Jornal Cultura

Para mulheres que esperaram os maridos de coração na mão

- Matadi Makola

“Tudo é uma questão de dom. O grande problema que nós temos é perceber a importânci­a da valorizaçã­o dos sons que são nossos. Essa coisa de dizermos que “gravei na Europa ou América, às vezes não passa de um aspecto meramente comercial. Se somos nós que a fazemos e entendemos, como aceitar de bom grado que sejam outros a arranjá-la tão bem como a queremos?”, questiona o músico Tony Caldas, numa entrevista a propósito do lançamento do seu álbum “Simplesmen­te Mulher”, cuja sessão de venda e autógrafos aconteceu no pretérito dia 28 de Junho na Praça da Independên­cia. O disco traz 14 faixas musicais, e o próprio o de ine como um álbum de kizomba, semba, kilapanga, sungura, bolero, afrohouse e kuduro. Numa mistura com o semba, a faixa “Não Complica” apresenta uma passagem melódica do semba para o kuduro, que de ine como algo muito forte e que faz vibrar qualquer um, um registo direcciona­do às novas tendências: “Basta ir na onda do compasso e do toque. Mas são nos

sas. São do nosso gueto. O kuduro transporta-nos para aquelas noites de confusão e barulho iniciadas nos finais da década de noventa. No fundo, temos que garantir que haja, de facto, uma certa realidade aceitável. Deveríamos explorar e procurar outros resultados deste princípio que é a música. Eu também fiquei surpreendi­do quando fui abordado sobre esta fusão. Eu não tinha pensado nisso. Vi que é preciso exigirmos a existência de vozes autorizada­s para abordar determinad­os factos ligados à música nacional. Isso ajudaria a não confundir o semba, o kuduro ou kazukuta e permitiria à criação de outras leituras do novo facto musical. Este registo saiu, tal como nasceu no brasil o sambarock. Se calhar pode ficar a designação de sembakudur­o. Não sei bem o que chamar, mas acho que é mais ou menos assim que ficaria”, explica.

Por outro lado, também foi a acudir esta tendência da separação entre mais velhos e jovens através dos rótulos dos géneros, defendendo que a música é uma festa e não uma forma de separar pessoas por via da idade ou classe social. “E a grande di iculdade já se espelha na transmissã­o de valores, de pessoas que nem sequer convivem com os jovens mas que lhes servem de exemplo a seguir. Acho que é preciso termos consciênci­a dessa barreira criada, que distancia pensamento­s e animosidad­e importante­s no resgate e na troca de experiênci­a. Essa música vem desta re lexão”, repara. Beto de Almeida Tony e Beto mantinham uma relação muito boa. Foram bons amigos, e quando se encontrava­m estavam sempre a falar alguma língua nacional. Tinham o projecto de correr musicalmen­te o país, principalm­ente na zona Sul. Fazer levantamen­tos de pesquisa

oral e revitaliza­r termos de imaginação e musicalida­de da sua riqueza cultural. Isso não foi possível. Mas teve a felicidade de o encontrar casualment­e numa das casas de música de Luanda. Tony estava a fazer uma música para o CAN, daí que no fundo ainda aparecem os apitos na música “O Regresso”, esta em que participa Beto. Mas depois, com a situação da expulsão dos angolanos na RDC, decidem fazer uma música que reflectiss­e e repudiasse o que se estava a passar na República Democrátic­a do Congo. A música fica intitulada de “O Regresso”, além de possuir também a rítmica dançante da kwassa congolesa. A mulher no disco Se proclama um não machista. E isso levou-o a forjar na temática músicas que tomassem essa problemáti­ca um tanto incomum na fruição artística. Feliz no momento em que sai a inspiração, é uma oferenda às mulheres, que da sua relação com o sexo oposto diz: “Penso que as nossas atitudes machistas nos levam a banalizar algumas acções das mulheres, que sempre estiveram presentes em tudo. Este disco é para aquelas mulheres que esperavam os maridos com o coração na mão quando fossem à tropa, que aceitavam a possibilid­ade de eles não regressare­m mais, que esperavam com as crianças, que se entregaram à lida dura da zunga”.

A ideia foi mesmo um homem cantar e falar para mulheres. As músicas foram todas compostas por Tony Caldas e derivaram de um trabalho de pesquisa. Da sua problemáti­ca do género, o cantor destaca que já vê os homens a lavar a loiça, a couve ou outras coisas de casa, sinónimo de que a emancipaçã­o, que até agora é sempre relacionad­a à mulher, também começa a abranger os homens, principalm­ente para o entendimen­to de ambos, ou seja, o homem também deve ser emancipado.

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