Jornal Cultura

ADEUS MENINO (AUTO PARA A CEIA DO NATAL)

Fala do poeta Sangwangon­go Malaquias (Auto para a ceia do Natal)

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Nas cavernas da rota da seda o meu irmão fuma ópio e afaga o camelo come uma tâmara madura escondido à luz do dia na nuvem de poeira que o vento sul sopra em cortina castanha o horizonte é a sua casa de pedras e palhinha quente como a manjedoura inóspita da Palestina.

(Vamos explodir, menino do deserto, que a liberdade é um oásis destroçado)

Nas prisões que vão do mar às nuvens está prisioneir­o o meu irmão que nunca afagou um camelo nem fumou ópio na solidão da poeira translúcid­a do vento sul.

(Ao sol escancarad­o do meio dia há lágrimas puras derramadas na vala comum de mães desesperad­as)

O meu irmão roubou pitangas na granja do chefe de posto e colheu jinguengue madurinho dos capinzais queimados pelo napalm e arrasados pela ventania de Março que soprava em lufadas de calor do alto Pingano

(os cães uivam angústias ao mistério da noite).

O meu irmão sobreviveu aos saldos e à in lação nas ruas de um império perfumado de sangue suor glamour e burbon som do contrabaix­o rompendo as colunas de fumo do cavô a cantora soltando mágoas do rapaz do Bindo levado nas cordas de um barco negreiro lavado nas lágrimas da nossa mãe.

(A cobra cuspideira anda nos ninhos devorando o amanhecer quem aprendeu a voar sabe cantar o dia que nunca viu nascer)

África do sofrimento e do cemitério onde morre a dignidade dos elefantes a preciosida­de dos seios das mumuílas a boca petri icada dos mucubais a rota apagada dos escravos fugitivos dos passos cativos dos abraços quebrados e o canto rompendo muros e murmúrios becos iluminados por sete estrelas do Cruzeiro do Sul e mulheres parindo deuses na fuga para o Egipto no encalço do alfabeto e do pássaro do Nilo que escreveu os falsos evangelhos nos papiros de Alexandria. (mãe, nossa mãe, como se perdeu tão cedo e foi brevíssimo o inebriante sabor do teu leite!)

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