Jornal Cultura

Especulaçõ­es Vocabulare­s

(Signi icado corrente, mas também exploratór­io das palavras)

- Inácio Rebelo de Andrade

BELEZA Qualidade do que é belo ou agradável.

Tão agradável de ver que desperta uma paixão, quando provém da mulher (para o homem) ou do homem (para a mulher). Em qualquer caso, isso diz respeito ao aspeto ísico dela ou dele. Como vem escrito nos livros, essa qualidade não é perceciona­da do mesmo modo por todos os observador­es. Há homens que consideram belas as mulheres altas e magras, enquanto outros as preferem baixas e gordas; há os que as querem louras, mas também os que as desejam morenas. E não vale a pena tentar convencer cada um de que se engana, porque a ideia de pretender que alguém veja o mundo com olhos alheios, além de ser condenável, é arrogante. Para não dizer estúpida...

Besta Animal quadrúpede irracional.

Termo que se aplica também aos huma- nos bípedes, quando os mesmos procedem à maneira dos que se movem por quatro patas ou pensam (melhor, não pensam) como eles. Quase todos os dias, lemos na Imprensa, ouvimos na Rádio, vemos na Televisão que há maridos que agridem as mulheres a qualquer propósito, pais que esbofeteia­m os ilhos, carcereiro­s que seviciam os presos — e por aí fora, uma série de violências desse ou de outro género pior. Que nome merece uma pessoa dessa espécie, que se acha no direito de maltratar assim aqueles com que convive? De besta, claro — de grandessís­sima besta! Ao fazer-se, a comparação só deixará mal os animais, pelo menos alguns, que são até bem pací icos entre si...

BÍLIS Substância viscosa, esverdeada e amarga segregada pelo ígado.

Percebe-se assim por que se dá o nome de biliosas às pessoas que são caraterolo­gicamente amargas, de humor irascível, que convém evitar a todo o custo. Em linguagem mais comezinha, são gente intratável, que nem as «bestas» referidas no verbete anterior; quando lhe picam «a burra» ou a põem «com os azeites», como se observa a propósito, ela perde o tino e pinta a manta. Repete-se por isso o conselho: nada de relações próximas, deixem-na com os azedumes próprios e passem-lhe de lado. Bem de lado, tão longe quanto possível.

BOCA Cavidade no rosto por onde o corpo se alimenta.

Por essa cavidade, saem as palavras, ora certas, ora erradas; lançam-se bênçãos e maldições, proferem-se elogios e difundem-se calúnias, absolvem-se inocentes e condenam-se culpados. Por ela, se pergunta ou responde, se garante ou duvida, se a irma ou nega, se canta ou assobia, se grita ou sussurra. Com afeto ou paixão, também por ela se beijam os entes queridos: um ilho, um neto, um noivo, um esposo. E ainda bem: porque cada beijo, mesmo o mais convencion­al, até o menos espontâneo, a redime das suas infâmias e lhe sublima a sua existência.

BRASIL País da América do Sul de expressão portuguesa.

O país que ica do outro lado do Atlântico, onde encontrei gente de que gostei muito. Amigos do peito, cujos nomes trago sempre na memória e que evoco saboreando cada letra, com o mesmo prazer com que bebi lá um sumo de caju. Brasil de brancos, de negros e de mulatos, do Rio de Janeiro, de São Paulo e de São Salvador da Baía. Brasil de Jorge Amado, de Manuel Bandeira, de Cecília Meireles, de João Cabral de Melo Neto, de José Lins do Rego e de Guimarães Rosa. Brasil de Gilberto Freire, cuja casa-museu de Santo António de Apipucos visitei no Recife. Brasil escrito com B grande, tão grande como o seu território, a sua beleza e a sua cordialida­de; tão grande como o Padre António Vieira!

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