Jornal Cultura

A representa­ção da prostituiç­ão na ficção narrativa angolana (Notas para um estudo de caso do conto “A resignação”, de Aristides Van-Dúnem)

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mité Central do MPLA e secretário-geral da UNTA até 1977. Mais tarde exerceu o cargo de director nacional dos Petróleos e administra­dor do Estado junto da Re inara de Luanda. A morte apanhou-o vítima de prolongada doença, exercendo o cargo de embaixador de Angola no Zimbabwe.

Membro fundador da União dos Escritores Angolanos, publicou dois livros sob essa chancela, entre os quais “Estórias antigas”, de que se extraiu o texto em apreço neste breve discorrer. Apesar da resignação e do nojo da vítima

São vários os núcleos temáticos em que assentam as matrizes discursiva­s da literatura angolana, com enfoque para as mais diversas manifestaç­ões da actividade social e humana, como o trabalho braçal, a prostituiç­ão, o alcoolismo, o feitiço, a religião e a luta nacionalis­ta, incluindo o futebol.

No que à matéria em apreço diz respeito, são vários os poemas que izeram e fazem apelo ao tema para pintar essa chaga da sociedade angolana, num subúrbio da capital, localizado sobretudo na zona de fronteira entre o areal vermelho do musseque e o asfalto da baixa, mais rigorosame­nte falando no Bairro Operário (B.O.); relíquia da sociologia urbana que o camartelo ameaça devorar, com todas consequênc­ias deletérias para o burgo luandense, alterando a sua geogra ia humana e emocional, que os poetas e prosadores pintaram, os pintores retrataram e os músicos cantaram o encanto. Não seriam para aqui chamados o Ngola Ritmos ou o Henda Xala e demais herdeiros da vibrante tradição artística angolana.

No seu conto “A resignação”, Aristides Van-Dúnem, iel depositári­o dessa tradição pinça, com penetrante rasgo sociológic­o, o enredo da pobreza material e da indigência espiritual, bem como da prostituiç­ão, mal social subjacente, situando a sua prática num torrão privilegia­do e famoso, no B.O., onde uma menora de 13 anos é forçada a dedicar-se ao vício ruim pela tia, a pretexto de aumentar o pecúlio do mísero orçamento familiar, dando largas aos seus caprichos mais abjectos e aos demais vícios praticados em casa e cercanias, como o alcoolismo.

A tia coloca a sobrinha a envolverse com os distintos clientes que frequentam a casa, tirando proveito inanceiro da situação, quando a menora sente-se resignada, apesar de não poder contrariar a sua tutora, pois os seus pais há muito haviam falecidos.

Entregue a um familiar mais directo, uma tia, a adolescent­e não teve melhor sorte, senão a prática da velha pro issão do mundo, de que a dona da casa já era antiga e vacinada praticante, com cartão de sanidade à mistura. Presume-se(!) da releitura - conforme era moda no tempo em que ocorre a acção/situação.

Paisagens pícaras evoluem no tempo e espaço traçadas a lápis, régua e esquadro, por A. Van-Dúnem, com talento e mestria- diga-se de passagem.

A dinâmica psicológic­a das personagen­s é o gancho tipológico de igurões, iguras e igurinos, sem prejuízo do detalhe da descrição, a trave mestra da sua narrativa discursiva. A ameaça e o medo por represália­s é um deles.

A chantagem exercida pela família desestrutu­rada no contexto da sociedade colonial urbana está retratada neste diálogo, salpicada da linguagem coloquial do musseque, que fez escola na Geração da Cultura nos anos 50 e subsequent­es, expressa através da recorrente corruptela "num" (não), entre outros empréstimo­s e coloquiali­smos: “- Ela é capaz de num aceitar!...

- Num aceita, ela porventura aqui manda? Aqui não manda nada. Ela concerteza num sabe aonde é que costuma sair o dinheiro para ela comer e vestir? As outras é que vão continuar a abrir as pernas para ela comer e vestir?”

E eis, logo de seguida, a expressão mais abjecta da chantagem a que a orfã é submetida:

“Ela tem coisa de ouro num é? Se tem coisa de ouro e num pode abrir as pernas para ganhar (a vida), quando é que ela vai pagar então o que gastamos com ela?... Diga lá”- interrogou-se a tia, cobrando a factura de um conto de reis paga pela sua guarda.

Segundo o narrador tinha chegado a hora de “Inês pagar o que se tinha gasto com ela durante quase uma dezena de anos”. O “véu da virgindade” e a exploração sexual de menores

A módica factura pela ruptura do hímen da sobrinha havia sido ditada à ditacuja vítima pela tutora, Sã Antó-

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Escultura de Acácio Videira

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