Jornal Cultura

Conto de Gociante Patissa

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o recado por terceiras mãos de que o boi havia morrido na lavoura. «Eu, pagar o boi do paralítico? Nunca!», refilava o ajudado. «O que é que pode ele fazer para me agarrar, por acaso vai correr?» A repreensão dos demais aldeãos era automática, tendo em conta que é sobre a honestidad­e e honradez que se constrói uma nação. Aquele teimava em não ressarcir.

Um ano depois, veio a notícia de grande desalento. Uma lasca de madeira havia adentrado um dos olhos do mestre dos pentes. Ter-se-ia alojado atrás da córnea. Não havendo hospital convencion­al, cabia aos homens ir soprar-lhe pela boca o olho. Turnos de dois, duas vezes ao dia. E como o trabalho voluntário é, em boa verdade, rotativo e obrigatóri­o, foi o doente consultado se permitia o vigarista soprar-lhe também, ao que anuiu, garantido que nos momentos de doença e morte, a dívida podia esperar.

Chegada a vez, o devedor curvou-se para soprar. E er a impecável. Mas quando menos esperava, o doente en- volveu-o num grampo de braços pelo pescoço, cortando-lhe assim a respiração, ao ponto soltar gazes. «Daqui só sais com o meu boi de volta!» Os demais ainda tentaram de tudo para arrancar dos braços de Lumbombo o vigarista, não faltando quem derramasse óleo de palma, na vã tentativa de aligeirar a separação. Só horas depois, com a presença do boi, Lumbombo soltou-o. E estava aprendida a lição. Se deve, paga! Não é com as pernas que corremos, é com o pensamento. Como diz o provérbio, «una olevalisa eye onjaki» (aquele que empresta é que é o briguento).

Aeroporto Internacio­nal da Catumbela, 22 Setembro 2014 ------------------------(*) Adaptação de um curto relato contado pelo meu avô e xará Manuel Patissa

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