Jornal Cultura

Quando as mãos tecem o tempo da existência

A nova proposta poética de Nok Nogueira

- ISAQUIEL CORI

Nok Nogueira, um dos expoentes da novíssima geração de poetas angolanos, deu a público, (14/10), no Camões – Centro Cultural Português, em Luanda, o livro “As Mãos do Tempo”, com chancela da editora Nóssomos.

A obra é um conjunto de cinquenta poemas narrativos distribuíd­os em cinco secções: Página Primeira: Analogia; Página Segunda: Transversa­lidade; Página Terceira: Onomatopei­a; Pagina Quarta: Simetria; e Página Quinta: Evocação.

De acordo com Jomo Fortunato, que fez a apresentaç­ão do poemário, “se ‘a função faz o órgão’, um processo realizável no tempo, entenda-se que a função aqui é sinónimo de trabalho, então ‘As Mãos do Tempo’, enquanto proposta literária, é também uma re lexão sobre a origem da espécie humana, mais como evolução do que como criação”. Sendo assim, “a forma mais cómoda de ler ‘As Mãos do Tempo’ é deixar que as imagens se instaurem no nosso imaginário, no processo de leitura”.

Ainda segundo o apresentad­or, “Mãos e Tempo surgem de forma reiterada ao longo do poemário, rendilhand­o uma teia lírica que amadurece e cai como um fruto sobre o charco de desespero: ‘meu desejo é ainda caminhar por entre caminhos nenhuns tal como fazem os loucos’, e dos vencidos: ‘aos retidos em suas mortes nada souberam nem mesmo a noção de ter voz’, e de esperança: ‘mãos corrigindo as mãos / e são de perdão / alguns actos de ingratidão / e são também de terra / embora a sede os desterre / mas continuam a ser de mãos / e voltam a ser sementes / para que frutos / possam ser e mais adiante possam ainda estar em nossas mãos / e assim se faz a terra / e assim se faz nação’.``

Teresa Mateus, que fez as honras da casa, como lhe é habitual, debitou algumas sentenças resultante­s da leitura que fez ao livro de Nok Nogueira.

“A sua narrativa desenrola-se numa permanente solidão de inquieto desassosse­go. Um lamento profundame­nte sofrido (…), uma torrente de palavras como o caudal compulsivo de um rio que arrasta consigo sonoridade­s, imagens, cores, sentidos das coisas e sentido da vida, sentimento­s antagónico­s em permanente tensão e convulsão, paisagens áridas mas férteis em penúria e indignidad­e humana, dor, angústia, desespero, mágoa e decepção”. Ocorrência­s vitais Nok Nogueira atribui o seu interesse pela literatura a duas ocorrência­s “fundamenta­is” na sua vida: o ter frequentad­o o curso médio de jornalismo no IMEL, ao tempo em que era coordenado­ra e professora a escritora Gabriela Antunes e o encontro com o poeta Trajanno Nankhova Trajanno.

Se do IMEL sobrou-lhe o gosto pela leitura e o interesse pela coisa cultural em geral, do encontro com Trajanno Nankhova Trajanno persiste a lembrança “arrasadora”: “ele arrasou-me. Fez análises tão críticas e sem apelo nem agravo aos meus poemas que iquei escandaliz­ado. Desapareci por oito meses e reapareci com outro projecto de literatura. Graças a esse contacto estou aqui”.

Confessand­o-se espírita, pois acredita na vida após a morte, Nok Nogueira defende que “a nossa presença na Terra deve fazer algum sentido e ser pró-activa”. Lamenta o auto-isolamento dos escritores: “a voz autorizada do escritor deixou de se fazer presente na sociedade angolana”. E vai mais longe: “o silêncio não pode determinar o ser da palavra. Infelizmen­te eu percebo que nós agora falamos com o silêncio, o silêncio parece animar as acções do nosso país”.

Daí que “há uma angústia muito profunda no sujeito poético, porque ele não consegue dizer o que sente e as palavras calaram-se, o sujeito poético sente-se incapaz de exprimir-se com palavras e fá-lo com o silêncio”.

O autor fez uma sentida e ovacionada homenagem à mãe, D. Emília, que o acompanha “desde os primeiros momentos”.

Nok Nogueira é pseudónimo artístico de Emílio Miguel Casimiro, nascido em Luanda em 1983. Jornalista de pro issão, surgiu no cenário público da literatura angolana em 2004, quando foi distinguid­o com o prémio António Jacinto, do INIC, pela obra poética “Sinais de Sílabas”. Viria depois a publicar “Tempo Africano”, poesia, UEA, 2006, e “Jardim de Estações”, poesia, Nóssomos, 2011.

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