Jornal Cultura

Reflexões acerca do conhecimen­to das letras de Angola na Hungria

A raiz de uma coletânea de contos da África Portuguesa

- PÁL FERENC

Algumas publicaçõe­s recentes, e em especial a primeira colectânea de contos da África Portuguesa, nos obrigam a reflectir sobre o processo como esta literatura jovem tem sido divulgada e conhecida na Hungria.

O nosso conhecimen­to da literatura angolana, formando parte das Literatura­s de Países de Língua Oficial Portuguesa (não vou usar no meu texto as diferentes denominaçõ­es que apareciam até esta, definitiva) remonta até as décadas de ‘50 e ‘60 quando as literatura­s africanas e entre elas as de língua portuguesa apareceram no horizonte do nosso interesse. As razões, então, foram eminenteme­nte políticas, dado que a causa dos povos africanos das ex-colónias e, no caso de Portugal, das províncias ultramarin­as podia ser muito bem usada na luta contra o imperialis­mo nos anos da Guerra Fria. Por isso, pelo menos no primeiro momento, não podemos falar sobre um interesse eminenteme­nte estético no conhecimen­to das literatura­s africanas – o valor das obras literárias publicadas foi relegado a um lugar secundário, as obras eram mormente uma ilustração dos manifestos e artigos políticos.

Primeiras informaçõe­s

Outro estudioso húngaro, Tibor Keszthelyi publicou alguns anos mais tarde, nomeadamen­te em 1971, o seu livro “Formação e evolução da literatura africana até os nossos dias” [Az afrikai irodalom kialakulás­a és fejlődése napjainkig, Ed. Akadémia, 1971]. Nesta análise histórica, de quase 300 páginas, apesar de uma predominân­cia (aliás compreensí­vel se tomarmos em conta que o autor conhecia apenas as áreas de influência francesa) das literatura­s africanas em francês e em inglês, o estudioso húngaro dedica extensos capítulos, exemplarme­nte circunspec­tos, às literatura­s de língua portuguesa, que ainda hoje têm validade. A “Formação e evolução… é uma obra que pode servir de iniciação para o conhecimen­to da literatura africana, em geral e das de diferentes línguas, em particular. É de sublinhar a vasta e exacta bibliograf­ia que encontramo­s neste livro.

Divulgação no regime socialista

Nesta época, aliás prevalecia certa atitude divulgador­a da cultura que foi uma das atitudes positivas do regime socialista, vigente então na Hungria, porque foram criados vários foros nos quais o leitor atento e circunspec­to podia conhecer literatura­s de outras terras. Assim podiam sair obras literárias de autores africanos que escreviam em língua portuguesa nas folhas da revista literária “Nagyvilág”, e nos volumes duma colectânea chamada “Égtájak” (‘Confins do Mundo’) – o curioso no caso destes foros foi que neles a intenção política não prevalecia e assim apareciam obras do mais alto valor artístico e estético.

Foi assim que saíram nas páginas da revista Nagyvilág poemas de Agostinho Neto, sendo ele o primeiro poeta africano de língua portuguesa que os leitores puderam conhecer na Hungria. O seu poema ”Fogo e ritmo” foi publicado no nro. 10 de 1961 da mencionada revista. Seguiu-se em junho de 1963 (nro. 7 daquele ano), na mesma revista, uma seleção de poemas africanos. De par com os versos de Birago Diop e de Jean-Joseph Rabearivel­o, foram publicados os versos do poeta angolano Mário António Fernandes de Oliveira (“Sábado à noite”), os da moçambican­a Noémia de Sousa (“Samba”), os do cabo-verdiano Jorge Barbosa (“Choupana”) e os do santomense Francisco José Tenreiro (“Os ne- gros em muitas partes do mundo”). Neste mesmo número da revista saiu também um artigo assinado pelo notável investigad­or húngaro das literatura­s africanas, Tibor Keszthelyi, intitulado “Desde a baqueta de tambor até a caneta”, no qual ele apreciava a atividade poética de Agostinho Neto, entre outros.

Ainda na década de 1960 vieram à luz na revista Nagyvilág (nro.6 de 1966) um conto de Castro Soromenho, intitulado “Samba”, e o poema ”Surge et ambula” do moçambican­o Rui de Noronha.

Nos volumes da mencionada série Égtájak (‘Cantos do Mundo’) também saíram várias obras de prosa africanas dos autores dos hoje PALOP. Assim, chegou aos leitores húngaros o conto do escritor angolano Herbert L. Shore “Casamento em Angola” ( Égtájak 67. Ed. Európa, 1967), o “Balaguinho” do cabo-vediano Baltasar Lopes ( Égtájak 69, Ed. Európa. 1969) e o ”Repouso para almoçar” do moçambican­o Luís Bernardo Honwana ( Égtájak 70, Ed. Európa, 1970). Estas obras como podemos deduzir da pessoa do tradutor, foram traduzidas na maior parte de outras línguas intermédia­s, e não do português, mas mesmo assim serviam para a difusão das literatura­s

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