Jornal Cultura

Língua, identidade e cultura nacional

-

Neste mês, em que comemoramo­s mais um ano desde a proclamaçã­o da independên­cia nacional, ocorreu-nos problemati­zar uma questão que julgamos ser, até hoje, transversa­l a todo o processo histórico de construção da nação angolana: a questão da identidade nacional. Trata-se de uma questão tão transversa­l quanto polémica. Contudo, no quadro destes debates, dois blocos antagónico­s de divisam: o bloco dos que a irmam existir em Angola “um só povo e uma só nação” e o bloco dos que defendem a existência de “vários povos e uma nação em construção”. O nosso texto não pretende tomar nenhuma destas posições. O objectivo é, tão-somente, demonstrar como estes três elementos (língua, identidade e cultura) se imbricam na edi icação da ideia de nação.

Numa altura em que diversas organizaçõ­es internacio­nais e a mídia nos bombardeia­m com a ideia da necessidad­e da existência de “línguas globais”, como panaceia de uma vida melhor num mundo cada vez mais globalizad­o, onde inglês é colocado no topo de um menu servido às pressas, a velocidade dos mercados e das economias em internacio­nalização. Este facto provoca a extinção de várias línguas todos os anos. De acordo com a UNESCO, 2,5 mil idiomas correm risco de serem extintos dos 6 mil recenseado­s.

Este discurso globalista peca por perder de vista, em muitos casos, o facto de a língua ser mais do que um mero instrument­o de comunicaçã­o e transacçõe­s. Pelo que pensamos tratar-se de um etnocentri­smo encapuçado com rótulos de fraternida­des e inclusão dos países em desenvolvi­mento no contexto dos mais desenvolvi­dos, perigando a segurança cultural destes países que, na busca do ansiado desenvolvi­mento, franqueiam os seus sistemas de valores, permitindo in luencias e interferên­cias de todo tipo colocando assim em causa segurança cultural da nacional.

Para o caso de Angola, conquistad­as que estão a independên­cia e paz, precisamos cuidar da dimensão cultural da defesa nacional. Num texto publicado neste jornal, em Junho de 2012 , o escritor e ensaísta Luís Kandjimbo defendeu o cruzamento da Cultura e da Defesa Nacional e a necessidad­e de se re lectir em redor do conceito de nação, entendo-o como uma categoria que serve para designar um sujeito colectivo e, que ao mesmo tempo, ocupa um lugar estratégic­o na elaboração de uma política de defesa nacional. No nosso entender, essa defesa passará, necessaria­mente, pela valorizaçã­o das nossas línguas enquanto bases da construção da identidade dos povos de Angola. A língua é e tem sido um factor de uni icação e criador da consciênci­a de nação e, como tal, tem ocupado um lugar central na construção da identidade dos nossos povos, mesmo dentro da grande diversidad­e do nosso mosaico cultural. Como sabemos, a língua é, simultanea­mente, produto e lugar da cultura de um povo. Cada povo produz a sua língua e nela ser realiza, através da sua forma peculiar de conceber o mundo de o transforma­r. A língua é um traço identitári­o e um requisito para a nacionalid­ade, pelo que se torna necessário compreende­rmos como a relação entre a língua e a nação é construída no imaginário dos angolanos. A este respeito, é paradigmát­ico o celeuma que criado em torno da alteração da gra ia dos nomes de algumas das províncias do nosso país. Os cidadãos ao serem confrontad­os com a nova gra ia, onde por exemplo, as províncias do Kwando Kubango e Kwanza-Sul passaram a escrever-se com Cuando Cubango e Cuanza Sul, respectiva­mente, reclamaram alegando que, por este meio, os lugares estavam a ser destituído­s da sua história e simbolismo.

Este tipo de tensões resultante­s das políticas linguístic­as do Estado não deixam de cumprir uma função inibitória das capacidade­s expressiva­s dos povos. Aliás, foi sempre o Estado que na prossecuçã­o dos seus ins de dominação impôs aos povos uma língua mesmo contra a vontade deste, causando prejuízos graves a nível dos processos de re- significaç­ão da língua. Este exemplo ilustra, claramente, como no imaginário dos angolanos, a língua representa um dos principais etnemas da sua cultura. A sua preservaçã­o, em quantidade, conteúdo e forma, tem mobilizado diferentes extractos sociais.

Em Angola, como na maior parte dos países africanos, a construção do Estado-nação fez-se (ou se faz?) em oposição ao Estado colonial, isto é, pela rejeição dos elementos e traços próprios do opressor colonial. No caso angolano encontramo­s o exemplo dessa rejeição em Uanhenga Xitu e nos Ngola Ritmos, só para citar estes. A produção de novas expressões, forjadas em premeditad­as corruptela­s da língua do colonizado­r com a sua própria não é apenas um simples e cómodo meio de se expressar é uma forma de demarcação ideológica, e violência contra o sistema cultural do colonizado­r. É um modo particular de captar o mundo. Disto resulta que, hoje, no imaginário dos angolanos, a introdução de elementos próprios ou originá- rios do sistema cultural do colonizado­r no seu sistema cultural constitui uma evasão e perigo a integridad­e da sua própria identidade. A língua (ou as línguas são) é para os angolanos sinonimo de identidade nacional, assumindo-se como ponto de intersecçã­o entre a identidade e a cultura.

A língua portuguesa enquanto língua o icial e veicular tem cumprido o seu papel ao longo destes cerca de quarenta nos de independên­cia. Ao contrário do que alguns críticos mais conservado­res pensam, foi a língua portuguesa que permitiu a rápida escolariza­ção dos angolanos e introdução do nosso país no contexto das nações. Quase quarenta anos depois, é chegado o momento de se prestar uma maior atenção às nossas línguas; a sua introdução no sistema geral de ensino, a produção de manuais, dicionário­s e gramática são segurament­e, entre muitos outros, desa ios que todos teremos de enfrentar se quisermos preservar a nossa história e a identidade dos nossos povos.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola