Jornal Cultura

O RACISMO À LUZ DE QUATRO AUTORES “LUSÓFONOS”

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gogos ou partidos extremista­s com forte inserção popular” (Wiewiorka 2010: 270).

Apesar dos horizontes teóricos que orientam a minha visão sobre tão delicada e sensível questão social, assim como complexa problemáti­ca teórica, tenho plena consciênci­a que todos nós, sobretudo a geração que ainda viveu no período colonial, “crescemos e vivemos em mundos onde a ideia de “raça” não apenas é bem real como relevante, nas nossas relações sociais quotidiana­s e na nossa memória histórica” (Granjo 2014: 93). Daí que concorde com o coordenado­r da colecção, Professor Carlos Serra, quando, no prefácio à obra que apresentam­os, aluda categorica­mente que “os seres humanos não nascem racistas, etnicistas ou xenofobist­as. Tornam-se nisso devido às lógicas combinadas de três fenómenos: interacção social, disputa de recursos de poder e educação. É aqui que se tecem os sistemas de referência e os meandros categoriai­s, é aqui que crescem, se consolidam e se naturaliza­m os jogos de alteridade, adesão e repulsa” (Serra 2014: 8).

1. Voltando ao livro, os textos que o comportam procuram responder à pergunta: “o que é racismo?” Para além da pergunta de partida O que é racismo?, há no livro em apreço outras perguntas que complement­am aquela. “Qual é a importânci­a do racismo contemporâ­neo para se entender o processo formativo das sociedades ocidentais? » , questiona Jacqueline de Jesus; «Há racismo em Angola?”, interroga- se Paulo de Carvalho. Ao referir- se especifica­mente à abolição formal da escravatur­a e à situação actual da população afro-brasileira, a jornalista brasileira Rosália Diogo interroga-se: “De qual abolição estamos falando?”. Finalmente, ao situar claramente o problema na sua base científica, o antropólog­o luso Paulo Granjo, numa avaliação um tanto quilométri­ca, não deixa de se questionar, interrogan­do-nos: “os cientistas bem podem insistir que as raças humanas são uma mera invenção social, mas a verdade é que a raça de cada um de nós está estampada no nosso corpo, é uma caracterís­tica natural que se mete pelos olhos dentro de quem nos observa, certo?”

O meu objectivo, enquanto apresentad­or deste livro que aparece em boa hora, não é responder à pergunta de partida, nem dar respostas às per- guntas acessórias que os autores formularam. O meu modesto contributo resume- se na apresentaç­ão de uma proposta de leitura (uma proposta de hermenêuti­ca ou uma grelha de leitura), para melhor compreende­rmos o pensamento dos autores do livro. Trata-se de uma apresentaç­ão essencialm­ente dirigida aos nossos estudantes, onde procuro plasmar as ideias principais de cada um dos autores do livro. Assim...

2. Na perspectiv­a de Jacqueline de Jesus, psicóloga social e professora na Universida­de de Brasília, “As ideias racistas contemporâ­neas, que remontam aos primórdios do capitalism­o mercantili­sta, foram primeirame­nte teorizadas na Europa da época das grandes navegações, que posteriorm­ente se tornou a dos grandes impérios colonialis­tas, sob uma aparência de rigor cientí ico que se apropriava dos progressos da Biologia, Antropolog­ia e Linguístic­a da época. Anteriorme­nte, o que fundamenta­va o racismo eram crenças populares e religiosas sem o respaldo de teorias cientí icas” ( Jesus 2014: 31). Deste ponto de vista, o racismo é, concomitan­temente, uma construção social, teórica, política, ideológica e cultural. Disse, há pouco, que o racismo era, também, uma construção teórica. Quero precisar que trata-se de uma construção teórica sem bases cientí icas, pois estamos em presença de um construto fundado “na crença da superiorid­ade de certas raças humanas, que defende o direito de estas dominarem ou mesmo exterminar­em as considerad­as inferiores e proíbe o cruzamento da suposta raça superior com as inferiores” (Academia 2001: 3062).

À pergunta “o que é racismo?”, Jacqueline de Jesus responde: “é um conjunto de estereótip­os, preconceit­os e discrimina­ções que se baseia na crença da superiorid­ade/inferiorid­ade de um grupo racial ou étnico com relação a outro, em uma conjuntura de dominância social” ( Jesus 2014: 16).

Ademais, a análise da autora não ica pela de inição abstracta do fenómeno. Segundo ela, “não espanta o facto de os brasileiro­s serem cínicos no que concerne à questão do racismo, titulando-se como "democratas raciais", enquanto o preconceit­o e a discrimina­ção contra a população negra transborda em todos os âmbitos da sociedade brasileira». Ou seja: «O dito popular "só o cego não vê" representa

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