Afinidades e diferenças
O texto literário possui características estruturais peculiares que o diferenciam de um texto não-literário, fruto do processo de recriação do real e da construção de um mundo imaginário que conserva o prazer estético e representa uma simulação através da mimese. Esta viagem, que rompe com as profundezas da alma para apresentar uma narração convincente e atraente, transforma o acto ísico da escrita em algo sobrenatural, aquilo a que, neste contexto, chamamos loucura.
Existe, entre o génio e a loucura, a mesma essência, isto em função dos mesmos termos nosológicos e com o mesmo crivo. Essa maneira de encarar as coisas de forma natural relacionava a criação com a loucura. Tal visão encaminhava os escritores a frequentarem neurologistas e psiquiatras.
Em conformidade com Monique Plaza, o processo criador resulta da atracção do profundo mistério que médicos e ilósofos tinham tentado estudar, muito antes do nascimento da psiquiatria contemporânea. O carácter inexprimível do talento, do dom, da aptidão, da criatividade, suscita um respeito quase religioso ou, no outro extremo, uma tentativa obstinada de explicação, de redução. A loucura é atribuída ao mistério da criação, por Aapresentar o ininteligível.
Pode-se então estabelecer uma relação entre loucura e criação a partir do momento em que se ocultar o tipo de trabalho que o torna possível e o carácter fortemente compartilhável. O escritor, o poeta, o romancista e o contista, comparados ao louco, só têm actuação a partir da exclusão dos elementos acima mencionados. A exclusão dos referidos elementos constitui o círculo favorável ao psicopatologista na construção de estratégias de interpretação.
Segundo Freud, o escritor (o poeta, o romancista, o contista) é um inovador, ele apreende coisas que a nossa sabedoria escolar não pode ainda sonhar. Neste sentido, ele é, pois, um aliado e uma testemunha: deve ser tido na maior consideração. O escritor é aliado da psicanálise, pois permite que esta mate dois coelhos com uma cacetada: interpreta a vivência do povo que vem a ser associada à originalidade da abordagem psicanalítica em relação à ciência tradicional.
A maneira como são abordados os aspectos em ciência difere da forma com que o romancista e/ou o poeta traz à tona os factos (o mundo por ele viajado/descoberto), o arrebatamento.
A inidades e diferenças
Não existem a inidades perfeitas, fruto do método que cada uma das áreas adopta. A psicanálise é centrada na clareza objectiva e comparada ao medicamento e o romancista é ixado à obscuridade subjectiva do método. O psicanalista, nesta perspectiva, realiza observações conscientes dos proces- sos anormais de outrem, ao passo que o escritor tenta concentrar a atenção sobre o inconsciente da sua própria alma, recriando-a em função das suas habilidades. O romancista torna-se um falso gémeo do psicanalista, por não seguir a via normal. Apesar desta semelhança, ainda é notório o desfavorecimento do psicanalista, resultado da atenção de que o romancista dispensa à virtualidade do seu inconsciente, sem passar pela rejeição: “O processo criativo assemelha-se ao processo neurótico”, diz Freud.
Em paralelo, Freud coloca o romance no mesmo plano da produção patológica. A análise patológica reveste-se dos conhecimentos adquiridos (cientí icos). Contrariamente, o escritor usa o saber desconhecido, quer dizer, é invadido por uma viagem na qual constrói a sua narrativa e, ao retornar ao mundo real, chega a não acreditar no que escreveu.
O louco e o escritor encontram-se em abismos contrastantes; o louco patológico encontra-se ali por razões de saúde e o louco escritor para uma extraordinária irradiação, recriação para satisfazer a expectativa do seu leitor.
As irradiações do escritor o psicopatologista não tem como as travar verdadeiramente, visto que a sua intervenção analítica só vem a existir após a publicação do texto criativo – texto literário e o seu consumo pelos leitores.